domingo, 1 de maio de 2016

MAI(a)S...

«Houve um momento da minha vida em que estremeci, diante da paisagem, como se ela própria houvesse estremecido…; em que as pedras e os montes me falaram. E fiquei a ser esse instante. Aquele relâmpago fixou-se no meu espírito.»
Teixeira de Pascoaes

Para sair da abjecção dos dias de hoje é fundamental efectivar uma aliança concreta com a antiga Mãe: a Terra. Não é somente imprescindível a defesa das montanhas, rochedos e pedras, das árvores, dos rios, das plantas e dos animais, mas também a defesa das tradições como a vivência do tempo mítico e do espaço sagrado...
A ideia de uma Terra viva – Terra Mãe, Magna Mater ou Gaia –, de uma Natureza viva, do mundo como um macróbios, esta visão panteísta segundo a qual tudo na Natureza está vivo e tem alma (anima), implicando uma solidariedade cósmica entre os seus inseparáveis componentes, tem reflexos profundos no inconsciente colectivo e na espiritualidade popular portuguesa (animus), expressando-se ainda hoje através das lendas de mouras encantadas, fontes santas, penedos da fertilidade, etc..
Por isso, neste círculo do entre-ser e da roda do ano, hoje é um dia auspicioso: a jornada em que se comemora o triunfo do Sol, da afirmação primaveril rumo ao Verão, estações procriadoras e fecundantes, promessas de fertilidade e de novas andanças… Os dias cada vez mais longos, plenos de luminosidade, e o calor estival constituem convites irrecusáveis para partir rumo à Natureza, passo-a-passo ou pé-ante-pé, assumindo plenamente a nossa corporalidade, animalidade e o simples mas grandioso facto de sermos... Natureza. Por isso e muito Mai(a)s, viva o Dia da Mãe, Viva Beltane.

«As fadas… eu creio nelas!
Umas são moças belas
Outras, velhas de pasmar
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar.»

Antero de Quental


Anatomy of Walking


A prática de pedestrianismo comporta notórias implicações nos domínios da saúde e do bem-estar dos praticantes. Andar a pé por caminhos é uma actividade pouco exigente em termos físicos e de baixo impacto em comparação, por exemplo, com a corrida; e, por isso, pode ser praticada dos “oito aos oitenta” anos de idade. Por outro lado, nos percursos pedestres balizados nem sequer são necessários conhecimentos de orientação para os efectuar (se estiverem bem implementados). Esta actividade para além de ser acessível, no que concerne ao desempenho, revela-se igualmente pouco ou nada onerosa, tendo em conta que não exige nenhum equipamento específico ou especial para o efeito. Na verdade, basta ter a motivação de andar e, nesse pressuposto, usufruir dos benefícios que a actividade proporciona, quer nos aspectos físicos quer psicológicos.
A caminhada constitui um exercício físico de excelência (sem dúvida, dos melhores), ao alcance de qualquer um. Mais, caminhar é um exercício suave, ideal para todas as faixas etárias e com múltiplos e reconhecidos benefícios para a saúde. Andar a pé contribui para melhorar o tónus muscular, aumentando o desempenho cardiovascular e melhorando ou resolvendo eventuais dificuldades respiratórias; favorece a coordenação de movimentos e, inclusivamente, a prontidão de reflexos, corrige posturas erradas e pode evitar que surjam “dores nas costas”.
A marcha, se possível acelerada – e nesse particular destaca-se a marcha nórdica (nordic walking) pelos benefícios acrescidos –, constitui um bom auxiliar para a perda de peso, para mais se acompanhada de uma dieta adequada. A prática de pedestrianismo é uma actividade física aeróbica excelente para combater o excesso de peso ou a obesidade e, simultaneamente, para a prevenção da diabetes, a prevenção e o tratamento da hipertensão arterial e a redução dos níveis de colesterol. A marcha ajuda a prevenir e a tratar a osteoporose, constitui um precioso auxiliar no tratamento da artrite reumatóide e ajuda inclusivamente a prevenir o aparecimento de determinados tipos de cancro como, por exemplo, o cancro da mama, do cólon, do útero, dos ovários e da próstata. Mas os benefícios referidos não se restringem apenas aos aspectos físicos, andar a pé surge como uma praxis privilegiada de contacto com o meio envolvente e de partilha de experiências com consequências inegáveis no âmbito do bem-estar psicológico. Neste contexto, o pedestrianismo também favorece a prevenção da depressão (melhorando a disposição) e promove a redução do stress (e simultaneamente da glicemia, visto as hormonas do stress serem hiperglicemiantes).
Pelos motivos elencados, entre muitos outros que ficam por indicar, torna-se evidente a importância da prática de pedestrianismo muito para além da tradicional usufruição e interpretação do meio. E, nesse pressuposto, será igualmente importante associar a essa prática a mensagem veiculada por muitos médicos de família no que concerne à saúde dos seus pacientes: “Ande pelo menos 30 minutos por dia”. Na verdade, ande bem mais, ande sempre que possa.


ANDAR PELA SUA SAÚDE E PELA SAÚDE DO PLANETA
A prática de caminhada tem vindo a ser incrementada por via da promoção de estilos de vida saudáveis e activos, designadamente através dos médicos de família, particularmente em segmentos populacionais com um acentuado risco de inactividade (e.g. idosos). Os indivíduos sedentários tendem a estar dependentes da existência de infraestruturas específicas para a prática desportiva e, nesse contexto, os percursos pedestres balizados surgem como catalizadores da prática de exercício físico, mormente quando se localizam na proximidade das suas áreas residenciais e em ambientes seguros. No entanto, será de destacar que a promoção da caminhada, no âmbito da saúde, tem gerado grupos informais de caminhantes que diariamente se encontram para andar nas imediações da sua área residencial e na via pública, sem quaisquer infraestruturas específicas para o efeito. Na verdade, a prática de marcha não exige qualquer tipo de “pista” instalada para o efeito ou deslocar-se através de veículo até um determinado local, mais ou menos distante. Basta sair de casa e andar, tão simples quanto isso!
Nos tempos que correm é fundamental adoptar novas atitudes e formas de promover e praticar pedestrianismo e, nesse contexto, os percursos urbanos têm vindo a suscitar um notório interesse. A utilização de bastões – associada aos benefícios da marcha nórdica (nordic walking) – ou o uso de Fivefingers – relacionado com as vantagens de andar descalço (barefooting) – surgem igualmente como renovadas abordagens que visam incentivar a prática de exercício físico, a par de opções nutricionais pouco usuais (como as paleodietas). Dessa forma poder-se-ão colmatar algumas das graves carências de prática desportiva que se verificam na sociedade portuguesa, com as nefastas consequências em termos de saúde daí resultantes. Mas a prática de pedestrianismo também deverá promover, nos dias de hoje, uma consciência ecológica que extravase o antropocentrismo (microcosmo da esfera meramente humana) e adopte uma visão ecocêntrica ou, melhor, ecosófica (que tenha em conta o macrocosmo a nível planetário). “Pensar global e agir local”, andar para estar conectado com o todo, ao estilo da campanha federativa “Ande a pé pela sua saúde e pela saúde do planeta”.


Pedro Cuiça: Passo a Passo – Manual de Caminhada e Trekking (A Esfera dos Livros, 2015: p. 40-43)