Certas definições não serão fáceis de conceber, ainda para mais quando as fronteiras entre as diversas actividades se esbatem ou actividades tradicionais se diluem numa panóplia de "novas" práticas. E, nesse contexto, não será de estranhar que certas definições não sejam consensuais e, por isso, gerem alguma polémica ou manifestas confusões, até mesmo entre os praticantes! No entanto, tal não impede que se tente compreender as diversas especificidades das várias abordagens e se avancem propostas de definições em moldes o mais rigorosos e sustentados... Tal vem a propósito de determinadas definições bastante questionáveis que surgem na legislação nacional e, mais concretamente, na Carta de Desporto da Natureza do Parque Nacional da Peneda Gerês que se encontra, até dia 16 de Dezembro, em discussão pública. Se é daqueles que sente algumas dificuldades em diferenciar algumas actividades de ar livre não se espante perante as manifestas incongruências do texto que é agora dado a discussão pública! Se, pelo contrário, possui ideias bastante fundamentadas acerca do assunto não se coíba de apresentar os seus pontos de vista. Tal tratar-se-á não só de uma nobre expressão de cidadania como poderá desfazer evidentes mal-entendidos. Aqui ficam alguns pontos de vista, no que concerne a actividades relacionadas com as temáticas abordadas neste blogue, designadamente pedestrianismo, trekking e montanhismo.
"O montanhismo consiste na subida de montanhas. Esta actividade diferencia-se do pedestrianismo pela sua maior dificuldade e risco, bem como, e sobretudo, pela diferença de objectivos. O pedestrianismo é andar a pé, em montanha ou noutros meios, por caminhos, mais ou menos bem definidos e balizados ou não. E é praticado com base em diversas motivações: lazer, benefícios para a saúde, interpretação do meio, etc.. Os montanhistas (ou montanheiros) saem frequentemente dos caminhos e metem-se em trajectos de dificuldade considerável onde, frequentemente, é necessário o recurso a técnicas de escalada. (...)
O objectivo do montanhismo, como não poderia deixar de ser, centra-se, antes de mais, no cume. Atingir o topo de uma determinada montanha, parede ou falésia. Para tal é frequente recorrer a técnicas de escalada. Daí confundir-se intimamente com esta actividade que não é mais do que uma das suas disciplinas base. A escalada pode ser definida como uma progressão, com possível risco de queda, num terreno rochoso, nevado, gelado ou misto de inclinação acentuada, na vertical, em subprumo ou mesmo em tecto, usando os pés e as mãos e geralmente também material de segurança e/ou de progressão.
(...)
Em terreno fácil (digamos até grau I ou II) anda-se a pé, sendo a marcha em montanha uma componente essencial do montanhismo. O acto de andar é inerente ao Homem. No entanto, quando se tratam de marchas longas, de vários dias ou em terrenos íngremes, as dificuldades surgem naturalmente. (...)
O pedestrianismo, andar a pé por caminhos, é uma actividade comparativamente pouco exigente e que, por isso, pode ser praticada dos "oito aos oitenta" anos de idade. Por outro lado, nos percursos pedestres balizados nem sequer são necessários conhecimentos de orientação para os efectuar (se estiverem bem marcados). O mesmo não se passa com as "caminhadas" efectuadas no âmbito do montanhismo, seja uma travessia, uma marcha de aproximação ou uma ascensão.
Uma marcha não pode ser comparada com um simples passeio."*
A caminhada em percursos, por muito longos que sejam, na Europa não será apropriadamente designada por “trekking”. A diferença substancial consiste em estar noutro
continente, em paragens algo “exóticas” ou remotas, muitas vezes numa viagem
organizada, com carregadores e cozinheiro. Actualmente é possível participar
num trekk nos Himalaias ou nos Andes: percursos de vários dias com o
objectivo de atingir o campo base do Everest ou fazer o Circuito dos Anapurnas,
atingir Machu Picchu ou Punta Union. Nos Himalaias, um considerável número de
elevações são consideradas treekking peaks não sendo preciso pagar para
as ascender. Os trekks em África podem estar integrados em safaris e incluem, por
exemplo, a ascensão do Kilimanjaro (5895 m): um percurso de cinco dias até ao
topo do continente africano.
O campismo
pedestre ou campismo volante consiste na prática de percorrer a pé um
determinado trajecto e ao final do dia montar um acampamento ou bivaque. No
outro dia, bem cedo, desmontar o “campo”, deixar tudo tal como se encontrou, e
voltar ao caminho. Ciclo que pode durar dias, semanas ou mesmo meses consoante
os objectivos dos "excursionistas".
Do exposto facilmente
se constata que qualquer definição carece de um necessário enquadramento (da assunção
de determinados pressupostos), facto que resulta da dificuldade de diferenciar
as diversas práticas em jogo. Nem se assume, nas parcas linhas acima expostas,
resolver tão complexa ou discutível problemática. Até porque nem definimos
excursionismo, nem o pretendemos (intencionalmente) fazer. Será o pouco falado
excursionismo o mesmo que o tão badalado trekking ou poder-se-á assumir
o campismo pedestre como uma especialidade de ambas as práticas? Mais
importante do que a questão de possuir definições válidas estará, a montante, a
defesa da liberdade de praticar actividades de ar livre de forma integral e
integrada, sustentável e ética.
(*CUIÇA, Pedro. Guia de Montanha - Manual Técnico de Montanhismo I. Lisboa: Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, 2011. ISBN 978-989-96647-1-5)
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