quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Acompanho o trilho

Pedro Cuiça © Oásis (Xiraz - Irão, 20/10/2017)


Ah! Maravilha! Um jardim no meio do fogo!
O meu coração tornou-se capaz de todas as formas:
É pastagem para a gazela e cenóbio para o eremita,
Templo para os ídolos e Caaba para o peregrino,
Tábuas da Tora e livro do Alcorão
Apenas sigo a religião do Amor
Da sua caravana acompanho o trilho
Pois só o Amor tenho por fé e religião.

Ibn Arabi 
adaptado de SINDE (2013: 22-23) e VICENTE (2010: 51)

Pedro Cuiça © Monte Chamran (Xiraz - Irão, 21/10/2017)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SINDE, Pedro. Sete Sábios Portugueses. Chaves: Tartaruga, 2013, pp. 232. ISBN 978-989-8057-39-6
VICENTE, António Balcão. O Templário d’El-Rei. Lisboa: Ésquilo, 2010, pp. 432. ISBN 978-989-8092-88-5

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Atalhando

Pedro Cuiça © Fojo (Arrábida, 6/10/2017)

«Por meio dos rochedos semeadas
Verei dependurar silvestres plantas
Verdes, em pedras duras sustentadas.
(...)
O que nos largos campos se passea,
Subindo nesta Serra, se caminha
Atalhando o que neles se rodea.»

Frei Agostinho da Cruz

Pedro Cuiça © Portinho (Arrábida, 12/11/2011)

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

D'a Razão de Ser

Pedro Cuiça © Urdax (Navarra, 2017)

Nos compêndios de geografia diz-se: «Este país é rico, porque tem petróleo, ou carvão, ou ferro.» Um dia depois do ciclo extractivo, se dirá: «Este país era rico, porque tinha petróleo, ou carvão, ou ferro.» A indústria não é uma riqueza; é a maneira de gastar a riqueza. Riqueza só é a economia criadora, que gera bens necessários. A indústria não é uma economia criadora, mas transformadora. Gasta o que há, transformando-o em supérfluos. O homem não passa sem o bem nascido da terra; mas pode viver sem os bens provenientes da indústria. Assim: precisa de proteínas, mas passa bem sem conservas. A regra particular aplica-se a tudo o mais. O homem precisa de se deslocar, mas passa muito bem sem automóvel. Quando dizemos homem sabemos o que dizemos, e nele não incluímos o ser urbano, que, esse, julga que precisa de carro a gasolina, sem saber a razão de ser homem.
(GOMES, 1985: 16-17)

Talvez seja esta uma das formas de expressar a diferença entre finança (de finar) e eco-nomia (de gerir a casa comum; que é, em última instância, o planeta Terra). Por (des)ventura será este um modo de diferenciar consumir (do latim consumere: destruir) de dominar (no sentido de boa governança: servir como Senhor), numa perspectiva passível de ser designada eco-lógica ou eco-sófica? Um recurso finito (como o petróleo) não é o mesmo do que um manancial renovável (como a água)…

Pedro Cuiça © Urdax (Navarra, 2017)


P.S.: Num contexto de seca, mais ou menos generalizada, no território de Portugal continental também se torna(rá) evidente que nem aquilo que é (supostamente) renovável é finito sem limites e menos ainda infinito.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
GOMES, Pinharanda. A Teologia de Leonardo Coimbra. Lisboa: Guimarães Editores, 1985, pp. 200.

Pedro Cuiça © Urdax (Navarra, 2017)

terça-feira, 14 de novembro de 2017

À Ordem

Pedro Cuiça © Palácio Nacional de Sintra (Sintra, 2017)

«O Universo e a nossa própria vida têm por base o ritmo. Se a árvore ou os nossos pulmões suspenderem o ritmo respiratório, advém a morte. No pólo oposto da euritmia (o «bom ritmo»), a característica dominante dos homens da nossa época é a arritmia, ou perda de ritmo. Daí a destruição da Natureza e das Cidades, por infeliz exemplo. Só um regresso a ritmos saudáveis nos pode salvar. Trata-se de descobrir o ritmo bom, belo e verdadeiro, capaz de arrancar os homens às pulsões doentias, como as obsessões do dinheiro, do sexo ou da comida. Em contrapartida, valha-nos a lição de Henri David-Thoreau, seguida por Raul Lino, que faz suceder à Ordem dos Cavaleiros a antiquíssima Ordem dos Caminhantes

Rodrigo Sobral Cunha (2014)


Pedro Cuiça © Urdax (Navarra, 2017)


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

E ainda...

E ainda sobre o Silêncio.

Na net? © Earling Kagge (2016)


«DE TODOS, a Antártida é o lugar mais silencioso onde estive. Caminhei completamente só até ao Polo Sul, e nessa imensa e monótona paisagem, à parte os sons que eu próprio fazia, não se ouvia mais nenhum ruído humano. Absolutamente só, naquela imensidão gelada, imerso no grande nada branco, podia ouvir e sentir o silêncio. (…)
Tudo parecia completamente liso e branco, quilómetro após quilómetro, durante todo o caminho em direção ao horizonte, à medida que me dirigia para o Sul através do continente mais frio do planeta. (…)
A certa altura, nesse isolamento total, comecei a dar-me conta de que afinal nada era completamente liso. O gelo e a neve dispunham-se formando pequenas e grandes figuras abstratas. A brancura uniforme transformava-se em inumeráveis matizes de branco. Uma tonalidade azul emergia da neve, um tudo-nada avermelhada, esverdeada e vagamente rosada. A paisagem parecia mudar à medida que eu avançava, mas eu estava enganado. O que me rodeava mantinha-se constante; quem mudava era eu. No vigésimo segundo dia, escrevi no meu diário: «Em casa só aprecio “grandes garfadas”. Aqui aprendi a valorizar as alegrias mínimas. Os tons subtis da neve. O vento que começa a amainar. Formações de nuvens. Silêncio.»

Quando era criança, o facto de o caracol ser capaz de transportar a sua casa, para onde quer que fosse, causava-me um enorme fascínio. Durante a minha expedição à Antártida, esse fascínio pelo caracol aumentou. Coloquei num trenó toda a comida e combustível necessários para toda a viagem e nunca abri a boca para falar. Não tinha contacto via rádio, nem vi um único ser vivo durante 50 dias. Não fiz mais do que esquiar em direção ao Sul, dia após dia. Mesmo quando me irritava por causa de uma amarra partida ou porque quase escorregava para dentro de uma fenda, não praguejava. Quando nos irritamos, ficamos na mó de baixo, e isso agrava ainda mais a irritação. Portanto, nunca digo palavrões durante as minhas expedições.
Quando estou em casa, há sempre um carro que passa, um telefone que toca, ou faz ping ou zumbe, alguém fala, sussurra ou grita. Há tantos ruídos que mal os ouvimos todos. Aqui era diferente. A natureza falava comigo através do silêncio. Quanto mais silencioso eu ficava, mais ouvia
[KAGGE, 2017: 21-23]

Na net? © Earling Kagge (2016)


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
KEGGE, Erling. Silêncio na Era do Ruído. Lisboa: Quetzal, 2017, pp. 160. ISBN 978-989-722-385-3


sábado, 4 de novembro de 2017

Na altiva mente

DR ©

«Ponho na altiva mente o fixo esforço
Da altura, e à sorte deixo,
E às suas leis, o verso;
Que, quando é alto e régio o pensamento,
Súbdita a frase busca
E o scravo ritmo o serve.»

Fernando Pessoa