quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

E Viva a Liberdade

Pedro Cuiça (2012) © Preikestolen (Noruega)


A “liberdade de circulação” é um direito protegido por lei, nos países nórdicos, que permite andar, comer e pernoitar, praticamente onde se queira. Chama-se “allemannsretten” na Noruega, “allemansrätten” na Suécia e “jokamiehenoikeus” na Finlândia. Essas palavras poder-se-ão traduzir como “liberdade de deambular” ou “liberdade de andar”: o direito de qualquer pessoa poder desfrutar da natureza livremente. Esses três países possuem vastas áreas de natureza selvagem (wilderness): as florestas cobrem 35 a 65% da sua superfície, existindo 450 mil lagos na Noruega, 180 mil na Finlândia e 96 mil na Suécia;

A liberdade de deambular dá a todos certos direitos, mesmo em terrenos privados: (1) poder deslocar-se a pé, a cavalo, de esqui, bicicleta ou barco; (2) colher bagas, flores e cogumelos; e (3) acampar, pelo menos uma noite, e, em alguns casos, fazer fogueiras. Mas esses direitos são também acompanhados de deveres e de uma adequada atitude cuidadora da natureza. Por exemplo, caso se esteja na propriedade de alguém, é necessário estar fora de vista e suficientemente longe para não ser ouvido. 

Os direitos referidos resultam de tradições ancestrais e, hoje, fazem parte da lei; por exemplo, estão contemplados, desde 1994, na Constituição sueca. Essas tradições expressam-se através do Friluftsliv, que pode ser traduzido como “vida ao ar livre”: um conceito nórdico utilizado originalmente como uma forma de pensar e “estar na vida”, intimamente ligada à natureza. O explorador norueguês Fridtjof Nasen (1861-1930) acreditava que a natureza era a nossa verdadeira casa (lembremo-nos do oikos da eco-logia) e que friluftsliv era o caminho de regresso a casa. O genuíno friluftsliv proporciona uma profunda experiência biológica, social, estética, espiritual e filosófica de proximidade a um lugar, à paisagem e ao mundo-mais-que-humano. Uma experiência que, hoje em dia, a maior parte das pessoas urbanas ignora. Hans Gelter cunhou o termo “friluftsliv pós-moderno” para designar o foco actual na comercialização, “turistificação” e “desportificação” das atividades ao ar livre, caracterizado por uma notória alienação face à natureza, tendências que, infortunadamente, também já chegaram ao Norte!

Aqui por terras meridionais, mais precisamente neste Portugal “à beira-mar plantado, a “liberdade de circulação” também está consignada na Constituição, mas, na prática, as caminhadas estão condicionadas em muitas áreas (inclusivamente em caminhos públicos, pasme-se) e atividades como pernoitar com tenda (e até bivacar), fora dos parques de campismo, ou fazer fogueiras são, em regra, proibidas na generalidade do território. Comercialização, “turistificação” e “desportificação” não nos faltam, áreas que se possam com propriedade designar “naturais” serão tão escassas quanto discutíveis, e liberdade, não tenham dúvidas, está em vias de extinção!


Pedro Cuiça (2012) © Preikestolen (Noruega)


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