terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

ConTEMPLAR...

 

Porque será que O Guardador de Rebanhos me recorda a poesia trovadoresca, a literatura pastoril e os Cavaleiros do Amor?

 

PC © Serra de Candeeiros (2003)



I

Eu nunca guardei rebanhos,

Mas é como se os guardasse.

Minha alma é como um pastor,

Conhece o vento e o Sol

E anda pela mão das Estações

A seguir e a olhar.

Toda a paz da Natureza sem gente

Vem sentar-se a meu lado.

Mas eu fico triste como um pôr do Sol

Para a nossa imaginação,

Quando esfria no fundo da planície

E se sente a noite entrada

Como uma borboleta pela janela.

 

Mas a minha tristeza é sossego

Porque é natural e justa

E é o que deve estar na alma

Quando já pensa que existe

E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Com um ruído de chocalhos

Para além da curva da estrada,

Os meus pensamentos são contentes.

 

(…)

 

Pensar incomoda como andar à chuva

Quando o vento cresce e parece que chove mais.

 

(…)

 

E se desejo às vezes,

Por imaginar, ser cordeirinho

(Ou ser o rebanho todo

Para andar espalhado por toda a encosta

A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol

Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz

E corre um silêncio pela erva fora.

 

Quando me sento a escrever versos

Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,

Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,

Sinto um cajado nas mãos

E vejo um recorte de mim

No cimo dum outeiro,

Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,

Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,

E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz

E quer fingir que compreende.

 

(…)



II

O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando para trás…

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem…

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Reparasse que nascera de veras…

Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do Mundo…

 

Creio no Mundo como num malmequer,

Porque o vejo. Mas não penso nele

Porque pensar é não compreender…

O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

 

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe porque ama, nem o que é amar…

 

Amar é a eterna inocência,

E a única inocência é não pensar…

 

(pp. 9-12)

 

PC © Queijas-Valejas (2023)



CAEIRO, Alberto. 2012. Poemas. Lisboa: Bertrand Editora.



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