Pedro Cuiça © Saldanha (Lisboa, 20/ Jul. 2016) |
A minha paciente Sophie,
uma estudante universitária da Coreia do Sul, veio ter comigo à procura de
ajuda para a depressão e ansiedade. Entre muitos temas que abordámos, disse-me
que passava grande parte do seu dia ligada a um dispositivo eletrónico
qualquer: no Instagram, You Tube, a ouvir podcasts ou
listas de reprodução de músicas.
Na consulta que tive com
ela, sugeri que experimentasse fazer o caminho a pé até às aulas sem ouvir
nada, permitindo que os seus pensamentos viessem à superfície.
Fitou-me incrédula e
receosa.
- Por que é que havia de
fazer isso? – perguntou, boquiaberta.
- Bem – arrisquei dizer
–, é uma forma de se familiarizar consigo mesma, de permitir que a sua vivência
decorra sem que tente controlar ou fugir dela. Toda essa distração com
dispositivos eletrónicos pode estar a contribuir para a sua depressão e
ansiedade. É muito desgastante estar sempre a evitar estar consigo mesma.
Pergunto-me se experienciar-se a si mesma de um modo diferente poderá dar
acesso a novos pensamentos e
sentimentos, bem como ajudá-la a sentir-se mais ligada a si mesma, aos outros e
ao mundo.
A Sophie pensou nisso
durante um instante.
- Mas é tão aborrecido –
declarou.
- Sim, é verdade –
retorqui. – O tédio não é só aborrecido, pode ser assustador. Força-nos a
enfrentar questões mais importantes relativas ao significado e propósito da vida.
Mas o tédio também é uma oportunidade para a descoberta e a invenção. Cria o
espaço necessário para que se forme um novo pensamento, sem o qual estamos
constantemente a reagir a estímulos à nossa volta, em vez de nos permitirmos
fazer parte da nossa experiência de vida.
Na semana seguinte, a
Sophie experimentou caminhar até às aulas sem estar ligada a nada.
- De início foi difícil –
comentou. – Mas depois habituei-me e em
certa medida até gostei. Comecei a reparar nas árvores.
(pp. 53-54)
LIVRO
LEMBKE, Anna. 2022. Dopaminados.
Lisboa: Penguin Random House Grupo Editorial Portugal
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