sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Caminhadas Solitárias



Então Zaratustra disse-lhes que preferia prosseguir sozinho o seu caminho, porque era amigo das caminhadas solitárias.
[NIETZSCHE, 1985: 83]

Há sentimentos que procuram matar o solitário; se o não conseguem, então, que seja ele a matá-los!
[NIETZSCHE, 1985: 71]

A minha sageza selvagem foi fecundada nas solidões das montanhas; nas pedras áridas pariu o seu filho (...).
[NIETZSCHE, 1985: 92]




REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
NIETZSCHE, Friederich. Assim Falava Zaratustra. Lisboa: Guimarães Editores, 1985, pp. 376.



quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Gestão de Risco



O Centro de Formação da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal/Escola Nacional de Montanhismo (Centro de Formação FCMP/ENM) vai realizar, no dia 30 de Outubro, mais uma acção de formação contínua no âmbito das Palestras da Montanha, desta feita sob a temática Gestão de Risco em Actividades de Montanha: alterações climáticas, novos paradigmas e desafios.
O aquecimento em meio montanhoso foi detectado nos anos 70 do século passado nos Alpes mas só no final da década seguinte se começou a falar do aquecimento global e suas consequências em montanha. Estas manifestam-se através de fenómenos meteorológicos extremos (e.g. ondas de calor, pluviosidades muito intensas, ventos tempestuosos), regressão de glaciares, degelo de permafrost, derrocadas, etc.. A gestão de desportos/actividades de montanha por parte de Treinadores deverá contemplar a compreensão, previsão e tomada de decisões face a estas novas variáveis.
Esta acção de formação, pretende enquadrar a gestão da segurança e risco em desportos/actividades de montanha no contexto das alterações climáticas, resultantes do aquecimento global, com vista ao desenvolvimento de estratégias e tácticas para fazer face aos novos paradigmas e desafios, com especial enfoque nos ambientes de alta montanha mas também no que concerne à média e baixa montanha.




segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A Roda do Ano



As flores silvestres da macieira talvez sejam as mais belas das flores de todas as árvores, tão abundantes e deliciosas para a vista como para o olfacto. É frequente o caminhante sentir-se tentado a dar meia-volta para se atardar perto de uma árvore extraordinariamente bela, com flores dois terços abertas. (…)
As primeiras maçãs começam a amadurecer por volta do primeiro de Agosto; mas creio que nenhumas são tão boas para comer como algumas para cheirar. Para perfumar os nossos lenços, uma só destas maçãs é superior a qualquer perfume vendido numa loja. (…)
Deste modo, em todos os produtos naturais existe uma determinada característica volátil e etérea que representa o seu valor mais elevado, e que é impossível banalizar, comprar ou vender. (…)
Em Outubro, com a queda da folha, distinguem-se melhor as maçãs nas árvores.
[THOREAU, 2016: 29-33]


Os europeus que chegaram à América ficam surpreendidos com o esplendor da nossa folhagem outonal. Não há referência a qualquer fenómeno semelhante na poesia inglesa, poi ali as árvores adquirem poucas cores vivas. Quase tudo o que Thomson diz sobre este assunto no seu poema «Outono» está contido na seguinte estrofe:

«Mas vede os evanescentes boques de muitas
cores,
Matizes sobrepostos, mais e mais profundos,
obscurecidos
Os campos em redor; uma sombra cerrada,
obscura e penumbrosa,
De todos os cambiantes; desde o verde desmaiado
Até ao negro-fuligem.»

E também no verso em que se fala de

«o Outono radioso sobre os bosques amarelos.»

A transformação outonal dos nossos bosques ainda não deixou uma marca profunda na nossa literatura. Outubro mal coloriu a nossa poesia.
Um grande número de pessoas, as que passaram a vida em cidades e nunca se aventuraram a vir ao campo nesta estação, nunca viu isto: a flor, ou antes, o fruto maduro, do ano.
[THOREAU, 2016: 83-84]



NOTA
Já tinha Maçãs Silvestres & Cores de Outono há alguns meses aguardando a respectiva leitura. Agora com o Equinócio outonal chegou a altura propícia para me adentrar nessa obra de Thoreau: uma referência bibliográfica no âmbito da nature writing. Para alguns aproxima-se o final de mais um ano e/ou o início de outro, para mim trata-se de mais um marco significativo e substancialmente significante da Roda do Ano: aquele que anuncia a estação minha preferida...



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
THOREAU, Henry David. Maçãs Silvestres & Cores de Outono. LISBOA: Antígona, 2016, pp. 166. ISBN 978-972-608-281-1



Andar (n)outros tempos


DR © Vale do Jamor (Oeiras)

O programa Ande pela sua Saúde e pela Saúde do Planeta prossegue no próximo domingo, dia 30 de Setembro, desta feita sob a forma de um passeio histórico-cultural, sobre as quintas que existiam no vale do rio Jamor antes da construção do complexo desportivo do Estádio Nacional: Quinta da Graça, Quinta do Balteiro, Casal do Esteiro, Quinta do Rodízio, Quinta de S. José, Quinta das Biscoteiras, Quinta Nova e Palacete de Santa Sofia. Esta trata-se de uma oportunidade privilegiada de praticar actividade física, devidamente enquadrada e ademais complementada pela interpretação do património edificado, mas também imaterial, do troço terminal do vale do Jamor.
A iniciativa, realizada no âmbito das Jornadas Europeias do Património, resulta de uma parceria entre a Associação Vamos Salvar o Jamor (AVSJ), o Centro Desportivo Nacional do Jamor (CDNJ) e a Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal (FCMP), terá início, como costume, às 9.30, junto da Estrutura Artificial de Escalada (EAE) situada no Parque Urbano do Jamor.  
O percurso terminará por volta das 12.00. Este percurso é gratuito e para participar bastará comparecer. Mexa-se, venha andar bem e conhecer a história do Jamor.



sábado, 22 de setembro de 2018

Be Active




Caminhar é bom


Pedro Cuiça © Região de Mourtis (Pirenéus Franceses, 2005)

Caminar afecta a los cinco componentes de la puesta en forma:
1.    Composición corporal (…)
2.    Puesta en forma cardiovascular (…)
3.    Flexibilidad (…)
4.    Resistencia muscular (…)
5.    Fuerza muscular (…)
Caminar también proporciona otros beneficios físicos y previene peligros asociados con otros tipos de ejercicios. Caminar es un ejercicio de bajo impacto, que sitúa menos tensión sobre los huesos y los tejidos. Los marchadores impactan cada vez, alternativamente, com la mitad de su peso corporal en el pie adelantado, mientras que los corredores lo hacen com tres o cuatro veces más peso. Esto crea menos possibilidades de lésion por impacto repetitivo.
Las investigaciones indican que caminar ayuda a los huesos a permanecer fuertes y densos fortaleciendo al cuerpo para soportar su proprio peso. Aunque la osteoporosis (patologia en la que los huesos se vuelven más frágiles), es un problema más común en las personas mayores, la densidad ósea sólo puede desarrollarse y mantenerse cuando una persona es joven. (…)
El ejercicio también le ayudará a desarrollar su sistema immunitario. (…)
Caminar mejora la conciencia espacial y la capacidade de equilibrio debido a que se estabiliza sobre un solo pie en cada paso. La capacidade para evitar perder el equilibrio, el paso ligero, el giro de un tobillo, o caerse requiere control y entrenamiento de la propiocepción: la capacidad de los músculos más pequeños, tales como los de la pierna y los tobillos, para enviar mensages adecuados a los nervios y a otros músculos para mantenerse erguido. Aunque el equilibrio es algo que damos por hecho, precisa de entrenamiento y práctica, justo como cualquier otra cosa.
Desde deportistas ocasionales a atletas olímpicos, caminar ofrece a todo el mundo un reto. Caminar puede ser un lento paseo en el que usted gane forma física, una actividad con la que pasar el tiempo con los niños o que les sirva para recuperarse de una lésion, un ejercicio diario de puesta en forma para la vida, o un deporte de gran estímulo y alto nivel. O puede ser todo eso para usted, dependiendo de su humor o de su nivel de energía en un día concreto.
[IKNOIAN, 2008: 15-16]

Pedro Cuiça © Arredores de Spa (Bélgica, 2007)





REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
IKNOIAN, Therese. Ponerse en Forma Caminando. Madrid: Ediciones Tutor, 2008, pp. 208. ISBN 978-84-7902-678-3

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Andar com convicção

If walking is your primary exercise, it´s important that you walk with conviction. Strolling is not going to give the same cardiovascular benefits of other exercise, but hard, purposeful walking will. And many of the training techniques used in other sports, such as running, cycling, and swimming, can also be used in walking. For instance, fitness walkers need to be conscious of distance and speed, and they need to consider such training methods as speed and interval work if they want to improve their overall fitness.
[SLOAN, 1999: 177]

© algures na Net

ATENÇÃO

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SLOAN, Jim. Stayng Fit over Fifty – conditioning for outdoor activities. Seatle: The Mountaineers, 1999, pp. 224. ISBN 0-89886-668-5

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Be Active



A Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal (FCMP) vai realizar mais uma caminhada Ande pela sua Saúde e pela Saúde do Planeta, no próximo domingo, 23 de Setembro, desta feita inserida na SEMANA EUROPEIA DO DESPORTO/#BEACTIVE. A edição deste ano da Semana Europeia do Desporto, que decorre de 23 a 30 de Setembro, tem como coordenador o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ).
A caminhada do próximo domingo, gratuita e enquadrada por detentores de Título Profissional de Treinador de Desporto (TPTD) em Pedestrianismo – Graus I, II e/ou III, terá como ponto de partida a Estrutura Artificial de Escalada situada no Centro Desportivo Nacional do Jamor e decorrerá das 9.30 às 12.00. Esta caminhada, de cariz desportivo-terapêutico, tem por objectivo a melhoria da saúde e do bem-estar dos praticantes, a par da criação de hábitos de prática regular e continuada de actividade física. O percurso do próximo domingo irá desenvolver-se no bosque ocidental do Centro Desportivo Nacional do Jamor, num ambiente florestal especialmente propício à concretização dos objectivos propostos. Mexa-se e venha andar no Jamor, pela sua saúde e pela saúde do planeta, no próximo domingo.



Gostaria de andar


DR © Pico (Açores, 2018)

«Mas eu devo ter vivido realmente à beira-mar… Sempre que uma cousa ondeia, eu amo-a… Há ondas na minha alma… Quando ando embalo-me… Agora eu gostaria de andar...»

Personagem Segunda Veladora in O Marinheiro, drama estático em um quadro, da autoria de Fernando Pessoa



DR © Pico (Açores, 2018)

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

A Lã e a Neve


Serra da Estrela
Descubra um percurso esquecido

O tempo encarregou-se de apagar parte do antigo caminho que ligava Manteigas à Covilhã, pelo Vale do Buraco, Serra de Baixo e Beijames. Mudam-se os tempos mudam-se os caminhos. Mas as pedras dessa via existem. Pisá-las é uma outra forma de descobrir a serra. Por companhia e guias para este percurso escolhemos as personagens de A Lã e a Neve, de Ferreira de Castro.

Texto de Pedro Cuiça/PHM1
Notícias Magazine nº 377, de 22 de Junho de 1999


Pedro Cuiça © Serra da Estrela (2017)

O vale glaciário do Zêzere desce, no seu gigantesco perfil em U, até às imediações de Manteigas. O pequeno e antigo povoado de montanha, de casas graníticas com varandas de madeira e parapeitos de fero-forjado, ficou para trás, no fundo de desafogada depressão a cerca de 720 metros de altitude. Ao longe vêem-se as encostas de Penhas Douradas, Campo Romão e S. Lourenço.
Os olivais, milheirais e vinhedos podem subir até aos 900 metros, mas nesta parte da vertente cederam rapidamente lugar aos pinheiros-bravos. O caminho lajeado sobe a vertente direita do Vale do Buraco, acompanhando o ribeiro homónimo escondido pelo pinhal. As pedras da via romana ou medieval lembram milhentas andanças e riscos corridos para transpor a serra, como a aventura de Horácio e Serafim Caçador.
Tal como nós e tantos outros ao longo de gerações, as personagens do livro A Lã e a Neve, de Ferreira de Castro, passaram na Rua Direita (actual 1º de Maio), desceram a rua de Sto. António até à ermida de Sto. André e ultrapassaram o Fundo da Vila para “meterem” à encosta em frente. O caminho velho começava junto da ermida de Sto. António (junto da qual se encontra hoje a Albergaria Berne), mas agora é preciso atravessar a estrada de alcatrão para encontrar a via empedrada que sobe o Vale do Buraco.

Serafim Caçador queixava-se: “É pena não haver camioneta todos os dias para a Covilhã. E para um homem ir tomar o comboio a Belmonte tem de perder um dia inteiro. Parece que moramos no fim do Mundo! Eu, antigamente, não me importava. Atravessava a serra num pulo, sempre que era preciso; mas, agora, já não estou para grandes caminhadas”. A travessia da serra “num pulo” é uma expressão demasiado branda, se atendermos a que “eram quatro puxadas horas quando não havia neve, cinco e até mais quando ela cobria encostas e píncaros, de onde os próprios lobos haviam fugido”.

As dificuldades inerentes à viagem, quer quanto à distância quer quanto às condições meteorológicas a suportar no Inverno, foram assinaladas já no século XIV. José David Lucas Batista refere um documento, datado de 1392, em que os habitantes de Manteigas apontavam os inconvenientes da deslocação à Covilhã. Há pouco mais de 40 anos, o trajecto fazia-se ainda pelo caminho velho, exclusivamente a pé ou a dorso de animais. A estrada Manteigas-Covilhã (EN 338) só viria a ser implantada na primeira metade da década de 60.

ASCENDER ÀS ALMAS: os principiantes aguentam!
Hoje o que não faltam são vias de comunicação e as pessoas já não precisam de se “fazer à serra”. No trajecto da ermida de Sto. António ao Vale do Buraco, a via antiga é atravessada por caminhos de terra-batida, passa junto de uma casa florestal, cruza a estrada alcatroada que vai para o Poço do Inferno e continua a ganhar altitude. Uma estrada florestal corta o caminho mais acima, onde é necessário virar à direita e, logo depois, à esquerda para retomar a antiga via. Já no Vale do Buraco, o caminho empedrado passa junto de um grande bloco, situado à direita: a Pedra Vestia. No lado esquerdo do caminho destaca-se um malhão (marco quadrangular de pedras soltas) bem conservado. Mais adiante, atravessa-se outra estrada de terra-batida para prosseguir a subida.
Ao chegar quase ao cimo do vale, o caminho lajeado passa por entre dois penedos graníticos. A Terra dos Abrantes, onde há uma barroca com água e um casal com muro de pedras, surge à direita, a modo de covão. Pouco depois, atinge-se as Almas, lugar onde aparece, junto do lado esquerdo do caminho, uma rústica alminha, talhada em granito, com nicho pouco escavado. Sucessoras das estelas funerárias romanas, colocadas à beira dos caminhos para apiedar os viajantes (a fim de propiciar e perpetuar a memória dos mortos), as alminhas cristãs pretendem mitigar os sofrimentos daqueles que se encontram no Purgatório.
O caminho antigo entronca numa estrada alcatroada escassos metros à frente. É altura de virar à direita e continuar pelo asfalto, rodeando o Curral da Nave e a Nave da Gadelha, rumo ao Alto da Portela. Um pouco antes de atingir a Portela convém, no entanto, ponderar o trajecto a seguir, pois é ainda possível virar à esquerda descendo o Vale Andinho e, subindo, o Vale da Adega, regressar às Almas e a Manteigas.
É este o percurso alternativo que hoje se aconselha a quem não disponha das pernas e da experiência de orientação dos nossos antepassados serranos. O andamento, em caminhos de terra-batida, passa por velhos casais, agora maioritariamente abandonados, envolvidos por arvoredo e acompanhados por pequenos cursos de água e diversas fragas. Também é possível atingir o Poço do Inferno e, daí, descer até Manteigas, mas o dilatado trajecto ao longo da estrada asfaltada aconselha uma visita a essa queda de água em veículo motorizado.

DA PORTELA À COVILHÃ: só para quem está em boa forma
O percurso até à Covilhã, a partir do Alto da Portela, recomenda-se somente àqueles que estejam em boa forma física e dominem as artes da orientação. Mesmo nesse caso não será sensato empreender o trajecto caso se prevejam condições meteorológicas adversas. Um simples nevoeiro será suficiente para o viajante se perder, ficando numa situação bastante embaraçosa. O caminho desaparece mais à frente, apagado pelos anos de abandono e a designação “Serra do Ermo”, nome pelo qual era conhecida a Serra da Estrela, aplica-se como uma luva ao vasto planalto ondulado.

Horácio e Serafim Caçador, apesar de conhecerem o itinerário como a palma das mãos, perderam-se devido às condições meteorológicas adversas. O caminho ainda se encontrava bem assinalado e era usado com frequência, mas a tempestade que os apanhou foi suficiente para incorrerem em erro. Conscientes dos perigos da serra, que em semelhantes circunstâncias ceifaram a vida de outros, chegaram a questionar se haviam de prosseguir. A decisão de avançarem bem lhes custou. “De Manteigas à Borralheira ou à Aldeia do Carvalho, a pé, mesmo com bom tempo, era o que todos sabiam. Um homem chegava arrasado. Com um tempo assim, era de rebentar e nem em cinco horas se punham lá.”

O caminho desenvolvia-se do Alto da Portela, passando pela Serra de Baixo, até Beijames. Actualmente esse troço é fácil de seguir, encontra-se alcatroado na primeira parte, continuando por terra-batida que surge à esquerda. Depois é que começam as complicações. A Fraga do Neto, situada à esquerda do lugar de Beijames, era utilizada como ponto de referência daqueles que palmilhavam essas paragens, mas actualmente esse nome de lugar não se encontra nas cartas topográficas.
Considerados o reduto das tribos da Lusitânea durante as guerras luso-romanas, os Montes Hermíneos foram conquistados mais por homens pastoreando ovelhas e cabras do que manobrando a funda ou a lança. Constituindo um centro de transumância já antes da formação do Reino de Portugal, logo após o degelo, lá para Abril ou Maio (caso a invernia se prolongasse), o chocalhar dos rebanhos quebrava o silêncio da montanha, encostas acima, anunciando a Primavera. Os pastores, bem como os seus rebanhos, permaneciam nos pastos de altitude até ao Outono.
A frequência pelo homem das grandes extensões despovoadas de altitude diminuiu consideravelmente devido ao declínio do pastoreio e da cultura do centeio, bem como da construção de novas vias de comunicação. Com o decorrer do tempo deixou de ter utilidade o conhecimento do terreno e a delimitação de certas áreas, fazendo com que os topónimos identificadores caíssem em desuso.

POR CAIRNS E PASSADOUROS ou “ONDE PARAR PARA ALMOÇAR”
A Portela da Serra de Baixo e a Portela do Beijames, ausentes nas cartas topográficas, são referidas em documento datado de 1560. Esta última era assinalada como passagem vadeável: “Porto que vay para a Covilhã”. Os velhos de Manteigas, que palmilharam o percurso inúmeras vezes, falam dos “passadouros” (pedras empinadas) no ribeiro de Beijames. Uma coisa é certa, era regra almoçar junto ao ponto de passagem. Depois pode-se ir direito à Malhada da Cova ou Malhada Velha e, daí, rumar ao Covão do Teixo. Mas o caminho antigo devia subir ao Alto do Espinheiro, para encurtar distância.

“Não havia dúvida, iam enganados. Já tinham feito um estirão escusadamente. E se continuassem por ali, em vez de botar à aldeia, iriam sair entre a Nave as Penhas da Saúde”. Horácio e Serafim Caçador, iludidos pela tempestade, foram dar à Malhada da Velha.

Hoje o caminho, assinalado por cairns (pequenos montículos de duas ou mais pedras), encontra-se encoberto pela vegetação. Em frente, os cântaros Raso, Magro e Gordo, surgem em toda a sua imponência. O ribeiro é ultrapassado a vau (sobre pedras), sobe-se ao Alto do Espinheiro e continua-se ao longo da cumeada até inflectir rumo ao Covão do Teixo. Nessa depressão surgem os primeiros cairns a assinalar o trajecto. Antes do Picoto atinge-se a Terra Direita
 Uma planura granítica de onde se abrange vasto panorama sobre a Cova da Beira. Depois da Garrafa (como alguns locais chamam
Ao Picoto), o flanco sudeste da serra lança-se sobre a Aldeia do Carvalho e a Covilhã.

Horácio e Serafim Caçador adivinharam finalmente, “à direita ao longe, a Covilhã”. “Já passava da meia-noite […] no meio de uma quintazinha sobranceira à Aldeia do Carvalho – a mais alta que fora arroteada na serra. Dali às primeiras casas que, dispersas, o povoado lançava encosta arriba, havia ainda grande distância”. A maior parte dos viajantes seguiam, contudo, por Entre Ribeiras, Pousadinha e Borralheira até à Covilhã.


Notas de viagem2
Localização
O Parque Natural da Serra da Estrela situa-se a pouco mais de 200 quilómetros do Porto e a 300 quilómetros de Lisboa.
Acessos
Via Seia (EN 339, EN 339-1 e EN 232) ou Guarda (EN 18-1 e EN 232), a norte. Via Covilhã (EN 339 e EN 338) ou Belmonte-Valhelhas (EN 232), a sul.
A ler para se ambientar
– Ferreira de Castro (1947): A Lã e a Neve
– José David Lucas Batista (1994): Toponímia do Concelho de Manteigas; Câmara Municipal de Manteigas & Parque Natural da Serra da Estrela, Manteigas, pp. 260.


Passo-a-passo
Desenvolvimento do percurso Manteigas-Covilhã: cerca de 20 km (variante Manteigas-Nave da Gadelha-Manteigas: cerca de 13 km)
Desníveis acumulados: +899m, -1060m (variante: +766m, -766m)
Altitude máxima: 1500m
Altitude mínima: 620m (variante: 700m)
Duração3: 5h (variante: 3h)
Dificuldade: percurso difícil (variante de dificuldade média)
Época aconselhada: Maio a Outubro
Atenção: o percurso Manteigas-Covilhã deve ser empreendido por pessoas em boas condições físicas, com conhecimentos de orientação e equipamento específico.

NOTAS PEDESTRIS
1. Na edição original, publicada na revista Notícias Magazine nº 377, de 22 de Junho de 1999: fotografias de Pedro Alarcão
2. A ficha técnica “Notas de viagem” comportava um conjunto de contactos úteis que não publicamos aqui por se encontrarem manifestamente desactualizados, designadamente no tocante aos números de telefone disponibilizados que já não existem.
3. Os horários apresentados foram calculados sem ter em conta quaisquer paragens; tratam-se, portanto, de tempos com base apenas em velocidade efectiva.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

No Cimo da Estrela


Às avessas


Pedro Cuiça © Capela da Santíssima Trindade (Sintra - Portugal, 2009)


«Andei daquém para além,
Terras vi, e vi lugares
Tudo seus avessos tem:
O que não experimentares,
Não cuides que o sabes bem.»
Sá de Miranda (in BERNARDES, 1942: 120)

«A peregrinação ao santuário de Santiago de Compostela era conhecida como a Peregrinação das Conchas, mas depois de ter trabalhado com Trevor Ravenscroft e de ter voltado a estudar a capela de Rosslyn, fui-me deparando com referências consecutivas a uma outra peregrinação misteriosa conhecida como a Peregrinação do Alquimista ou a Peregrinação da Iniciação. Esta peregrinação não tinha como destino Jerusalém, o local onde Jesus conheceu a morte, nem Roma, a cidade de S. Pedro e S. Paulo pois, tal como a Peregrinação das Conchas, destinava-se a um canto obscuro e relativamente inacessível no noroeste de Espanha, a um santuário dedicado a Tiago o Maior, filho de Zebedeu, e Tiago Menor, também conhecido por, Tiago o Justo, e irmão de Jesus. »
[WALLACE-MURPHY, 2016: 235]

«A iniciação num caminho espiritual válido é um tipo de experiência mística ritualizada na qual um mestre guia o noviço para que este desenvolva e aperfeiçoe o uso dos seus orgãos de percepção espiritual. Estes chakras são despertados por ordem desde a base até à coroa. Esta ordem específica do despertar dos chakras pode explicar porque é que, na Peregrinação de Iniciação, a direcção da viagem é precisamente a inversa da peregrinação ortodoxa normal até Compostela. Assim, após um período de preparação religiosa em Sintra, Portugal – uma cidade onde, para além da existência de uma coluna que é uma réplica da Coluna do Aprendiz de Rosslyn, é também um lugar análogo ao templo preparatório de Buhen na peregrinação egípcia – o noviço viaja até Santiago de Compostela para avançar para o primeiro grau da sua iniciação, que simbolizava o despertar do chakra base que nos une à terra.»
[WALLACE-MURPHY, 2016: 239]

Pedro Cuiça © Capela da Santíssima Trindade (Sintra - Portugal, 2009)


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BERNARDES, Pe. Manuel. Excerptos da “Nova Floresta”. Porto: Editôra Educação Nacional, 1942, pp. 312.
WALLACE-MURPHY, Tim. O Código Secreto dos Templários. Lisboa: Verso da Kapa, 2016, pp. 302. ISBN 978-989-8816-44-3


Pedro Cuiça © Caminho Português (Galiza - Espanha, 2016)