Percursos Pedestres
Dois mil alunos na serra
Para muitos, a massificação das
actividades de ar livre não se verifica. A polémica em torno da décima segunda
marcha de clubes de ar livre escolares poderá mudar a opinião de alguns. No
Parque Nacional da Peneda-Gerês estiveram dois mil alunos, quatro centenas de
professores e 50 autocarros.
A massificação das actividades de ar
livre é vista, por muitos praticantes (e não só), como exagerada. Quem
percorreu vários quilómetros no planalto central da Serra da Estrela sem ver
vivalma ou observou as desérticas vertentes do Cântaro Magro assim o poderá
encarar. Mas quem já presenciou grupos de numerosos excursionistas barulhentos
ou filas de espera para escalar uma via, talvez não pense assim. De facto, a
massificação já se verificou em várias iniciativas e a polémica não se fez
esperar. Recorde-se o caso da décima segunda marcha de montanha, protagonizada pelos clubes de ar livre escolares.
Organizada pelos clubes de ar livre
das escolas preparatórias de Canelas, em Gaia, e de Augusto Gil, no Porto, a
décima segunda marcha anual de montanha foi alvo de intensa polémica. Realizada
no dia 6 de Junho de 1992, num trilho do Lindoso, em pleno Parque Nacional da
Peneda-Gerês (PNPG), levou inclusivamente à remarcação do trajecto.
A alteração do percurso inicial,
estabelecido sem conhecimento da direcção do PNPG, deveu-se à pronta actuação
do Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens (FAPAS), que desenvolveu uma
campanha para a desmobilização do percurso pedestre. Segundo um comunicado
subscrito pela bióloga Maria dos Anjos Viana, do FAPAS, e enviado aos diversos
clubes de ar livre, a marcha apresentava “mais aspectos negativos do que
positivos” e “comprovado impacte ambiental”.
As pressões para que a marcha não se
realizasse foram secundadas pela Associação Portuguesa de Professores de
Biologia e Geologia, Associação Portuguesa de Biólogos, dezenas de professores
do ensino preparatório e secundário, bem como por várias associações
ambientalistas. A contestação alargou-se, igualmente, aos meios universitários
de Lisboa, Coimbra e Porto, onde se recolheram dezenas de assinaturas contra a
realização da iniciativa em causa. O documento, dado a assinar, referia a
“consternação e preocupação” face à realização da marcha. Considerando que o
“desplante da marcação para o PNPG foi ao ponto de ter sido sinalizada uma
trilha com tintas indeléveis sem quaisquer critérios”.
A facilidade com que se efectuou a
marcação do percurso contrastou enormemente com as condições de fiscalização a que os próprios
investigadores eram sujeitos quando pretendiam realizar estudos de campo na
área do PNPG. Autorização prévia, por parte da direcção do PNPG, e
acompanhamento por guardas da natureza. Salientando o trabalho desenvolvido
pelos clubes de ar livre, ao longo dos anos, o documento duvidava, também, que
o elevado número de crianças permitisse “apreciar a montanha” e “preservar a
riqueza animal e vegetal” ainda existentes. Professores, cientistas e
ambientalistas contestaram, deste modo, a marcha de montanha que envolveu 40
escolas preparatórias e secundárias, mais de dois mil alunos, quatro centenas
de professores e meia centena de autocarros.
Um dos responsáveis pela organização
da décima segunda marcha de montanha, Alexandra Silva, rebateu os argumentos
dos contestatários e garantiu não se esperar qualquer impacte significativo.
“Não é uma rebaldaria”, assegurou, “é uma marcha organizada e cada grupo de dez
alunos ´acompanhado por um professor.
De resto, acrescentou Nuno Gomes de
Oliveira, outro dos organizadores, tratavam-se de alunos habituados a saídas de
campo, uma das quais já se tinha realizado no PNPG sem que tenham ocorrido
quaisquer problemas. Questionado sobre o elevado número de pessoas envolvidas
na polémica iniciativa, Gomes de Oliveira, então director do Parque Biológico
de Gaia, admitiu a possibilidade de constituir um número excessivo se se
tratasse de uma iniciativa de educação ambiental. Mas considerou que as mais de
duas mil pessoas representariam um volume aceitável enquanto “convívio de fim
de ano de clubes de ar livre”. Nuno Oliveira garantiu, ainda, não haver
problemas de pisoteio e referiu ser “muito mais positivo o que os clubes de ar
livre fizeram durante doze anos do que o impacte negativo mínimo que possa
haver em três horas”.
Como o percurso apenas se desenvolvia
em área rural e tinha sido efectuado com a colaboração de biólogos, à partida,
não levantaria objecções de maior. Mas assim não foi. Dificilmente dois mil
alunos, 400 professores e 50 autocarros poderiam passar desapercebidos.
O Gerês, em 1991, foi visitado por
mais de 500 mil pessoas, sendo o quarto destino turístico nacional, após a
região algarvia, Estoril e Fátima. A diferença entre 500 mil pessoas e duas mil
poderá ser apenas uma questão de números. Talvez por estas e outras razões a
União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) tenha proposto a
desclassificação do único parque nacional existente em Portugal. Opção, aliás,
apoiada pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN). Diferentes perspectivas?
(Pedro Cuiça – FORA DE PORTAS –
jornal Forum Ambiente . nº 157 . 28/Nov. 1997)
Serra do Gerês © PC (2005)
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