Pegada
Ecológica e Ética Ambiental
A pegada ecológica (ecological footprint) trata-se de um
índice desenvolvido, na primeira metade da década de 90 do século passado, por
William Rees e Mathis Wackernagel, com base no conceito de capacidade de carga
dos ecossistemas (tal como noutros como emergy e MIPS). Este índice reflete
a área de terreno ou de água (biocapacidade) necessária para manter o consumo
de recursos e energia, assim como absorver os resíduos produzidos por uma
determinada população humana ou economia (BURGESS & LAI, 2006). A pegada ecológica não é uma
medida exata mas uma estimativa do impacte que o nosso estilo de vida terá
sobre o planeta, sendo por isso usada como um indicador de sustentabilidade: para
atingir um desenvolvimento sustentável a pegada ecológica associada terá de ser
inferior a uma Terra. Nesse âmbito, as actividades de ar livre não podem
ser descontextualizadas da sua “forma de fazer” (da sua praxis) e, daí, da sua componente ética, com claras implicações
ambientais que podem (e devem) ser integradas no conceito de pegada ecológica.
Basta ter em consideração a indústria de equipamentos out-door e o consumismo inerente, tal como a indústria de animação
turística ou os transportes (designadamente aéreos) associados a essas
actividades para facilmente verificarmos a importância da forma como se
praticam as actividades de ar livre, hoje em dia, no cálculo da pegada
ecológica.
A evidente insustentabilidade do estilo de vida
moderno e, posteriormente, pós-moderno, baseado no consumismo e, depois, no híper-consumismo
– para empregar a expressão cunhada pelo filósofo Gilles Lipovetsky (2004) –
tornou evidente, em determinadas correntes de pensamento, a necessidade de uma
outra relação/posicionamento face à Natureza. A aurora dessas novas formas de
pensar é traduzida de forma cabal na obra A Sand County Almanac (1949) –
traduzido para português sob o título “Pensar
como uma Montanha” –, talvez o mais discutido clássico da natureza e da
ecologia, e o pilar de uma muito recente ética da Terra, ética ambiental ou
ética ecológica. Retomando a inspiração de outras duas gradas figuras do
pensamento norte-americano do século XIX, os transcendentalistas Ralph Waldo
Emerson e Henry David Thoreau, no pensamento de Aldo Leopold está incluso
praticamente tudo aquilo que hoje estamos a (re)aprender quando queremos
transformar o conceito de desenvolvimento sustentável em algo realmente efetivo:
o respeito pelos valores intrínsecos dos ecossistemas; a capacidade de
apreciação do sagrado e o sublime que se manifesta na Natureza (Soromenho-Marques
in LEOPOLD, 2008). É esta visão do mundo – ecocêntrica – que Bill
Devall, na sequência do filósofo norueguês Arne Naess, se propõe designar por deep
ecology (ecologia profunda). Segundo uma terminologia já clássica nas
universidades americanas, deve-se opor a “ecologia profunda” (deeep ecology),
“ecocêntrica” ou “biocêntrica”, à “ecologia superficial” (shallow ecology),
ou “ambientalista”, fundada no velho antropocentrismo (FERRY, 1993)
Para Marina Silva, ex-Ministra do Meio Ambiente do
Brasil, o desenvolvimento sustentável deve integrar a ecologia e a economia
(com. pessoal, 2011). Por outro lado, Marina Silva destaca a importância da
sustentabilidade política (que implica passar de opções predatórias a
sustentáveis) e da sustentabilidade ética (defendendo que grande parte dos
problemas não se resolvem por falta desta): “a ética implica questionar não apenas o que fazemos mas o que somos”
(ibidem). Satish Kumar, editor da
revista Resurgence, defende que a
crise atual não é económica mas sim monetária/financeira e destaca também a
complementaridade da ecologia (eco: casa + logos: sabedoria) e
da economia (eco: casa + nomos: gestão) (com. pessoal,
2011), melhor seria falar de uma economia
ecológica: a gestão da nossa casa (a Terra) com sabedoria. Marina Silva
apela a “novos patamares civilizacionais”
e Kumar a não temer o idealismo, afinal ambos vislumbram a atual crise de
valores e procuram suplantá-la.
O tempo presente exige novas caravelas do pensamento,
que deem novos mundos ao mundo, e será, certamente, nessas novas navegações que
se descobrirá a forma de implementar um desenvolvimento sustentável gerador de
uma pegada ecológica compatível com uma só Terra. Daí a interrogação de Kumar e
também a sua resposta: “O que é que o
realismo fez? Devemos agora ser idealistas.” Daí o desafio de Marina Silva,
através de uma frase de Edgar Morin: “A
mudança no começo é apenas um desvio.” Ou (quem sabe?) um retorno às
origens…
(Pedro
Cuiça, 2012)
Referências bibliográficas
BURGESS, Bill & LAI,
Jessica – Footprint Analysis and Review. Disponível em http://www.kwantlen.ca/__shared/assets/Ecological_Footprint_Study6847.pdf, 2006. [14/Nov. 2012]
FERRY, Luc – A Nova Ordem Ecológica.
Porto: Edições Asa, 1993. ISBN 972-41-1297-7
KUMAR, Satish – Comunicação pessoal, 2011.
[2 Set. 2011]
LEOPOLD, Aldo – Pensar como uma
Montanha. Águas Santas: Edições Sempre em Pé, 2008. ISBN
978-972-8870-10-2
LIPOVETSKY, Gilles – Les Temps
hypermodernes. Paris: Grasset, 2004. ISBN
978-2-253-08381-8
Pegada
Ecológica. Disponível em http://www.ecopegada.org/. [Consult. 14/Nov. 2012]
SILVA, Marina – Comunicação pessoal, 2011.
[21 Out. 2011]
WACKERNAGEL, Mathis, MORAN, Dan & GOLDFINGER,
Steven – Ecological Footprint Accounting: Comparing Resource Availability
with an Economy’s Resource Demand. Disponível
em http://www.envirosecurity.org/conference/working/EFAccounting.pdf, 2004. [Consult.
14/Nov. 2012]
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