Porque será que O Guardador de Rebanhos me recorda a poesia trovadoresca, a literatura pastoril e os Cavaleiros do Amor?
PC © Serra de Candeeiros (2003) |
I
Eu
nunca guardei rebanhos,
Mas é
como se os guardasse.
Minha
alma é como um pastor,
Conhece
o vento e o Sol
E anda
pela mão das Estações
A
seguir e a olhar.
Toda a
paz da Natureza sem gente
Vem
sentar-se a meu lado.
Mas eu
fico triste como um pôr do Sol
Para a
nossa imaginação,
Quando
esfria no fundo da planície
E se
sente a noite entrada
Como
uma borboleta pela janela.
Mas a
minha tristeza é sossego
Porque
é natural e justa
E é o
que deve estar na alma
Quando
já pensa que existe
E as
mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Com um
ruído de chocalhos
Para além
da curva da estrada,
Os meus
pensamentos são contentes.
(…)
Pensar
incomoda como andar à chuva
Quando
o vento cresce e parece que chove mais.
(…)
E se
desejo às vezes,
Por
imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser
o rebanho todo
Para
andar espalhado por toda a encosta
A ser
muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só
porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol
Ou
quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre
um silêncio pela erva fora.
Quando
me sento a escrever versos
Ou, passeando
pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo
versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto
um cajado nas mãos
E vejo
um recorte de mim
No cimo
dum outeiro,
Olhando
para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou
olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E
sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer
fingir que compreende.
(…)
II
O meu
olhar é nítido como um girassol.
Tenho o
costume de andar pelas estradas
Olhando
para a direita e para a esquerda,
E de
vez em quando para trás…
E o que
vejo a cada momento
É
aquilo que nunca antes tinha visto,
E eu sei
dar por isso muito bem…
Sei ter
o pasmo essencial
Que tem
uma criança se, ao nascer,
Reparasse
que nascera de veras…
Sinto-me
nascido a cada momento
Para a eterna
novidade do Mundo…
Creio
no Mundo como num malmequer,
Porque
o vejo. Mas não penso nele
Porque
pensar é não compreender…
O Mundo
não se fez para pensarmos nele
(Pensar
é estar doente dos olhos)
Mas
para olharmos para ele e estarmos de acordo…
Eu não
tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo
na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas
porque a amo, e amo-a por isso,
Porque
quem ama nunca sabe o que ama
Nem
sabe porque ama, nem o que é amar…
Amar é
a eterna inocência,
E a
única inocência é não pensar…
(pp.
9-12)
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CAEIRO, Alberto. 2012. Poemas. Lisboa: Bertrand
Editora.
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