segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Walked and Climbed


Black Hills Sun Rise © Pinterest

The Indian viewed the sun as the greatest symbol of the Spirit he worshiped and always placed the opening of his tepee toward the east, where it first appeared in the morning. He did not worship the sun or set aside certain days specifically for devotion. His belief was integrated into his daily life, which it had to be, with his god always presente and manifest in all things.
Gifted as the White man is with imagination and perception, and sometimes with compassion, he has never been able to understand why the Indians fought so fiercely to retain the Black Hills that rose in rugged outline above the grassy plains in the Dakota Territory. The Sioux believed that the Great Spirit had his abode in these hills even as the gods of ancient Greece lived on Mount Olympus. This belief had been etched in their consciousness throught centuries. From where they lived in the land of the tal grass, they could see the Thunder Bird hovering above the high peaks, conjuring rain and snow storms. They knew that spirits lived in the caves, and roamed among the forests of this Paradise where they worshiped.
(…)
Pictures painted on the walls of the caves up there were interpreted by the holy men as a guide on how to live. They were looked upon as the mystic language of the Great Spirit.
The springs that gushed from the cliffs and formed into pools were put there for man’s use. They were the tears of the Great Spirit, and the healing waters were magic to the sick, the injured and crippled who went there for help; and where they often recovered miraculously. They filled their buffalo horns and rawhide bags with the healing water, and carried it back to their homes for the sick and those who were too old to journey to the waters.
Other tribes went to the wilderness health resort, and the Sioux did not molest them when they pitched their tepees, for they knew that no one would dare remain as permanent guests. The Great Spirit would punish them, or the Thunder Bird would wash them away in a flood. They hunted the deer and the elk and the bear which had been placed there in abundance by the Creator to provide meat and fur for his children.
The chiefs of the Sioux and other tribes held councils in the caves, and the medicine men went there often to commune, and refresh and replenish their belief and reverence.
[FOX, 1971: 10-12]

Thunder Bird © South Dakota Ancient Art

To presente this god as Nature is like trying to imobilize a wave by driving a nail into it. The Indian was aware of the statutes written in the Book of Nature, meaning that gave him reverence and serenity; but the Great Spirit was something he could not see. It existed only in symbology and in the invisible outposts of his consciousness. His concept of divinity was inconceivable to the strict religionists who came to his landed Paradise in 1492.
[FOX, 1971: 14]


Devils Tower © Victoria Weeks

There were many peaks in the Black Hills never climbed by the old time Indians because there was a strong belief that it was visited by the Thunder Bird.
Legend further adds that whenever the Thunder Bird stopped it caused much lightning and thunder in the Black Hills.
My mother tells this story about my grandfather as he had told it to her when she was a child.
Many years ago many Sioux Indians went into the Black Hills to gather lodge poles for their tepees and wild fruits.
They camped at foot of a Hill. While the others Indians were sleeping he walked away and climbed to the top of the hill.
He raised his hands to the heavens above and prayed to the Mighty Spirit to watch over his children and their children to give them power, strenght and good health to guide in peace or war.
[FOX, 1971: 194-195]



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FOX, Chief Red. The Memoirs of Chief Red Fox. USA: McGraw-Hill Book Company, 3ª ed., 1971, pp. 210.

domingo, 24 de fevereiro de 2019

A Magia do Sensível

SINT(r)A: a Magia do Sensível...

Pedro Cuiça © Serra de Sintra (23 de Fevereiro de 2019)

Pedro Cuiça © Serra de Sintra (23 de Fevereiro de 2019)

«E eu caminhava sozinho
sob as estrelas serenas e, nessa altura,
sentia todo o poder que há no som…
E ficava ali,
no meio da noite enegrecida pelo aproximar da tempestade,
debaixo de uma pedra, escutando as notas que são
a linguagem espectral da Terra antiga
ou que vivem obscuras nos ventos distantes.
Foi aí que bebi o poder visionário.»
William Wordsworth

«Lamentemos aqueles que nunca puderam isolar-se e não sabem viajar senão em grupo. São pessoas que afugentam na sua frente, para onde quer que se dirijam, a soledade e o recolhimento.»
Norbert Casteret

«Compreendes a vastidão da Terra? Onde fica o caminho para a morada da luz, e qual é o caminho da escuridão?»
Livro de Job

Estive à espera de companheiros para uma “passeata” matinal até ao Penedo da Amizade, mas nenhum apareceu! Companheiros humanos, com quem se partilha o pão, no sentido concreto e/ou metafórico, entenda-se. Numa espécie de ágape material e/ou espiritual… O espaço, esse, estava magnífico como é seu apanágio. Nessa manhã de sabat não foi ponto de (re)união do pequeno grupo, conforme esperava, mas em contrapartida revelou-se uma ágora fora do vulgar, uma praça natural de encontro entre-seres.  
Foi ágORA somente depois da espera, quando se tornou manifesta a hORA de partida e, para além de especulações de salão, nos adentrámos “into the fairies forest”. Nem só, nem mal acompanhado. Como estar sozinho rodeado de tantas árvores e por tão diversificado cantar da passarada? Como estar mal acompanhado pelas irmãs árvores e pelos irmãos pássaros, entre outros tantos seres nossos próximos? Até os rochedos graníticos são extraordinários nas suas características e singularidades… Até no jejum há partilha, porque nem só de pão vive o Homem e aqui a abundância é de outro tipo. No cimo da PEN(h)A da Amizade os panoramas dilataram-se sobre a floresta abaixo e as planuras que se estendem, a ocidente e a norte, até à linha do horizonte…
Quando as turísticas e ruidosas “aves de arribação” começaram a chegar em força, trazendo consigo o desassossego à serra, estava eu “de volta” (ou, melhor, de regresso da volta) pronto a rumar a outras paragens, revigorado e (re)animado. Só? Foi mesmo “só rir”, por este caricato sábado de manhã e... certamente pela boa disposição resultante do ambiente fantástico.

Pedro Cuiça © Serra de Sintra (23 de Fevereiro de 2019)

Pedro Cuiça © Serra de Sintra (23 de Fevereiro de 2019)

Pedro Cuiça © Serra de Sintra (23 de Fevereiro de 2019)

Pedro Cuiça © Serra de Sintra (23 de Fevereiro de 2019)

Pedro Cuiça © Serra de Sintra (23 de Fevereiro de 2019)

Pedro Cuiça © Serra de Sintra (23 de Fevereiro de 2019)

Pedro Cuiça © Serra de Sintra (23 de Fevereiro de 2019)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Trein'a dor


DIZEM QUE NÃO HÁ NADA DE NOVO debaixo do Sol, mas também se poderá afirmar que não há nada de velho debaixo do Sol. O filósofo norueguês Arne Naess, que foi um amigo muito querido, praticava a sua variação desta ideia: a de que, de facto, tudo o que nos rodeia é novo.
Durante doze anos da sua vida adulta viveu numa cabana solitária em Tvergastein, no sopé da cadeia de montanhas Hallingskarvet. Arne insistia em seguir um percurso diferente cada vez que fazíamos caminhadas por aqueles lugares, o que, por vezes significava desviarmo-nos apenas algumas polegadas do caminho que anteriormente escolhêramos. Isto era uma coisa que todos os que o visitavam deviam seguir à risca. Durante todos esses anos, Arne certificou-se de que não havia um caminho único até à sua cabana.
Também decidira que numa circunferência de dois metros à roda da sua cabana devia haver uma espécie de parque natural, de modo a proteger a urze, os ranúnculos e as dríades alpinas que por ali cresciam. Todos os visitantes, incluindo ele, só podiam caminhar sobre as lajes que estavam dispostas nessa zona protegida. Isso permitia que Arne, todos os anos, pudesse observar da sua janela a vegetação viva e intacta,
Tvergastein foi talvez a única cabana em toda a Noruega que não teve um trilho feito pelo homem. Viam-se trilhos de animais, um pouco mais longe, na montanha, mas só isso. Hoje, oito anos após ele ter partido na sua última viagem, existe um único trilho, feito por pés humanos, que leva à sua cabana. Sem a presença de Naess, os caminhantes inevitavelmente optaram pelo caminho mais cómodo e imutável.
[KAGGE, 2018: 99-100]

© Algures da Net

ESTAR CONVENCIDO DE QUE ANDAR a pé nunca deveria ser penoso é um equívoco. Não quero dizer que tenhamos que ficar angustiados por empurrar um carrinho de compras no passeio ou quando, às vezes, à tarde, damos uma pequena volta a pé. A natureza deu-nos a dor como uma tribulação, mas ela é muito mais do que isso. A dor também pode ser benéfica e aprazível, quando nos permite reconhecer a sensação de bem-estar e, sobretudo, a ausência de dor assim que ela desaparece.
(…)
Para Arne Naess, a felicidade tinha a ver com o fulgor – que para ele significava o fervor ou a paixão – e a dor. Enquanto filósofo que dispunha de uma boa compreensão da matemática, elaborou a sua própria equação para o bem-estar. Quando me deparei com a equação, tive de a estudar várias vezes, por ser tão engenhosa quanto simples – e verdadeira:

 

A equação pressupõe que um pequeno aumento no fulgor pode compensar uma elevada quantidade de dor. Se tivermos muito pouco fulgor, também não experimentaremos senão uma pequena parte de bem-estar, mesmo que tenhamos de suportar poucos incómodos. Naess disse-me que pretendia salientar o significado da dor e, ao mesmo tempo, estava convencido de que mais vale estarmos empenhados em aumentar o fulgor do que em diminuir a nossa dor.
Peter Wessel Zapffe, um amigo de Naess, escreveu – na sua tese de doutoramento, com um título de recorte clássico: Da Tragédia – sobre a importância de não tomar atalhos, mas, em vez disso, empregar o tempo a lutar por atingir um objectivo. Receber demasiado apoio técnico «é um roubo irresponsável das reservas de experiências da humanidade». Grandes palavras, de facto. É descabido chegar de carro ou helicóptero ao cume da montanha, em vez de a subir a pé, porque a experiência de estar no cume é superficial se não tiver sido penosa. Zapffe, também filósofo, considerava que a nossa necessidade frequente de simplificar as coisas é o verdadeiro censor das nossas oportunidades de ter grandes experiências. A sua ideia básica, que julgo ser partilhada por todos os que fazem longas caminhadas, é que alcançar não tem necessariamente o mesmo valor do que se alcançou.
[KAGGE, 2018: 115-117]

© Algures da Net

Fazer uma caminhada apenas quando faz bom tempo – e ficar em casa quando está vento, a chover ou a nevar – é perder metade da experiência. Talvez até a melhor metade.
[KAGGE, 2018: 117]

© Algures da Net


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
KAGGE, Erling. A Arte de Caminhar – Um Passo de Cada Vez. Lisboa: Quetzal, 2018, pp. 208. ISBN 978-989-722-519-2

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Wild Me


«Thousands of tired, nerve-shaken, over-civilized people are beginning to find out that going to the mountains is going home; that wilderness is a necessity.»
Jon Muir


A John Muir Trust – For Wild Land & Wild Places tem em curso a campanha The Wild in Me e, nesse contexto, acabou de lançar, no passado mês de Janeiro, o segundo filme da série. O primeiro episódio da The Wild in Me centrou-se na poeta Helen Mort e o recente "segundo episódio" abordou o trabalho do montanhista e fotógrafo Dave “Cubby” Cuthbertson. Uma das características notórias de ambos os filmes, para além da sua grande qualidade inegável, traduz-se no profundo envolvimento criativo de ambos os protagonistas – Helen e Dave – com as paisagens.
Esta entidade escocesa, que se dedica à defesa dos territórios selvagens (wild lands) e à motivação das pessoas, de todas as idades e origens, a se ligarem a lugares selvagens (wild places), surge como um excelente exemplo de trabalho desenvolvido com vista à imprescindível mudança de paradigmas rumo a uma concreta e efectiva reaproximação e religação à natureza. Que seja uma inspiração para outras (muitas) iniciativas semelhantes, e também diferentes, de promoção da renaturalização (rewilding) das paisagens em geral e dos seres humanos em particular, mormente através da prática concreta, no terreno, de actividades de ar livre como o montanhismo e o pedestrianismo.



terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Le pittoresque


Nicholas Roerich © Himalaias

Ce texte [Les Rêveries du Promeneur Solitaire] rédigé en 1776 marque l’aboutissement d’une évolution identifiée dès le siècle antérieur. Au cours du 17e siècle, les discours sur Paris ont évolué autant que l’espace urbain a été transformé par l’affirmation de l’absolutisme royal. L’invention du premier trottoir moderne en 1607 symbolise la nouvelle division de l’espace public entre les piétons et les véhicules. Pour les élites, cela implique désormais deus modes de transport: dans la rue, le statut aristocratique requiert de se déplacer en véhicule pour ne pas se mélanger au people, tandis que des parcs et jardins sont aménagés comme espaces dédiés à la promenade entre-soi, où il devient loisible de marcher pour marcher. «L’art de la marche» et «l’art des jardins» trouvent leurs origines aristocratiques conjointes quando les élites de toute l’Europe commencent à rivaliser à ces sujet au cours du 16e siècle.

L’apparition de la promenade moderne mete en jeu la capacite à différencier et à rendre distinctive la marche-loisir, réalisée pour elle-même et pratiquée par l’élite, par rapport à la marche-déplacement, réalisée par necessité pour aller d’un endroit à une utre, pour ceux qui n’ont pas d’autre choix. C’est en effet la marche-loisir élitiste que réalise et décrit Rousseau, et c’est bien la marche-déplacement triviale qu’il tend à marginaliser et à occulter dans la «Deuxième promenade», qui laisse pourtant deviner de nombreux piétons à côté du promeneur-rêveur «solitaire». L’ouvre  de Rousseau donne alors un grand retentissement à deux innovations romantiques. D’une part, la promenade sort alors du strict cadre des parcs et jardins pour s’étendre aux campagnes bucoliques, puis aux environnements «sauvages» (cf. la naissance de l’alpinisme aristocratique). D’autre part, les élites ajoutent à l’activité physique et mondaine de la promenade une activité littéraire ou picturale.
[MONNET, 2015]

Pedro Cuiça © Jardim da Quinta Real de Caxias (Dezembro 2018)

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MONNET, Jérôme (2015): La marche à pied entre loisir et déplacement. La géographie nº 1557, p. 12.15
MONNET, Jérôme (2016): Marche-loisir et marche-déplacement: une dicotomie persistante, du romantisme au fonctionnalisme. Sciences de la Societé, Presses Universitaires du Midi, pp. 75-89 

  

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Passeatas dominicais

Pedro Cuiça © Andar na Floresta (10/02/2019)

Tal como os velhos pioneiros Transcendentalistas de Concord também sou um aficionado das passeatas dominicais… «Só um caminhante de primeira ordem podia pertencer à Walden Pond Association. Na aldeia de Concord chamavam assim aos “passeantes de domingo”, ou seja, não os que passeiam só aos domingos, mas os que nunca vão à igreja aos domingos e preferem os bosques.»
[Kenneth White (in THOREAU, 1995: 11- 16)]

Pedro Cuiça © Andar na Floresta (10/02/2019)

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
THOREAU, Henry David. A Arte de Caminhar. Lisboa: Padrões Culturais Editora, 2011, pp. 104. ISBN 978-989-709-003-5
THOREAU, Henry David. Caminhar. Lisboa: Hiena Editora, 1995, pp. 80.

Amar as árvores


Thomas Merton (1915-1968) foi talvez o mais importante místico cristão do século XX. Nos últimos 26 anos, viveu como monge trapista na Abadia de Gethsemani, no Kentucky (EUA), e nos últimos três viveu numa ermida de blocos na floresta. “Sou acusado de viver na floresta como Thoreau, em vez de no deserto, como São João Batista", escreveu a um amigo. Do que mais pode ser dito sobre Merton, e muito já foi dito, uma coisa é certa: ele era um monge que amava as árvores. "Pode-se dizer que eu decidi casar-me com o silêncio da floresta", escreveu. "O calor profundamente doce do mundo inteiro será a minha esposa. Do coração desse calor profundo vem o segredo que se ouve apenas em silêncio... Talvez eu tenha a obrigação de preservar a quietude, o silêncio, a pobreza, o ponto virginal do puro nada que está no centro de todos os outros amores".
[Via: Ecologia Espiritual]



Usos e costumes

DR © Planalto de Santo António (Nov. 2008)

(…) o meu guia marroquino confirmou que é costume em algumas aldeias [berberes] da região de Massat, as mulheres manterem um cântaro com água à beira dos caminhos para uso dos transeuntes. Tal costume também existiu até recentemente (não investiguei se ainda existe) em algumas aldeias portuguesas em torno da Cova de Iria: em contrapartida duma graça, certas mulheres (gente pobre) cujas casas se situavam à beira dos caminhos, prometiam manter permanentemente, enquanto vivessem, um cântaro com água (e um púcaro) na varanda para o uso dos peregrinos que por lá passavam a caminho do santuário da Senhora de Fátima. Eu próprio, em miúdo, bebi desses cântaros
[ESPÍRITO SANTO, 2006: 81]

© Algures da Net


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ESPÍRITO SANTO, Moisés. Os Mouros Fatimidas e as Aparições de Fátima. Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, pp. 286. ISBN 972-37-0932-5

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Walk Art

A paisagem surge como o tecido cósmico onde decorrem as nossas demandas, não só a pé(s) como de corpo inteiro e alma, enquanto natural expressão da nossa arte.  

© Algures da Net

O antropólogo e arqueólogo francês André Leroi-Gourhan (1911-1986) defendeu que o desenvolvimento e o progresso da humanidade surgiram não tanto do cérebro mas dos pés. Em suma, identificou o início da humanidade com o momento a partir do qual esta adquiriu uma posição bípede persistente. Do acto de estar em pé ao andar parece “de-correr” um pequeno passo mas tal não é assim tão simples. Por outro lado, do acto de andar, erguido sobre dois pés, à arte parietal paleolítica, expressa de forma sublime em diversas grutas, vai uma passada de gigante.
Uma característica notória do género Homo é, indubitavelmente, a sua capacidade técnica e, mais ainda, artística. A produção de utensílios, não sendo seu exclusivo, toma proporções invulgares e remete para as mãos, de polegar oponível, e para numerosas questões sobre o natural e o artificial, que continuam a suscitar polémica e que estão longe de consensos.

 © Algures da Net

Ainda na sequência do post anterior, sobre o intervencionismo excessivo e desadequado no terreno/paisagem, reiteramos a importância da criatividade humana, designadamente em acções de land art, entre outras formas de expressão. Com um especial enfoque, desta feita, no “singelo” acto de andar a pé enquanto forma de arte per se e que, por isso, exige uma atenção e um reconhecimento mais amplo do que aquele que lhe é vulgarmente dado. Nesse contexto, será de realçar tanto a importância dos pés quanto a do piso e a do pisoteio. Mais, os pés não progridem sozinhos nem o trajecto se cinge ao caminho de pé-posto. A marcha processa-se de corpo (inteiro) e alma, num território que não é apenas envolvente porque o artista caminheiro é parte integrante do todo. O caminheiro faz parte da paisagem e, neste contexto, não se trata tão somente de uma expressão de walk art mas também de land art. Arte efémera, é certo, mas não menos poderosa por isso: é eterna enquanto dura!…

 © DR

Não será, pois, de estranhar que a actuação do “pedestrianismo”, no domínio da criatividade e da intervenção cívicas, se tenha tornado, particularmente desde a década de 1960, uma importante ferramenta de expressão artística contemporânea. A caminhada, nesse âmbito, surge como uma actividade multifacetada que ultrapassa, em muito, a simples motricidade, da marcha bípede, para se tornar uma liberdade de expressão, não só física como mental, mormente com uma marcada componente crítica e interventiva em domínios como a ética e a estética ambientais, a ecologia profunda e a ecosofia ou até a metafísica e o sagrado. O andar surge como acto criativo e experimental, sob múltiplas roupagens e possibilidades, em solitário ou em grupo, de forma concreta e/ou metafórica.

© Algures da Net

© DR

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Ligação à Terra


DR ©

A propósito de um passeio pedestre efectuado há alguns dias numa área florestada da península de Lisboa e face ao despropósito das intervenções aí perpetradas na rede de caminhos de pé-posto, confesso que fiquei profundamente chocado e que uma persistente sensação de, digamos, “incómodo” me tem acompanhado desde então! Uma sensação algo semelhante, mas curiosamente mais forte, àquela que recorrentemente tenho sentido quando, noutra área também florestada e situada na mesma península, sou confrontado, de há anos a esta parte, com o corte sistemático (ou a eito?) de diversas espécies do coberto vegetal! Ambas as áreas são geridas por entidades ditas “responsáveis” e que supostamente possuem técnicos superiores e especialistas (devidamente habilitados?) para desempenharem as funções pretendidas: desde logo, uma expectável conservação da “natureza” para usufruto das gerações presentes e futuras.
Se no caso do corte do coberto vegetal, designadamente de numerosas árvores, até admito que poderei não estar a ver “o filme” na sua integral complexidade e a respectiva adequação dos meios empregues, no caso da destruição dos caminhos de pé-posto poucas ou nenhumas dúvidas terei: trata-se de uma grosseira intervenção que acarreta diversos impactes ambientais negativos, ética e esteticamente desadequada, e cujas opções técnicas adoptadas na construção dos caminhos se irão revelar inequivocamente erradas e, mais uma vez, desnecessariamente onerosas. Aliás, duplamente onerosas: tendo em conta, por um lado e desde logo, os custos ambientais decorrentes da destruição de património natural devido à instalação dos “caminhos artificiais” (externalidades difíceis de quantificar, é certo) e, por outro e a curto/médio prazo, os custos resultantes da necessária manutenção e recuperação dessas infraestruturas (esses, sim, traduzidos objectivamente em euros). Mais estranho é, na mesma área, já existir uma rede de “caminhos artificiais” anteriormente implementada e a precisar de recuperação, nomeadamente devido ao surgimento de abarrancamentos. E é aí precisamente que reside uma parte (que não é de somenos) do problema: a convivência (que deixou de o ser), em simultâneo, de uma rede de “caminhos artificiais” a par de uma rede de trilhos rústicos, agora destruídos!

DR ©

ÉTICA E ESTÉTICA AMBIENTAIS
Todas as realidades (e virtualidades?) apresentam aspectos positivos e negativos, (re)velando-se uma ou ambas as facetas consoante a forma como estas se expressam ou são utilizadas. Por vezes é tudo uma questão de “conta e medida”, noutras ocasiões não se trata de uma mera questão quantitativa mas sim (e/ou também) qualitativa. Mandará a prudência e o bom senso (para não falar do bom gosto) que não se veja a realidade a preto e branco, ademais quando a mesma é multicolorida e… plurifacetada. No entanto, que fique claro, desde já, que não defendo a pretensa lapalissada de que “gostos não se discutem” ou relativismos inconsequentes, mormente em matéria de estética da paisagem e, portanto, também de ética ambiental.
A polémica, tal como as posições radicalmente opostas, no tocante a intervenções antrópicas na paisagem é algo que já vem de longe. John Muir (1838-1914), o fundador do Sierra Club, foi pioneiro na defesa da criação de parques nacionais nos Estados Unidos da América, numa perspectiva “preservacionista”, com vista a manter a natureza num estado pristino, idealmente sem qualquer intervenção humana. Por outro lado, Gilford Pinchot (1865-1946) foi defensor do conceito de “conservação da natureza” que não só admite a intervenção antrópica como assume que esta pode e deve promover impactes ambientais positivos. Nesta matéria, e tendo em conta o contexto europeu, cuja intervenção humana no território é milenar, mandará o bom senso optar por um “caminho do meio”, que o mesmo é dizer por “um meio termo”, que permita, por um lado, a livre expressão da natureza (rewilding) e, por outro, uma “equilibrada” intervenção humana (conservacionista). O que se torna difícil de tolerar é a manifesta desadequação, mormente por ignorância (e mais ainda por outras questionáveis razões), de medidas intervencionistas adoptadas, pretensamente com o intuito de melhorar o ambiente, mas cujos resultados são gritantemente o oposto! Esse tique intervencionista, recorrente e muitas vezes com contornos obsessivos, que jocosamente poderemos denominar de “Síndroma do Aprendiz de Feiticeiro”, não tem graça nenhuma, ademais quando a motivação extravasa a mera ignorância (já de si injustificada em entidades supostamente competentes) e visa mostrar “obra feita” para outros fins, designadamente eleitoralistas… O aproveitamento do paradigma do “progresse”, da “requeza” e do “desenvolvemente”! Um exemplo evidente desta parola forma de pensar (e pior ainda de agir) trata-se do recorrente alcatroamento de “caminhos históricos” de terra, e até estradas empedradas (romanas e medievais, pasme-se!), em períodos de eleições autárquicas. Por maioria de razão (ou falta dela), o que dizer da suposta melhoria (na verdade, destruição) dos parentes pobres dos caminhos, a que é dada pouca ou nenhuma importância ou relevância, ainda que possam comportar valor histórico, estético ou outro: os denominados “trilhos”, “veredas” ou “caminhos de pé-posto”?

DR ©

O UP-GRADE DA ARTIFICIALIZAÇÃO
O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) de intervencionar ambientes naturais ou semi-naturais, com vista à sua pretensa melhoria ou manutenção, trata-se de um curioso desiderato, com contornos quasi míticos, como se a natureza não fosse (auto)sustentável e existisse há milhões de anos, para mais tendo o Homo sapiens surgido há apenas comparativamente escassos milhares de anos neste condomínio que é a Terra! Tratar-se-á, afinal, de substituir “o caos pela ordem”, os aterradores espaços selvagens (wilderness) por espaços ajardinados e/ou (re)florestados, devidamente artificializados e “segurizados”, com caminhos devidamente aplanados e pavimentados, tabuletas e outras “bugigangas”.
O “TOC da artificialização” tem sofrido um incremento assinalável desde a implementação da agricultura/pastorícia e da consequente sedentarização das sociedades humanas, um crescimento exponencial desde a Revolução Industrial e renovadas formas, associadas às designadas “pós-modernidade” e “sociedade da informação”, agora mesmo em curso ou a despoletar, em velocidades vertiginosas, sob novos up-dates!
Uma das ideias recentes, já em curso, e que irá registar um enorme aumento, a breve trecho, consiste na propagada melhoria dos espaços verdes acrescentando-lhes uma ou mais dimensões virtuais, através da implementação de infraestruturas tecnológicas, mormente materializadas no terreno. Tais espaços, combinando “natureza” com tecnologia, surgem sob diversas denominações, por exemplo "espaços cibermediados ao ar livre", "espaços verdes tecnologicamente melhorados" ou "espaços verdes híbridos"!
Os promotores destes espaços híbridos consideram-nos soluções bastante inovadoras, porque tradicionalmente os ambientes naturais e os digitais/virtuais eram vistos, até há poucos anos, como algo oposto e dificilmente miscível. No entanto, hoje em dia é algo vulgar, amplamente implementado e em grande expansão: o uso de smartphones, tablets, computadores portáteis ou outros aparelhos em campo, a utilização de aplicações diversas, bibliotecas electrónicas (e-libraries) e livros digitais (e-books), o Sistema Global de Posicionamento (GPS) e a generalização de actividades como o geocaching, etc.. As novas tecnologias, nesses espaços híbridos, podem proporcionar interessantes contextos de aprendizagem, eficazes e atraentes, embora se vislumbrem horizontes preocupantes, de imediato e a muito curto prazo, no contexto do que temos vindo a abordar: a artificialização excessiva do território/paisagem e das consequências nefastas daí advenientes. O problema irá certamente agudizar-se no tocante à materialização de uma série de “inovações” no terreno: antenas, postes informativos e/ou interactivos (com tecnologias como o Código QR e outras), câmaras de filmar, drones, etc..
Não sou, de todo, contra o intervencionismo no terreno/paisagem, ademais em acções como a land art (earth art ou earthwork), surgida no final da década de 1960, precisamente e em parte como insatisfação face à sofisticada tecnologia da cultura industrial. O que considero preocupante é como, de forma paulatina e sistemática, se tem vindo a destruir os ambientes naturais substituídos por sucedâneos semi-naturais e urbanos, numa crescente adulteração e domesticação dos espaços e dos “seres”!
Na verdade, tudo poderá ser considerado relativo se, nomeadamente, for abordado a diferentes escalas temporais e/ou espaciais. E em matéria de intervenção antrópica na paisagem, se pensarmos à escala de tempo geológico (na ordem dos milhões de anos), esta torna-se perfeitamente insignificante. O que interessa a construção de uma estrada num monte se esse local, passados 100 milhões de anos, passa a ser uma peneplanície na periferia de um oceano em expansão? No entanto, a uma escala de tempo antrópico – algo dificilmente ignorável por um ser humano – as intervenções surgem bastas vezes de forma atroz, porque de atrocidades paisagísticas se tratam. Torna-se impossível não sentir tristeza face à destruição de um "trilho natural" cilindrado por um "caminho artificial"… A sensação de incómodo, a que aludimos, é afinal profunda tristeza! Quando há ligação à Terra é tão simples quanto isso.

DR ©


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
· AA.VV.. Manual de Monitores de Pedestrianismo. Lisboa: Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, 2001, pp. 136. ISBN 978-989-20-0564-5
· BÉGUIN, François. Le Paysage. Paris: Flammarion, 1995, pp. 128. ISBN 2-08-035401-9
· CUIÇA, Pedro. Passo a Passo – Manual de Caminhada e Trekking. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2015, pp. 312. ISBN 978-989-626-721-6
· CUIÇA, Pedro. Guia de Montanha – Manual Técnico de Montanha I. Lisboa: Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal/Campo Base, 2010, pp. 224, ISBN 978-989-96647-1-5
· FERREIRA, Conceição Coelho & SIMÕES, Natércia Neves. A Evolução do pensamento Geográfico. Lisboa: Gradiva, 1986, pp. 142.
· KLICHOWSKI, Michal. Learning in hybrid spaces as technology-enhanced outdoor learning: Key terms. Disponível em
· LEOPOLD, Aldo. Pensar Como Uma Montanha. Águas Santas: Edições Sempre-em-Pé, 2008, pp. 220. ISBN 978-972-8870-10-2
· MAcFARLANE, Robert. Mountains of the Mind – A History of a Fascination. London: Granta Books, 2004, pp. 308
· NICOD, Jean. Pays et Paysages du Calcaire. Paris: Presses Universitaires de France, 1972, pp. 244.
· SERRÃO, Adriana Veríssimo et al.Filosofia e Arquitectura da Paisagem – Um Manual. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2012, pp. 382. ISBN 978-989-8553-12-6
· SILVANO, Filomena. Antropologia do Espaço. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010, pp. 112. ISBN 978-972-37-1534-7