Conservação da natureza e Desportos de Montanha
“ Brilhando como entre erva alpina,
Gencianas azuis desabrochadas e que ninguém possui.”
Aldous Huxley
Os locais de difícil
acesso eram tradicionalmente pouco frequentados pelo Homem. No entanto, o significativo
incremento da prática de actividades de ar livre, que se verificou nas últimas
décadas, começa a reflectir-se pontualmente na qualidade desses sítios, de
grande riqueza natural, e sobretudo na publicação de diversa legislação com
vista ao enquadramento das mesmas. Legislação que se tem pautado,
infortunadamente, por um acentuado cariz proibitivo e restritivo das
actividades de ar livre e que, por isso, tem sido alvo de frequentes críticas,
designadamente no que se refere à taxação do desporto e usufruto da natureza. É
certamente mais fácil proibir do que gerir! No entanto, em matéria de
conservação da natureza, esperar-se-ia uma gestão adequada e coerente em vez de
uma “simplória” cópia de tendências estrangeiras transpostas atabalhoadamente e
de forma descontextualizada para a realidade nacional. Bastará, aliás, uma rápida
leitura da legislação em vigor para constatar a impreparação do legislador e a falta
de rigor da “letra da lei”. O propalado mito das marcas internacionais de balizagem
de percursos pedestres que se encontra plasmado na legislação nacional é disso
um excelente exemplo. Saliente-se, para quem não sabe, que a sinalética usada
na marcação de percursos pedestres varia de país para país e, numa série deles
(Portugal, Espanha, Andorra, França, etc.),
constitui propriedade registada por parte das federações dos respectivos
países.
Mais, seria de todo
conveniente que os praticantes de actividades de ar livre compreendessem,
porque lhes foi devidamente explicado e justificado, o porquê da tomada de
determinadas medidas ditas “conservacionistas”. Com efeito, a protecção devida
à inacessibilidade do terreno já não funciona face ao grande incremento dos
desportos de aventura, especialmente quando a construção de (novas) vias de
comunicação, por si só, facilitam o
acesso. No entanto, é difícil, senão impossível, compreender certas opções de
gestão implementadas nas áreas protegidas tendo em conta assinaláveis contra-sensos
em matéria de conservação! Veja-se o exemplo da EN339 que sulca o planalto central
da Serra da Estrela ou os “centros comerciais” da Torre, infra-estruturas que permitem
o acesso facilitado e atraem massivamente turistas, com inquestionáveis e
diversos impactes ambientais e sociais, de que destacamos a proliferação de
sacos de plástico usados na prática de “sku” ou o desvio do comércio das
aldeias serranas para o topo da serra! Quantas pessoas é que escalavam vias
clássicas no Cântaro Magro por ano, antes da proibição de escalar nessa
montanha e apesar de se poder estacionar o carro “à porta” de uma série de
vias? Chegaria a duas dezenas de almas? E quantas pessoas iriam andar a pé para
o planalto central se tivessem de deixar o carro em Manteigas ou nas Penhas da
Saúde? Largos milhares? Duvidamos muito, tendo em conta que, nem antes, nem
agora, com uma estrada em pleno planalto se atingem números similares. No
tocante a estas questões (ou similares) não será, no entanto, aconselhável apostar
em “artes divinatórias” mas, sim, efectuar estudos credíveis que, através de
estratégias adequadas de monitorização, consigam dar respostas fundamentadas e,
por isso, cabais em vez das costumadas especulações a que nos temos habituado!
Impactes de ar livre
Hoje em dia, “não deixar mais que pegadas e não tirar mais
que fotografias” é insuficiente face aos problemas de massificação das
actividades outdoor. Exigem-se
medidas concretas, fundamentadas e eficientes que resolvam o paradoxo de como
proteger e simultaneamente promover actividades de ar livre. Torna-se evidente
que essas actividades terão de passar por uma ponderação, na perspectiva do que
se entende por desenvolvimento sustentável, em que o diálogo entre os diversos
intervenientes contribua para uma gestão coerente e equilibrada do património
natural.
Actualmente chega-se à
conclusão de que cada um de nós desempenha um papel, mais ou menos importante,
nas alterações que se processam constantemente no meio: apesar das
contribuições individuais serem pequenas ou mesmo insignificantes a sua soma
poderá atingir grandes proporções. A massificação dos “terrenos de aventura” pode
originar diversos impactes ambientais: pisoteio, incremento da erosão, ruído,
destruição de vegetação, perturbação da fauna, detritos, risco de incêndio, etc..
Por outro lado, a multiplicidade de actividades de ar livre é estonteante:
desportos motorizados, caça e pesca, hidrospeed,
canyonig, canoagem, parapente,
asa-delta, bicicleta de montanha, marcha e/ou corrida de orientação,
espeleologia, escalada, montanhismo, pedestrianismo, percursos equestres,
esqui, etc.. Haverá um largo consenso em torno do que aqui foi exposto, no
tocante aos (eventuais) impactes ambientais da prática de actividades de ar
livre, tal como haverá no que concerne há necessidade de diferenciar as
diversas actividades, caracterizar os respectivos impactes, monitorizar,
quantificar, etc.. E, nesse
pressuposto, efectuar uma gestão particularizada, diferenciadora e ajustada às
especificidades em jogo.
Pedestrianismo (in)sustentável
O pedestrianismo, nas
suas diversas facetas, provoca inegáveis impactes sobre o meio onde se pratica.
E alguns são particularmente pertinentes, sobretudo quando se assiste à
massificação de determinados itinerários ou locais: perturbação da fauna, incremento
da erosão, etc.. Mas, se é certo que
existem diversos impactes negativos, a prática de pedestrianismo também
comporta variados e notórios aspectos positivos, nomeadamente no que concerne à
revitalização das economias deprimidas das povoações/populações de montanha e à
preservação do património viário e seu entorno. O dinamismo económico que o pedestrianismo
implementou em determinadas regiões é verdadeiramente notável, mas também não
será razoável ignorar as consequências negativas apensas à sua prática. Mas,
mais uma vez, não será displicente destacar os contributos positivos dessa
prática, mormente em áreas protegidas. Os percursos pedestres balizados e
devidamente implementados constituem um instrumento privilegiado de gestão
ambiental e territorial, promovendo a afluência do público em geral para
determinados itinerários aconselhados e afastando, sem nunca o mencionar e
muito menos proibindo, as pessoas de locais/trajectos “ecologicamente frágeis”.
Respeitar o meio
ambiente será uma garantia não só da qualidade do mesmo, como do futuro do
pedestrianismo. No entanto, de uns anos a esta parte, constata-se a
implementação de inúmeros condicionalismos e proibições da prática dessas
actividades, sobretudo nas áreas protegidas. É importante que os
pedestrianistas possuam uma conduta irrepreensível no que concerne à
conservação da natureza, mas também é certo que os decisores devem ter em conta
as especificidades de cada modalidade e, sobretudo, diferenciá-las. Só assim se
poderá tentar qualificar e quantificar cada uma das actividades de montanha e
seus impactes para, depois, decidir sobre as medidas a implementar. Estas
actividades carecem de uma gestão adequada e não de proibições avulsas! É certo
que será mais fácil proibir do que gerir adequadamente mas esse caminho é
manifestamente desadequado e põe em causa direitos fundamentais dos
praticantes… Seria interessante diferenciar as tipologias das actividades, referenciar
os locais onde se praticam, quantificar o número de praticantes e monitorizar
os seus impactes. E, só depois, decidir em conformidade.
(Pedro Cuiça: adaptado
de Guia de Montanha – Manual Técnico de Montanhismo; FCMP, 2010)
© DR
Sem comentários:
Enviar um comentário