A paisagem surge como o tecido
cósmico onde decorrem as nossas demandas, não só a pé(s) como de corpo inteiro e
alma, enquanto natural expressão da nossa arte.
O antropólogo e arqueólogo francês André Leroi-Gourhan
(1911-1986) defendeu que o desenvolvimento
e o progresso da humanidade surgiram
não tanto do cérebro mas dos pés. Em suma, identificou o início da humanidade com
o momento a partir do qual esta adquiriu uma posição bípede persistente. Do
acto de estar em pé ao andar parece “de-correr” um pequeno passo mas tal não é assim
tão simples. Por outro lado, do acto de andar, erguido sobre dois pés, à arte parietal paleolítica, expressa de
forma sublime em diversas grutas, vai uma passada de gigante.
Uma característica notória do género Homo é, indubitavelmente, a sua capacidade técnica e, mais ainda, artística. A produção de utensílios,
não sendo seu exclusivo, toma proporções invulgares e remete para as mãos, de polegar oponível, e para numerosas
questões sobre o natural e o artificial,
que continuam a suscitar polémica e que estão longe de consensos.
© Algures da Net
Ainda na sequência do post
anterior, sobre o intervencionismo excessivo
e desadequado no terreno/paisagem, reiteramos a importância da criatividade humana, designadamente em acções de land art, entre outras formas
de expressão. Com um especial enfoque, desta feita, no “singelo” acto de andar a
pé enquanto forma
de arte per se e que, por isso, exige uma atenção e um reconhecimento mais
amplo do que aquele que lhe é vulgarmente dado. Nesse contexto, será de realçar
tanto a importância dos pés quanto a do piso e a do pisoteio. Mais, os pés não
progridem sozinhos nem o trajecto se cinge ao caminho de pé-posto. A marcha
processa-se de corpo (inteiro) e alma, num território que não é apenas
envolvente porque o artista caminheiro
é parte integrante do todo. O caminheiro faz parte da paisagem e, neste contexto,
não se trata tão somente de uma expressão de walk art mas também de land
art. Arte efémera, é certo, mas não menos poderosa por isso: é eterna
enquanto dura!…
© DR
Não será, pois, de estranhar que a actuação do “pedestrianismo”,
no domínio da criatividade e da intervenção cívicas, se tenha tornado,
particularmente desde a década de 1960, uma importante ferramenta de expressão artística contemporânea. A caminhada,
nesse âmbito, surge como uma actividade multifacetada que ultrapassa, em muito,
a simples motricidade, da marcha bípede, para se tornar uma liberdade de
expressão, não só física como mental, mormente com uma marcada componente
crítica e interventiva em domínios como a ética e a estética ambientais, a ecologia
profunda e a ecosofia ou até a metafísica e o sagrado. O andar surge como acto
criativo e experimental, sob múltiplas roupagens e possibilidades, em solitário
ou em grupo, de forma concreta e/ou metafórica.
© DR
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