sábado, 19 de setembro de 2015

A Flor do Caminho


A Flor do Caminho prossegue a sua senda... desta feita na Serra de Sintra: a Montanha da Lua.

«There are many names for walkig with energy: qi walking, life walking, breathwalk, the dance of life. Whatever you may call it, walking makes you feel alive and full of energy. Any walking programs can enhance our vitality and energy in living our life.»
Jack Bray (2006): Walking With Qi - The Nine Jewels of Qigong Walking

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Montanhismo nocturno

Uma actividade de Montanhismo Nocturno na mítica Serra de Sintra – a Montanha da Lua –  que envolve marcha e rapel nocturno. Esta trata-se de uma desafiante proposta para todos aqueles que pretendam vivenciar outras facetas do montanhismo: a experiência de andar e rapelar na envolvência misteriosa da noite.

Uma iniciativa Green Trekker.




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SINTRA BY NIGHT

Serra de Sintra Ó Carla Chú (4 de Outubro de 2015)

E assim se passou uma noite invulgar, por entre reflexos de luz sobre denso nevoeiro e respingos lançados pelo rebuliço do arvoredo agitado por ventos de sul. Parecia chuva, mas não choveu!... Valeu :)

Montanhismo - NI

O Curso de Montanhismo NI − Curso de Iniciação ao Montanhismo − tem por objectivo ministrar a formação, teórica e prática, considerada necessária e suficiente para os formandos se iniciarem e evoluírem nessa actividade em autonomia.
No curso NI são abordados, entre outros temas, a segurança, a progressão, a orientação e a pernoita em montanha, com utilização de manobras de corda (escalada e rapel) para ultrapassar obstáculos que normalmente se podem encontrar em terrenos montanhosos: ressaltos rochosos e terrenos de forte inclinação, com erva, pedregosos e/ou escorregadios.
Uma iniciativa Green Trekker.



Um curso de iniciação ao montanhismo num espaço de excelência - a Quinta do Torneiro - só na GT ;-)
Quinta do Torneiro (Oeiras) Ó Miguel Vilardebó (1 de Outubro de 2015)

sábado, 5 de setembro de 2015

Caminhos Encantados

Forum Ambiente nº 74 de Outubro de 2001 - Percurso: Pedro Cuiça - Ilustrações: Nuno Farinha e Fernando Correia

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Conceito(s) de Natureza

Nem é tarde, nem é cedo… Na sequência de anterior intróito circunstancial, é hoje que publicamos algumas “reflexões” sobre Conceito(s) de Natureza. Não passa de um pequeno trabalho no qual afloramos, pela rama, alguns conceitos e problemáticas tão naturais quanto, inesperadamente, artificiais!…

A Arte Viva (Lisboa) Ó Pedro Cuiça (Agosto de 2015)

Conceito(s) de Natureza

RESUMO
A natureza foi alvo de profundas cogitações desde a antiguidade até aos nossos dias, no entanto esse “objecto de estudo” variou significativamente. A complexidade e a abrangência do conceito de natureza, tal como a sua dificuldade e ambiguidade, justificarão as mudanças e oscilações marcantes ao longo do tempo. Na verdade, não existe um único conceito mas sim vários conceitos de natureza.
Palavras-chave: natureza, natural, artificial, sobrenatural


«O universal é o local sem paredes.»
Miguel Torga

«O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens lhe fizeram usar.»
Alberto Caeiro

O conceito de natureza é nuclear ou axial no âmbito da filosofia e da ciência. A filosofia da natureza e a ciência da natureza coincidiram ao longo de séculos e a sua separação, no contexto europeu, só ocorreu no século XVII1 e mesmo desde então no mundo de língua inglesa ambas as expressões continuaram sinónimas (Henry Margenau in HEINEMANN et al., 2004: 365). A investigação da natureza (physis) está no cerne do modelo de racionalidade inaugurado, a partir do século VI a.C., pelos filósofos, astrónomos, matemáticos e médicos gregos (CARDOSO et al., 2015: 11).
As mais representativas escolas gregas encararam a vida como modelo da ordem natural devido à regularidade dos processos biológicos e à espontaneidade e finalidade intrínseca dos actos vitais (Ibidem: 12). O naturalismo renascentista realçou esta tendência, no século XVI, exaltando em especial a perfeição, a beleza e a proporcionalidade do corpo humano enquanto expressão suprema do universo, do qual foi considerado arquétipo e símbolo.
A natureza gosta do comum (do repetitivo), evidenciado sob a forma de ordem e de regularidade. No entanto, também se revela de modo incomum (inusitado ou insólito), através de singularidades, deformidades, “fugas ao padronizado”. A natureza expressa inequívoca espontaneidade e simultaneamente remete para a transcendentalidade. A manifestação da natureza surge, pois, sob diversas roupagens e parece que esta gosta de se velar (ocultar sob véus). A opção, que se assume intencional, de falar da natureza como se esta fosse um ente deve-se ao facto desta, por vezes, ser equiparada a Deus (ou fazer parte deste), à imagem do Homem2 e daí a narrativa antropocêntrica adveniente.
Uma diferenciação conceptual, que procede da filosofia grega, considera uma natura naturans (natureza geradora que cria) e uma natura naturata (natureza criada). Averróis (1126-1198), nos seus comentários sobre a Physica de Aristóteles (350 a.C.), volta a recuperar estes conceitos, tal como, posteriormente, muitos outros pensadores. Os escolásticos mantêm a distinção da filosofia grega entre naturans e naturata, para justificar a Criação: Deus é necessário e é natura naturans (Leandro Sequeiros in BORGES et al., 2014: 114). A natureza naturante não é senão Deus. Para Baruch Espinosa (1632-1677) dizer Deus ou Natureza é a mesma coisa. A ideia de uma natureza naturante é, aliás, bastante anterior ao pensamento espinosiano. Diversos pensadores gregos conceberam uma natureza plena de Deus – e.g. Tales de Mileto (623/624-546/548 a.C.) – no sentido de haver uma dimensão divina na natureza. Face a essas concepções, consideradas por alguns como panteístas ou paneteístas, não poderemos ignorar posicionamentos diametralmente opostos. Por exemplo, o filósofo Robert Boyle (1627-1691) defendia que a natureza não era mais do que um ente da razão e o sacerdote e filósofo Teodoro de Almeida (1722-1804) alegava que a noção de natureza não passava de uma invenção pagã.
Na obra De humani corporis fabrica (1543), de Andreas Vesálio, a natureza é concebida como produção do artista supremo (sumus opifex), sendo a sua obra mais admirável o corpo humano, frequentemente designado como “artifício” (artificium), quer dizer o produto de uma arte (CARDOSO et al., 2015: 12). Mas não esqueçamos que no final do século XV, cerca de meio século antes de Vesálio publicar a sua obra-prima, Leonardo da Vinci (1452-1519), já tinha antecipado muito do que, do ponto de vista científico, iria acontecer nos séculos seguintes.
A física moderna fundada, entre outros, por Kepler, Galileu e Newton, no século XVII, teve por base uma «imagem medieval da natureza, que via nesta acima de tudo, a criação de Deus» (HEISENBERG, 1981:7). A natureza era pensada como obra do Criador, sendo considerado absurdo conceber o mundo material independentemente de Deus. No entanto, no decurso de poucos decénios, a atitude ante a natureza mudou radicalmente.

«Nos tempos que se seguiram, os métodos da mecânica newtoniana foram aplicados com sucesso a campos cada vez mais vastos da natureza. Tentou-se, por meio de experiências, isolar determinadas partes do processo natural, observá-las objectivamente e compreender a sua regularidade.» (HEISENBERG, 1981:8)

Em nome desta recente abordagem científica foi instituído um novo “credo” com preconceitos rígidos e formais!… Segundo Bookchin (1989: 10): «Imaginava-se, por exemplo, que a natureza era muda, cega, indiferente e insensível, e que apenas era dado ao homem percebê-la através de equações e de enunciados matemáticos». O dito do físico Galileu Galilei (1564-1642), contido na sua obra O Ensaiador (1623), passou a ser regra: «O Livro da Natureza está escrito em caracteres matemáticos» (BORGES et al., 2014: 56).

Natural versus Artificial?
Numa determinada perspectiva filosófica, o universo é composto de natureza e de alma3. Para Ralph Waldo Emerson (1803-1882), estritamente falando, tudo o que a filosofia considera como o “não eu”, isto é, a natureza (incluindo o próprio corpo humano) e a arte, deve ser classificado com a designação de “natureza”. No entanto, a natureza, no sentido corrente do termo, «refere-se às essências não alteradas pelo homem: o espaço, o ar, o rio, a folha» (EMERSON, 2009:74). Segundo esse transcendentalista de Concord, a arte corresponde, numa perspectiva vulgar, à acção da vontade humana que se expressa sob a forma de objectos como, por exemplo, uma casa, um canal, uma estátua ou um quadro. Essa forma de senso comum peca pela sua simplicidade insustentável e levanta uma série de questões pertinentes que obrigam a um pensamento mais profundo e, portanto, filosófico. Nessa perspectiva como poderemos classificar um ninho de uma ave, uma barragem construída por castores ou um ramo trabalhado por um chimpanzé para funcionar como instrumento, entre tantos outros fenómenos do género? Tal como os artifícios e artefactos humanos (toda a acção ou objecto pelos quais se age sobre a natureza), estas expressões não humanas também teriam de ser consideradas, nessa lógica, como artificiais. E, daí, decorreria prontamente a questão sobre onde situar a fronteira entre o natural e o artificial. Questão, essa, que, só por si, para alguns, já é “artificial”… A arte nasce na ou da natureza e tem, sem dúvida, a capacidade de transformar a própria natureza, numa manifesta complementaridade ou mesmo interpenetração. Para alguns, natureza e arte, natural e artificial, serão uma e a mesma “coisa”, que também poderá ser designada por “realidade material” (de matéria). Nesse contexto, não surpreenderá, portanto, que o filósofo italiano Julius Evola (1898-1974), considerasse que a natureza é também «los diques, las turbinas y las fundiciones, la red tentacular de grúas y los muelles de un gran puerto moderno o un complejo de rascacielos funcionales» (Philippe Baillet in EVOLA, 2003: 25).
A natureza enquanto Criação, em grande parte por influência do cristianismo4, remete para o conceito de natureza como artefacto e a «vida como o mais belo dos artifícios» (CARDOSO et al., 2015: 11). Deus surge como artífice (e.g. relojoeiro) e a natureza como artefacto (e.g. relógio), no entanto essa forma de pensar evidencia manifestas insuficiências. Não restam dúvidas no tocante ao facto do artífice criar o artefacto mas surge de imediato a dúvida sobre quem criou o artífice. Algo, aliás, à semelhança da narrativa pós-moderna (do agrado de inúmeros ateístas) acerca da criação do universo a partir do big bang. O que havia antes dessa grande explosão de matéria e energia ou, numa outra formulação, quem criou o big bang? Mysterium tremendum et fascinans
É na linha de pensamento que considera a natureza como criação de um Deus que surge a concepção de arte como capacidade de aperfeiçoamento da natureza. Concepção que curiosamente continua igualmente a ser defendida, nos dias de hoje, por acérrimos seguidores de uma (“deusa”) ciência supostamente acima de quaisquer crenças! Aquilo que para alguns é “naturalmente” resultado da vontade divina ou das maravilhas da ciência, e que se poderá consubstanciar na imagética do aperfeiçoamento de uma “natureza selva” em “jardim”, para outros surge como um sério risco de desnaturação e/ou de destruição da natureza.

Natureza selvagem (Wilderness): o exemplo da alta montanha
Uma área de natureza selvagem, em contraste com as áreas onde o homem e as obras dominam a paisagem, pode ser reconhecida como aquela em que a terra e a sua comunidade de vida não foram manipuladas pelo homem, onde o próprio homem é um visitante que não permanece (JAMIESON et al., 2005: 358). Essa definição, com todas as limitações filosóficas aduzidas do que já foi referido atrás acerca do natural e do artificial, aplica-se numa Europa intensamente ocupada e intervencionada pelo homem, desde há milhares de anos, em escassas áreas excepcionais de que se destacam as profundas cavidades subterrâneas e as altas montanhas.
O facto de na segunda metade do séc. XVII começar a generalizar-se o sentimento do esplendor e da beleza das paisagens montanhosas, a par da concepção mecanicista da natureza, é bastante curioso. Durante a Idade Média e, segundo o clérigo anglicano William Gilpin (1724-1804), até pelo menos 1791, a maior parte das pessoas não gostava da natureza selvagem (wilderness) e até a achava hostil. As altas montanhas eram consideradas esteticamente repelentes, excrescências, verrugas da terra, “desertos” e até mesmo – com as suas cristas labiais e vales vaginais – ‘partes pudendas da natureza’ (!), habitats do sobrenatural e de um tão variado quanto imaginativo bestiário a condizer… No entanto, esse paradigma foi substituído precisamente pelo oposto, facto a que não estará alheio o pensamento inovador ou original (de ir às origens) do filósofo/cientista/artista Leonardo da Vinci. Este de forma notoriamente à frente do seu tempo terá subido, em 1511 ou 1516, o monte Bô (2556 m), entre outras ascensões efectuadas pelo anseio de descobrir essas paragens pouco conhecidas e que revelavam “saberes”, até então ignorados, a quem os soubesse interpretar… Da Vinci ao abrir os olhos da humanidade, em inúmeros campos do conhecimento, fez também com que esta descobrisse os encantos da alta montanha e, portanto, da natureza selvagem.

«Atravesó varios neveros sin miedo y sus ojos de artista comprobaron el potente azul del cielo, comparándolo con el de las gencianas. Luego, en sus pinturas dejará de vez en cuando que los Alpes figuraran como fondo (…) Se sabe que aquel genio admiró y sintió en su más profundo ser la belleza clásica de las montañas. Él era precisamente la encarnación del Renacimiento.» (FAUS, 2003: 47-48)

A influência de Da Vinci fez-se sentir de forma morosa mas, contudo, imparável. Facto é que no decurso de três séculos sedimentou-se uma nova forma de conceber a natureza…

«Over the course of three centuries, therefore, a tremendous revolution of perception occurred in the West concerning mountains. (…) That is to say, when we look at a landscape, we do not see what is there, but largely what we think is there. (…) What we call a mountain is thus in fact a collaboration of the physical forms of the world with the imagination of humans – a mountain of the mind. And the way people behave towards mountain has little or nothing to do with the actual objects of rock and ice themselves.» (MACFARLANE, 2004: 18-19)

Um exemplo bastante expressivo do modo ilusório como muitas vezes o Homem interpreta a natureza traduz-se na aparente imobilidade das montanhas resultante não da realidade subjacente à própria montanha mas sim da escala do tempo geológico (medida em milhões de anos) face ao diminuto período de vida humana e à deficiente observação por parte da generalidade dos “observadores”. De facto, as montanhas movem-se mas nem sempre isso é perceptível. Para ver não basta olhar…
As fortes influências do cristianismo na generalidade da população – tal como a perspectiva mecanicista, que irá prevalecer durante os séculos XVII e XVIII, sobretudo nas classes cultas – serão paulatinamente substituídas pelo retomar do ancestral tópico nuclear da relação entre o Homem e a Natureza. Questão que não deixará de se colocar até hoje de forma cada vez mais pertinente, sobretudo a partir da década de 1970, face à alarmante destruição da natureza, mormente no que concerne à perda de biodiversidade e às alterações climáticas.
É nesse contexto que surgem novas abordagens filosóficas de que destacamos a ecologia profunda, surgida em 1973, na sequência da publicação de um artigo seminal da pena do filósofo norueguês Arne Naess (1912-2009): O movimento ecológico de longo alcance, superficial e profundo. A ecologia profunda baseia-se no conhecimento e no desenvolvimento do “eu” (self). Não um “eu” atomista e, portanto, limitado mas sim um “eu” limiar que faz parte de um todo e, daí, o mais alargado possível. Este modo de pensar implica abandonar um antropocentrismo (ou egocentrismo) de vistas curtas e adoptar uma perspectiva alargada ecocêntrica. Naess defendeu uma forma de ecosofia – que baptizou de “ecosofia T” (do nome da sua cabana de montanha: Tvergastein) – assente numa dimensão ontológica e cosmológica de carácter transpessoal, de comunhão com o todo/outro (animado ou inanimado), com vista à Auto-realização. Esta forma de pensar não se limita à teoria dando uma especial importância à prática, razão pela qual não será de todo estranho que muitos ecologistas profundos sejam simultaneamente montanhistas e/ou pedestrianistas: Arne Naess, Bill Devall, George Sessions, Nils Faarlund, etc..
As concepções inerentes à ecologia profunda vêm na sequência de pensadores revolucionários como John Muir (1838-1914)5 e Aldo Leopold (1887-1948)6. Este último na obra Pensar como uma Montanha (1949) esboça uma ética da terra e perspectivas assumidamente ecocêntricas que irão influenciar profundamente diversos autores até à actualidade, entre eles os filósofos português José Manuel Heleno (1957-) e o estadunidense David Abram (1957-).

«Importa, então, compreender o percurso que vai da interioridade defendida por Agostinho à ideia que «ser real quer dizer não estar dentro de mim» (Caeiro). Da interioridade absoluta ou «realidade de dentro» (de origem divina) transita-se assim para a ideia que «antes de sermos interior somos exterior/Por isso somos exterior essencialmente» (Caeiro).
(…) O que se dá na experiência sensível – do poeta ou do pintor –, é o entrelaçamento entre o visível e o vidente.» (HELENO, 2002: 18)

«(…), não são apenas essas entidades reconhecidas pelas civilizações ocidentais como “vivas”, não são apenas os outros animais e plantas que falam, como espíritos, aos sentidos de uma cultura oral, mas são também o rio serpenteante onde esses animais bebem, as torrenciais chuvas da monção e a pedra que encaixa perfeitamente na palma da mão. A montanha também tem os seus pensamentos.» (ABRAM, 2007: 13)

A natureza selvagem surge, em autores como Heleno e Abram, numa perspectiva fenomenológica, como “paisagem de múltiplas vozes” que cabe ao Homem descortinar. A ecologia profunda e a ecosofia voltam a integrar o Homem no Cosmos, o humano passa novamente a fazer parte da natureza, a ser natureza.

O Homem: avis rara?
O lugar do humano na natureza esteve, no pensamento ocidental, invariavelmente no centro de todas as problemáticas. A superfície de contacto entre o Homem e a Natureza, a sua relação e interacção, foi desde sempre um dos problemas mais fascinantes da filosofia, da ética e da cultura.
O cristianismo e, talvez mais do que este, o catolicismo, com o seu poderoso e enraizado preconceito anti-naturalista e anti-pagão, substituiu de modo quase absoluto a riqueza e a complexidade da visão greco-romana por um sobrenatural único e, por isso, empobrecido e sobretudo desgarrado da natureza. De certa forma, este empobrecimento corresponde àquilo que os filósofos e os investigadores do Renascimento, particularmente com Descartes e Galileu, vão ajudar a consolidar de forma radical (BOOKCHIN, 1989: 9).
Até ao século XVII, o pensamento médico-filosófico considerava a vida como o resultado da actividade da alma, que tinha a função essencial de animar o corpo. No Tratado do Homem (1662), Descartes rompe com esta tradição, inaugurando uma nova forma de conceber o ser vivo e em especial o Homem como uma máquina apta a executar por si mesma, mecânica e automaticamente, o conjunto das operações vitais, nomeadamente mover-se, respirar, alimentar-se e reproduzir-se (CARDOSO et al., 2015: 19). É a partir de meados do século XVII que começa a ser defendido que o corpo é que possui automatismo e que a alma é espontânea. A alma até então fez parte da natureza – sendo que em algum platonismo e nas “religiões do Livro” (desde o judaísmo) tal não aconteceu –, mas é nesse século que a separação da alma e da natureza surge como um divórcio tão inequívoco quanto generalizado7. Numa tentativa arrebatadora de mecanização da natureza, os pensadores setecentistas retiraram a alma da natureza e apartaram de forma drástica o Homem do natural8. O corpo e a alma passam a ter “naturezas” distintas, diferenciando-se a natureza (corpo) da “natureza do Homem” (alma)! Será igualmente de destacar, neste contexto, a mudança conceptual da “natureza do corpo” para uma máquina terrestre (terrestrem) – feita de terra – em detrimento de concepções anteriores em torno de humores líquidos (água)9.
O Homem (de corpo e alma) surge indubitavelmente como um ser anfíbio: por um lado é natural (faz parte da natureza), por outro será sobre-, supra- ou i-natural. Tendo em conta esta perspectiva filosófica, o Homem no contexto da evolução das espécies surge como avis rara sem paralelo. Posicionamento bastante questionado no âmbito da biologia actual, que não encontra diferenças substanciais entre os homens e os animais. Aliás, já Fernando Pessoa, nas suas Reflexões Sobre o Homem (1926-1928), salientava que o ser humano era um animal exactamente como os outros: «A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, o homem um animal irracional complexo.» As diferenças serão de ordem meramente quantitativa e não qualitativa…
As competências cognitivas, tanto do Homem como dos restantes animais, são naturais, são meras disposições naturais. As dúvidas surgem no tocante à cultura enquanto pretenso atributo exclusivo do Homem10. E, neste contexto, mais uma vez vem à colação a diferenciação do natural e do artificial: o Homem, para além de uma dimensão natural, comportará uma dimensão artificial (cultural). No entanto, esse atributo, para muitos autores, também deixou de ser um monopólio humano tendo-se estendido ao não humano. No domínio das eventuais diferenças, é a linguagem verbal (e talvez mais ainda a escrita) que se destaca enquanto algo muitíssimo enigmático.
Todas as tentativas de definição da linguagem saem goradas, desde logo porque o único meio que podemos usar para definir a linguagem é a própria linguagem. A verbalização surge como uma espécie de corpo para o pensamento. A língua pensa na medida em que há determinados jogos de linguagem que nós sabemos fazer e outros não. Cada língua surge como uma espécie de canto único… Será a linguagem natural ou não-natural?

«Quando enalteço o realismo não estou só a pensar no mundo dado aos sentidos, naquilo a que chamamos mundo objectivo. Há uma dupla face da realidade: a natural e a sobrenatural. Entre as duas, o mistério do verbo mediador. A mediação entre o mundo sensível e o mundo inteligível, entre o natural e o divino, é que é propriamente a metáfora.» (TELMO, 2004: 87)

Segundo o filósofo José Manuel Heleno, o sagrado nasce da experiência sensível das coisas e é não só possível apreender as coisas sem a ajuda dos nomes como a utilização da linguagem implica «perdemos a realidade em vez de a ganhar – daí esse desejo de silêncio anterior à própria palavra» (HELENO, 2002: 67). O enigma da poesia, por exemplo, reside em esta ser mais do que mera “questão” de linguagem, justamente pelo facto de haver um “milagre” da própria linguagem ou dos símbolos na sua capacidade em se transcenderem e em dizerem o novo a partir do velho (HELENO, 2002: 73). Neste contexto, ser original será regressar às origens, voltar naturalmente a ser natureza e a superar a própria natureza.

Pedro Cuiça
Lisboa, 20 de Abril de 2015
Curso Complementar de Formação em Filosofia – Filosofia da Natureza (Prof. Dr. Adelino Cardoso)
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UN)


Notas
1.  A distinção entre filosofia da natureza e ciência da natureza (na verdadeira acepção daquilo que se considera como ciência moderna) verifica-se, a partir do século XVII, com a invenção do método experimental.
2. A palavra “Homem” é utilizada para designar a espécie humana, incluindo portanto homens e mulheres, sem quaisquer intenções de descriminação de género.
3. A palavra “alma” foi inicialmente empregue como sinónimo de “autómato”: a capacidade que a alma possui de executar per si um conjunto de operações (respiração, alimentação, reprodução, etc.), de trabalhar de forma regular como um “autómato vivo”. Com o mecanicismo, a partir do século XVII, passou a estar separada da natureza e é nesse contexto que é referida por Emerson.
4. Situação partilhada, aliás, por outras “religiões do livro”: judaísmo, Islão e Fé Baha’i.
5.  «Society speaks and all men listen, mountain speak and wise men listen.» (MUIR)
6.  «Suspeito agora que, exactamente como uma manada de veados vive no temor mortal dos lobos, assim vive uma montanha no temor mortal dos veados. E talvez com mais razão, pois que enquanto um veado abatido pelos lobos pode ser substituído em dois ou três anos, uma cordilheira desarborizada por um excesso de veados não consegue reconstituir-se em tantas outras décadas.» (LEOPOLD, 2008: 131)
7.  Estamos cientes da existência de diferenças conceptuais entre “alma”, “mente” e “espírito” – diferenças que por vezes não são tidas em conta (designadamente em determinadas traduções) dando origem a mal-entendidos e confusões – mas não iremos desenvolver essa temática. Nesse contexto, vem também à colação distinções, a ter em conta, entre “instinto”, “emoção” e “razão”.
8.  Não deixa de ser interessante o facto de o filósofo e médico Francisco Sanches (1550-1622), apesar de manifestar um posicionamento assumidamente racionalista, afirmar simultaneamente que não se pode separar o Homem da Natureza. É de sua autoria a fórmula «Solam sequar rationem Naturem» (Vou seguir a mera natureza com a razão) que «condensa todo o programa da racionalidade moderna» (CARDOSO et al., 2015: 31).
9.  Sendo certo que o latino homo (homem) se relaciona com humus (solo, terra), de onde deriva também “humildade”, o Homem ao ignorar o facto de ser inseparável da terra, da natureza e dos seres vivos – pervertendo o sentido original de cultura (cultura de integração harmoniosa no mundo e não de desintegração violenta) –, o Homem, dizíamos, passa a re-colher (colere), não os frutos benéficos e salutares do cultivo amoroso da terra e do espírito, mas os efeitos destrutivos da sua própria violência (BORGES, 2014: 107). Será também oportuno salientar que a vida surgiu no mar-oceano (em meio aquático) e que o corpo humano, sendo feito em parte de terra, é composto por cerca de 70 a 75% de água.
10.  «A origem da palavra cultura encontra-se na raiz indo-europeia kwel, que reencontramos no sânscrito chakra, o qual designa uma roda ou disco, seja a roda da lei universal (dharma), a ronda das existências condicionadas (samsāra) ou a dos centros de energia subtil no corpo humano. A cultura está assim ligada à imagem dinâmica da roda, que no plano material foi uma descoberta maior da humanidade e no plano simbólico figura a lei que rege todas as coisas, regulando a transformação dos seres e da energia vital que os anima. A mesma raiz origina o grego kuklos, que designa toda a forma redonda e de onde procedem o inglês wheel (roda) e o português ciclo. Em latim, é assim a raiz originária do verbo colere, de onde procede directamente o latino cultura, no sentido literal de “mover-se habilmente” no cultivo da terra e no sentido de cultivar o espírito (“cultura animi”, em Cícero), cortejar alguém ou cultuar uma divindade. Daí a proximidade entre cultura, agricultura e culto.» (BORGES, 2004: 105-106)

Referências bibliográficas
· ABRAM, David [1996]: A Magia do Sensível – Percepção e Linguagem num mundo mais do que humano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, pp. 340.
· BALLU, Yves (1997): Les Alpinistes – Chronique raisonnée de leurs aventures remarquables dans les Alpes; Grenoble: Editions Glénat, pp. 548.
· BRETON, David le (2000) : Passions du risque; Paris: Éditions Métailié, pp. 196.
· BOOKCHIN, Murray [1983]: Sociobiologia ou Ecologia Social?. Lisboa: Sementeira, 1989, pp. 56.
· BORGES, Anselmo (2014): Deus ainda tem futuro?. Lisboa: Gradiva, 334.
· BORGES, Paulo (2014): Quem é o meu próximo. Lisboa: Mahatma, pp. 258.
· CARDOSO, Adelino et al. (2015): Autómato vivo – A vida, um artefacto natural?. Lisboa: Edições Húmus, pp. 80.
· EMERSON, Ralph Waldo [1836]: A Natureza. Cascais: Sinais de Fogo, 2001, pp. 104.
· EVOLA, Julius [1974]: Meditaciones de las Cumbres. Barcelona: Ediciones Nueva República, 2003, pp. 143.
· FAUS, Agustín (2003): Historia del Alpinismo – Montañas y Hombres: Hasta los albores del siglo XX; Cuarte: Barrabés Editorial, vol. I, pp. 304.
· FAUS, Agustín (2005): Historia del Alpinismo – Montañas y Hombres: De 1900 a 1960; Cuarte: Barrabés Editorial, vol. II, pp. 352.
· HEINEMANN, Fritz et al. (1983): A Filosofia no Século XX. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª ed., pp. 578.
· HEISENBERG, Werner [1955]: A Imagem da Natureza na Física Moderna. Lisboa: Livros do Brasil, 1981, pp. 240.
· HELENO, José Manuel (2002): A Experiência Sensível – Ensaio sobre a linguagem do sublime. Lisboa: Fim de Século, pp. 142.
· JAMIESON, Dale et al. [2001]: Manual de Filosofia do Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 2005, pp. 526.
· LEOPOLD, Aldo [1939]: Pensar como uma Montanha. Águas Santas: Edições Sempre-em-Pé, 2008, pp. 220.
· MACFARLANE, Robert (2004): Mountains of the Mind – A History of a Fascination; London: Granta Books, pp. 308.
· MOSCOSO, David (2003): La Montaña y el Hombre; Cuarte: Barrabés Editorial, pp. 296.
· TELMO, António (2014): Gramática Secreta da Língua Portuguesa precedida de Arte Poética. Sintra: Zéfiro, pp. 218. 

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

High and Wild


You're gone, you're gone You're with me but you're gone A feeling once so strong Is now an old and forgotten song You don't sing so high and wild (2x)

You're here, you're here But your spirit's disappeared Off to some place that I don't know Some human thing has squashed your soul And I don't recognize you
I wish that this could turn our thing to bliss And we could put our fears aside And learn to laugh and be alive And let our bodies be revived
But you can't Say that you love me What am I supposed to think? That's the truth? Well, has it ever been easy for you? To stand behind the things that I do
I wait for this to pass For us to both say at last On this dark and narrow path The sun is shining and we remember what it is we're living for
I'm neither innocent or wise when you look me in the eyes You might as well be blind You might as well be blind Cause you don't see me anymore
And you You can't tell me that you miss me When I'm standing in your way Well this won't be so much easier If I had nothing more to say
Well this would all be so much easier If I had nothing more to say If only if only I had nothing more to say Oh if only if only I had nothing more to say

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Moving



Cuando miras a los ojos y dejas entrar al otro en ti y tú entras en el otro y te haces uno. Esa relación de amor es para siempre, ahí no hay hastío. Debemos entender que somos seres sagrados, que la Tierra es nuestra Madre y el Sol nuestro Padre. Hasta hace bien poquito los huicholes no aceptaban escrituras de propiedad de la tierra. ‘¿Cómo voy a ser propietario de la Madre Tierra?’, decían.
-¡La felicidad es tan sencilla!, consiste en respetar lo que somos, y somos tierra, cosmos y gran espíritu. Y cuando hablamos de la madre tierra, también hablamos de la mujer que debe ocupar su lugar de educadora.” 
Abuela Margarita, curandeira e guardiã da tradição maia





P.S.: Grato amigos Silvana Correia e António Pimpão :)