sexta-feira, 24 de março de 2023

Re-ligação...

 


Pedro Cuiça © Saldanha (Lisboa, 20/ Jul. 2016)


A minha paciente Sophie, uma estudante universitária da Coreia do Sul, veio ter comigo à procura de ajuda para a depressão e ansiedade. Entre muitos temas que abordámos, disse-me que passava grande parte do seu dia ligada a um dispositivo eletrónico qualquer: no Instagram, You Tube, a ouvir podcasts ou listas de reprodução de músicas.

Na consulta que tive com ela, sugeri que experimentasse fazer o caminho a pé até às aulas sem ouvir nada, permitindo que os seus pensamentos viessem à superfície.

Fitou-me incrédula e receosa.

- Por que é que havia de fazer isso? – perguntou, boquiaberta.

- Bem – arrisquei dizer –, é uma forma de se familiarizar consigo mesma, de permitir que a sua vivência decorra sem que tente controlar ou fugir dela. Toda essa distração com dispositivos eletrónicos pode estar a contribuir para a sua depressão e ansiedade. É muito desgastante estar sempre a evitar estar consigo mesma. Pergunto-me se experienciar-se a si mesma de um modo diferente poderá dar acesso a novos pensamentos  e sentimentos, bem como ajudá-la a sentir-se mais ligada a si mesma, aos outros e ao mundo.

A Sophie pensou nisso durante um instante.

- Mas é tão aborrecido – declarou.

- Sim, é verdade – retorqui. – O tédio não é só aborrecido, pode ser assustador. Força-nos a enfrentar questões mais importantes relativas ao significado e propósito da vida. Mas o tédio também é uma oportunidade para a descoberta e a invenção. Cria o espaço necessário para que se forme um novo pensamento, sem o qual estamos constantemente a reagir a estímulos à nossa volta, em vez de nos permitirmos fazer parte da nossa experiência de vida.

Na semana seguinte, a Sophie experimentou caminhar até às aulas sem estar ligada a nada.

- De início foi difícil – comentou.  – Mas depois habituei-me e em certa medida até gostei. Comecei a reparar nas árvores.

(pp. 53-54)

 




LIVRO

LEMBKE, Anna. 2022. Dopaminados. Lisboa: Penguin Random House Grupo Editorial Portugal



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