©Pedro Cuiça (2022) |
UM DIA NO PARQUE
Tive
receio de os levar de carro e perguntei a Lona se não se importava que levasse
as crianças a pé ao parque – não seria demasiado longe para elas? «Claro que
pode», respondeu Lona. «Estão habituadas a andar. Andam mais e mais depressa
que eu.»
Voltei
e disse às crianças que se fossem preparar.
(…)
O parque ficava mais ou menos a quilómetro e meio de distância e divertimo-nos
bastante fingindo perder-nos no caminho para logo a seguir o encontrarmos. Eles
corriam à minha frente, quase sempre, cortando por atalhos de erva alta.
«Depressa!», gritavam. «Está quase na hora de darem de comer aos leões.»
Havia
um belíssimo bosquete no meio do descampado iluminado por luz dourada, uma
coisa que não esperava encontrar em Albuquerque. Faz-me lembrar a paisagem de
Derain, dourada, de uma beleza quase sobrenatural. Estendi-me na relva e as
crianças começaram a saltar em torno de mim, como acrobatas. Mesmo daquela distância
podia ouvir o rugido dos leões. Jacquelin sentiu sede e pediu-me que a levasse
a uma das fontes do parque. Bruce desejava ajudar a dar de comer aos leões. Eu
queria apenas continuar ali estendido para sempre, naquele enorme charco de luz
dourada, vendo a seiva verde correr como mercúrio através das folhas
transparentes das árvores.
(pp.
179-180)
Observei-a
fascinado. A meu ver, era justo que ela [Jacquelin] passasse
assim de repente de uma coisa para outra sem se preocupar com esse facto. Esse
é um dom que só as crianças e os sages possuem. O dom de esquecer. O dom de
separar-se. Voltei à cabana e fiquei sentado uma hora a sonhar, sendo
despertado pela chegada de um mensageiro, que me vinha trazer dinheiro. Isso
fez-me voltar à vida, ao mundo da realidade, ao mundo ridículo dos valores.
Dinheiro! O próprio som da palavra pareceu-me absurdo, sem sentido. O brinquedo
quebrado, deitado para o lixo, era infinitamente mais valioso e significativo
para mim. De súbito, apercebi-me que Albuquerque era uma cidade com lojas,
bancos e cinemas. Uma cidade como qualquer outra. A magia desvanecera-se. As
montanhas tinham agora um aspecto turístico. Começou a chover. Nunca chove
em Albuquerque nesta altura do ano. Mas chovia agora. Um verdadeiro dilúvio. No
pequeno pátio-clearence onde as crianças costumavam brincar havia neste momento
um enorme charco. Tudo se modificara. Comecei a pensar em sanatórios, em
pulmões sem ar, nos pequenos recipientes que as companhias de aviação colocam
ao alcance da mão do passageiro, no lado do assento. Entre as cabanas, um
contínuo lençol de água caia obliquamente. Já não se ouviam as vozes das
crianças. O passeio terminara, não deixando nem alegria nem tristeza –
apenas uma sensação de vazio.
(p.
186)
LIVRO
MILLER, Henry. 1971. Pesadelo em Ar Condicionado. Lisboa: Editorial Estampa. [ed. original: The Air-conditioned Nightmare. New York: New Directions Corporation, 1970]
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