segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Pedestrianismo (in)sustentável

Conservação da natureza e Desportos de Montanha

“ Brilhando como entre erva alpina,
Gencianas azuis desabrochadas e que ninguém possui.”
Aldous Huxley

Os locais de difícil acesso eram tradicionalmente pouco frequentados pelo Homem. No entanto, o significativo incremento da prática de actividades de ar livre, que se verificou nas últimas décadas, começa a reflectir-se pontualmente na qualidade desses sítios, de grande riqueza natural, e sobretudo na publicação de diversa legislação com vista ao enquadramento das mesmas. Legislação que se tem pautado, infortunadamente, por um acentuado cariz proibitivo e restritivo das actividades de ar livre e que, por isso, tem sido alvo de frequentes críticas, designadamente no que se refere à taxação do desporto e usufruto da natureza. É certamente mais fácil proibir do que gerir! No entanto, em matéria de conservação da natureza, esperar-se-ia uma gestão adequada e coerente em vez de uma “simplória” cópia de tendências estrangeiras transpostas atabalhoadamente e de forma descontextualizada para a realidade nacional. Bastará, aliás, uma rápida leitura da legislação em vigor para constatar a impreparação do legislador e a falta de rigor da “letra da lei”. O propalado mito das marcas internacionais de balizagem de percursos pedestres que se encontra plasmado na legislação nacional é disso um excelente exemplo. Saliente-se, para quem não sabe, que a sinalética usada na marcação de percursos pedestres varia de país para país e, numa série deles (Portugal, Espanha, Andorra, França, etc.), constitui propriedade registada por parte das federações dos respectivos países.
Mais, seria de todo conveniente que os praticantes de actividades de ar livre compreendessem, porque lhes foi devidamente explicado e justificado, o porquê da tomada de determinadas medidas ditas “conservacionistas”. Com efeito, a protecção devida à inacessibilidade do terreno já não funciona face ao grande incremento dos desportos de aventura, especialmente quando a construção de (novas) vias de comunicação, por si só, facilitam o acesso. No entanto, é difícil, senão impossível, compreender certas opções de gestão implementadas nas áreas protegidas tendo em conta assinaláveis contra-sensos em matéria de conservação! Veja-se o exemplo da EN339 que sulca o planalto central da Serra da Estrela ou os “centros comerciais” da Torre, infra-estruturas que permitem o acesso facilitado e atraem massivamente turistas, com inquestionáveis e diversos impactes ambientais e sociais, de que destacamos a proliferação de sacos de plástico usados na prática de “sku” ou o desvio do comércio das aldeias serranas para o topo da serra! Quantas pessoas é que escalavam vias clássicas no Cântaro Magro por ano, antes da proibição de escalar nessa montanha e apesar de se poder estacionar o carro “à porta” de uma série de vias? Chegaria a duas dezenas de almas? E quantas pessoas iriam andar a pé para o planalto central se tivessem de deixar o carro em Manteigas ou nas Penhas da Saúde? Largos milhares? Duvidamos muito, tendo em conta que, nem antes, nem agora, com uma estrada em pleno planalto se atingem números similares. No tocante a estas questões (ou similares) não será, no entanto, aconselhável apostar em “artes divinatórias” mas, sim, efectuar estudos credíveis que, através de estratégias adequadas de monitorização, consigam dar respostas fundamentadas e, por isso, cabais em vez das costumadas especulações a que nos temos habituado!

Impactes de ar livre
Hoje em dia, “não deixar mais que pegadas e não tirar mais que fotografias” é insuficiente face aos problemas de massificação das actividades outdoor. Exigem-se medidas concretas, fundamentadas e eficientes que resolvam o paradoxo de como proteger e simultaneamente promover actividades de ar livre. Torna-se evidente que essas actividades terão de passar por uma ponderação, na perspectiva do que se entende por desenvolvimento sustentável, em que o diálogo entre os diversos intervenientes contribua para uma gestão coerente e equilibrada do património natural.
Actualmente chega-se à conclusão de que cada um de nós desempenha um papel, mais ou menos importante, nas alterações que se processam constantemente no meio: apesar das contribuições individuais serem pequenas ou mesmo insignificantes a sua soma poderá atingir grandes proporções. A massificação dos “terrenos de aventura” pode originar diversos impactes ambientais: pisoteio, incremento da erosão, ruído, destruição de vegetação, perturbação da fauna, detritos, risco de incêndio, etc.. Por outro lado, a multiplicidade de actividades de ar livre é estonteante: desportos motorizados, caça e pesca, hidrospeed, canyonig, canoagem, parapente, asa-delta, bicicleta de montanha, marcha e/ou corrida de orientação, espeleologia, escalada, montanhismo, pedestrianismo, percursos equestres, esqui, etc.. Haverá um largo consenso em torno do que aqui foi exposto, no tocante aos (eventuais) impactes ambientais da prática de actividades de ar livre, tal como haverá no que concerne há necessidade de diferenciar as diversas actividades, caracterizar os respectivos impactes, monitorizar, quantificar, etc.. E, nesse pressuposto, efectuar uma gestão particularizada, diferenciadora e ajustada às especificidades em jogo.

Pedestrianismo (in)sustentável
O pedestrianismo, nas suas diversas facetas, provoca inegáveis impactes sobre o meio onde se pratica. E alguns são particularmente pertinentes, sobretudo quando se assiste à massificação de determinados itinerários ou locais: perturbação da fauna, incremento da erosão, etc.. Mas, se é certo que existem diversos impactes negativos, a prática de pedestrianismo também comporta variados e notórios aspectos positivos, nomeadamente no que concerne à revitalização das economias deprimidas das povoações/populações de montanha e à preservação do património viário e seu entorno. O dinamismo económico que o pedestrianismo implementou em determinadas regiões é verdadeiramente notável, mas também não será razoável ignorar as consequências negativas apensas à sua prática. Mas, mais uma vez, não será displicente destacar os contributos positivos dessa prática, mormente em áreas protegidas. Os percursos pedestres balizados e devidamente implementados constituem um instrumento privilegiado de gestão ambiental e territorial, promovendo a afluência do público em geral para determinados itinerários aconselhados e afastando, sem nunca o mencionar e muito menos proibindo, as pessoas de locais/trajectos “ecologicamente frágeis”.
Respeitar o meio ambiente será uma garantia não só da qualidade do mesmo, como do futuro do pedestrianismo. No entanto, de uns anos a esta parte, constata-se a implementação de inúmeros condicionalismos e proibições da prática dessas actividades, sobretudo nas áreas protegidas. É importante que os pedestrianistas possuam uma conduta irrepreensível no que concerne à conservação da natureza, mas também é certo que os decisores devem ter em conta as especificidades de cada modalidade e, sobretudo, diferenciá-las. Só assim se poderá tentar qualificar e quantificar cada uma das actividades de montanha e seus impactes para, depois, decidir sobre as medidas a implementar. Estas actividades carecem de uma gestão adequada e não de proibições avulsas! É certo que será mais fácil proibir do que gerir adequadamente mas esse caminho é manifestamente desadequado e põe em causa direitos fundamentais dos praticantes… Seria interessante diferenciar as tipologias das actividades, referenciar os locais onde se praticam, quantificar o número de praticantes e monitorizar os seus impactes. E, só depois, decidir em conformidade.

(Pedro Cuiça: adaptado de Guia de Montanha – Manual Técnico de Montanhismo; FCMP, 2010)


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