«É uma pena que os montes não falem, não
dialoguem nem testemunhem. Estes meus, pelo menos. Além da emoção de os ouvir
responder ao monólogo que o silêncio em que vivem apagou nos meus lábios e
tornou interior, gostaria sobretudo de saber se fica na alma deles, como na
minha, a marca indelével de cada um dos nossos encontros. É de tal modo
apertado e medular o abraço que damos, tão íntima a comunhão que nos une horas
a fio, que não me resigno à ideia de que só do meu lado haja consciência, e do
outro o amor seja passivo. Mas estou condenado à incerteza. E quando regresso a
casa, depois de os calcorrear, pareço um namorado infeliz: olho da janela,
roído de ciúmes, o crepúsculo que os envolve, e passo a noite a sonhar o
milagre de uma palavra que seria, como em todas as paixões, o bálsamo de uma
chaga aberta e o começo do desencanto.»
Miguel Torga
S. Martinho de Anta, 28
de Dezembro de 1953
Miguel Torga, quando soube da morte de Fernando Pessoa (30-11-1935), escreveu... «Fernando Pessoa. Mal acabei de ler a notícia no jornal fechei a porta do consultório e meti-me pelos montes a cabo. Fui chorar com os pinheiros e com as fragas a morte do nosso maior poeta de hoje, que Portugal viu passar num caixão para a eternidade sem ao menos perguntar quem era.»
Miguel Torga
in Diário I (1941)
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