Campismo: origens e novos paradigmas no virar de século
“Há quem fale na rudeza do
acampamento. Sim, o “pata-tenra” pode achá-lo rude e incómodo. Mas, para um
velho explorador não tem rudeza nenhuma, porque sabe olhar por si e conseguir
comodidades.”
Robert Baden-Powell
O Campismo, em sentido
restrito, é uma forma de estadia que recorre ao uso de tenda.
"Alojamento" que pode durar várias horas, dias ou mesmo semanas. Mas,
o acto de acampar pode também ser encarado como a simples pernoita em campo,
com recurso a tenda. Para alguns essa actividade constitui um meio de gozar
férias económicas, para outros vale pelo contacto com a natureza, pela fuga ao dia-a-dia
e ao betão, há ainda (ou houve?) quem veja o Campismo como uma escola de
carácter ou uma “filosofia de vida”… As motivações serão tantas quantos os
praticantes, testemunhando a própria evolução dessa actividade ao longo de mais
de um século.
O uso de abrigos móveis remonta às
origens do Homem e a pernoita em tenda em expedições ou viagens de exploração
pratica-se há séculos. No entanto, a origem do Campismo é atribuída ao casal
Gunn, com a fundação, em 1861, do "Gunnery Camp" nos Estados Unidos
da América. O primeiro clube de Campismo terá sido a Association of Cycle
Campers, fundado em 1901, na Grã-Bretanha. Depois da Primeira Grande Guerra,
esta associação e outros pequenos grupos criaram, em 1919, o Camping Club of
Great-Britain and Ireland, clube à frente do qual esteve muito tempo o fundador
do escutismo (ou escotismo) Lord Baden-Powell of Gilwell. Este tinha organizado
o primeiro campo de rapazes na ilha de Browsea, de Julho a Agosto de 1907, evento
precursor do movimento escutista que viria a surgir no ano seguinte. A prática
de Campismo generalizou-se rapidamente aos restantes países europeus.
Curiosamente o primeiro
acampamento associativo, de que se tem conhecimento, realizado em Portugal ocorreu,
em 1908, na Chã das Abrotegas (Serra do Gerês). Uma iniciativa da revista Ilustração Portuguesa que envolveu cerca
de 100 campistas e uma dúzia de tendas. Mas sabe-se que, já em Maio de 1875,
Ramalho Ortigão tinha recebido uma carta, remetida por Eça de Queiroz, onde era
informado da remessa duma volumosa encomenda de material e vestuário campista a
seu pedido. O escritor conta-se, pois, entre os pioneiros do Campismo em
Portugal. Saliente-se, também, que a Expedição
Scientifica á Serra da Estrella, de 1881, acampou no planalto serrano… E,
portanto a arte de acampar em Portugal já contava no início do século XX com
alguma tradição!
A Associação dos Escoteiros de
Portugal (AEP), fundada em 1913, e o Corpo Nacional de Escutas (CNE), fundado
em 1923, contribuíram significativamente para a implementação da prática de Campismo.
Alguns pequenos grupos de aficionados da modalidade surgiram paulatinamente a
partir de 1920, mas o grande estímulo para a expansão do movimento foi dado
pelo I Congresso do Campismo Desportivo realizado, de 13 a 15 de Setembro de
1940, na Quinta do Senhor da Serra (Belas), por iniciativa de Os Sports: o primeiro jornal a criar uma
secção de Campismo orientada por Hermínios Portugal (pseudónimo de Antero
Nobre). Mas a divulgação do Campismo estendeu-se igualmente a outros jornais da
época. Como exemplo, salientam-se a rúbrica Eco
Campista, do jornal A Vida Social
(Porto), da autoria de Edmundo Chaves Mendes e Augusto Guimarães ou, dos mesmos
autores, Coisas do Saco Alpino, uma
rúbrica da Gazeta do Sul (Montijo)
O livro Scouting for Boys (1908), de Baden-Powell, traduzido do francês por
Hermano Neves, foi editado pela primeira vez em Portugal, em 1915 ou 1917, sob
o título Manual do Escoteiro. Essa
obra constituiu a fonte onde gerações de campistas foram beber. Os manuais de campismo só iriam surgir mais tarde: Ar Livre e Campismo – Manual Técnico
(1938), de Antero Nobre; Manual Prático
de Campismo (1942), de Edmundo Chaves Mendes; Cadernos de Campismo – Conselhos a todos os Campistas (1943), de
José Santos Ferreira; Guia do Campista
(1945), de Edmundo Chaves Mendes; O
Campismo na Vida Moderna (1946), de Mário Mendes Moura; Manual de Campismo – I (1963), de
Alberto Marques Pereira; Campismo e
Caravanismo (1970), de Almeida Henriques ou Campismo – Férias e Turismo (1983), de Joaquim Campino, entre
outros.
A Carta de Campista Nacional foi
criada pelo Decreto-Lei nº 32/241, de 5 de Setembro de 1942, e a Federação
Portuguesa de Campismo (FPC) foi fundada em 1945. O campismo, hoje em dia,
pratica-se predominantemente em parques específicos para o efeito, sob
condições tão comerciais como as verificadas na indústria hoteleira ou na
restauração. No entanto, os primeiros Parques de Campismo só surgiram em Portugal
no ano de 1949, na Quinta de S. Gonçalo (Carcavelos) e na Madalena (Vila Nova
de Gaia).
A massificação do Campismo, que se
verificou na segunda metade do século XX e sobretudo a partir de 25 de Abril de
1974, levou à criação de legislação tendente à proibição dessa prática fora dos
parques. Essa
tendência proibicionista e os diversos condicionalismos existentes em Portugal
variam, no entanto, segundo os países e mesmo dentro de cada um deles. Sendo
verdade que é cada vez mais proibido acampar fora dos parques em muitas áreas
montanhosas da Europa, essa prática não deixa de ser comum em muitos maciços e
também é certo que, por exemplo, nas montanhas himalaianas mais famosas se
verifica a instalação de autênticas “cidadelas de tela”. A Suécia onde é
possível acampar fora dos parques constitui também um exemplo de outras formas
de encarar a modalidade…
O acampamento em parques não satisfaz muitos daqueles
que praticam actividades de ar livre e, por isso, o designado “Campismo Selvagem", que alguns
preferem chamar "Campismo Livre", continua a constituir uma
opção a ter em conta entre praticantes de actividades fora de portas e
essencial no âmbito do Montanhismo ou outras actividades congéneres. O
acampamento fixo ou permanente não se justifica fora dos parques, mas o Campismo
de Passagem ou Volante é perfeitamente aceitável e, por vezes, incontornável,
caso se respeitem as susceptibilidades ambientais das áreas visitadas.
Na viragem de mais um século torna-se, para nós,
evidente a necessidade de (re)assumir a vertente desportiva de ar livre (ou de
natureza, como se queira chamar) no seio do Campismo. Se por um lado é
importante defender a prática de Campismo
Desportivo fora dos parques, sob determinadas regras, é tão ou mais
importante implementar pólos de atractividade, no que concerne à prática de
actividades de ar livre, nos Parques de Campismo e nas imediações destes. Nesse
âmbito, destacamos a implementação de redes de Percursos Pedestres e o treino
acompanhado em actividades de Pedestrianismo, a instalação de Estruturas
Artificiais de Escalada (EAE) ou de circuitos de arborismo, tal como a
disponibilização de BTTs, entre outras (numerosas) iniciativas. O século
passado viu o surgimento de outras facetas da prática, como o Campismo Motorizado (Caravanismo e
Autocaravanismo), os praticantes do século XXI têm a responsabilidade de
(re)inventar novos (ou velhos) paradigmas e não deixarem morrer o Campismo.
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