domingo, 24 de novembro de 2013

Fora de Portas (II)

Campismo
As proibições andam aí

As origens do campismo remontam ao início do século. Os pioneiros praticavam essa actividade numa postura de descoberta e impregnados numa mística a que o romantismo não estará alheio. O que diriam aqueles que palmilhavam os campos livremente, de mochila às costas, face às actuais proibições de acampar?

Nos tempos heroicos não se poderia prever que o campismo iria sofrer um incremento exponencial praticando-se em diversos moldes e transformando-se, nomeadamente, numa actividade social acessível a toda a família – desde a criancinha ao avozinho. Ainda não se tinha montando uma indústria e um mercado especificamente dedicados a essa forma de recreio que atrai multidões. O “campismo livre” passou a designar-se por “campismo selvagem” e os praticantes ficaram, de certo modo, condicionados aos parques de campismo. Há poucos anos atrás podia-se circular e acampar livremente sem grandes preocupações, mesmo em propriedades privadas, mas hoje não se passa o mesmo. A natureza encontra-se sob a tutela do Estado e este, despertando para a problemática ambiental, vê-se forçado a legislar e a regulamentar.
Em Espanha, todas as comunidades autonómicas proibiram o campismo fora dos parques alegando diversas razões, entre as quais se destacam evitar o perigo de incêndio e a poluição por dejectos e detritos.
A Comunidade Autonómica de Madrid foi a última a aderir à vaga proibicionista abolindo o “campismo livre” no seu território. A Federação Madrilena de Montanhismo (FMM) interpelou diversas vezes a Comunidad de Madrid acerca das proibições de acampar, solicitando esclarecimentos: instalar uma tenda é acampar? Instalá-la só para dormir é acampar? O director do Meio Natural da Comunidade Autonómica de Madrid remeteu a definição do termo “acampar” para o dicionário da Real Academia da Língua Espanhola. No entanto, a lei não se pretende omissa, sendo obrigação do legislador definir, clarificar e informar. Será que se estabelece a diferença entre “campismo fixo”, “campismo volante ou de passagem” (pernoita com tenda) e bivaque (pernoita sem tenda)? Não, para o Estado e a Administração é tudo o mesmo. Mas, na realidade, será idêntico montar uma tenda ao lado do automóvel durante 15 dias ou, pelo contrário, acampar ao cair da noite para desmontar a tenda de manhã e partir de mochila às costas? O acampamento fixo, sobretudo se não existir fossa sética, será sem dúvida fortemente contestável.
A rectificação das medidas que indiscriminadamente proíbem o campismo ocorreu no caso da Comunidade de Navarra. Segundo esta, o direito reconhecido pela Constituição de disfrutar de um meio adequado para o desenvolvimento da personalidade, assim como o princípio regulador da política social inserido no artigo 403 do texto constitucional que postula a adequada utilização do ócio, não se coadunam com a interdição regulamentar sobre a prática do campismo livre em Navarra. Por outro ado, o Plano de Uso e Gestão do Parque Nacional de Ordesa rectifica e reconhece a possibilidade de acampar livremente entre os 1800 e os 2500 metros de altitude em determinadas áreas desse espaço natural. A polémica promete continuar.

(Pedro Cuiça – FORA DE PORTAS – jornal Forum Ambiente . nº 118 . 28/Fev. 1997)


Fotos: Sierra de Gredos © PC (1997)

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