Olhar com olhos de sentir
«Só o principiante (…) pode deixar de sentir a presença ou
ausência dos lobos, ou de reconhecer que as montanhas têm uma secreta
opinião acerca deles.»
Aldo LEOPOLD in Pensar Como Uma Montanha (2008: 128)
[edição original A Sand
County Almanac (Oxford University Press, 1949
Apetecia-me perguntar
qual a vossa percepção desta imagem e ouvir as vossas respostas. Ouvir com
ouvidos de escutar, mas tal não é praticável e, talvez, nem seja apropriado. Seria
possível ler eventuais comentários, mas não seria a mesma coisa. Sobretudo, seria
essencial (mesmo primordial) ver-vos com olhos de sentir.
Na base do paradigma do “lobo
mau”, Aldo Leopold nunca tinha ouvido dizer que se pudesse desperdiçar a
oportunidade de matar um lobo. A sua convicção neste domínio mudou radicalmente
no dia em que viu morrer um lobo. Nas suas palavras, quando o grupo de
caçadores em que se integrava chegou «junto da velha loba» ainda o fez «a tempo
de observar um altivo fogo verde a morrer nos olhos dela». Compreendeu nesse instante,
e nunca mais deixou de o saber, que havia algo de novo, para si, naqueles
olhos: algo que apenas ela e a montanha sabiam.
Aldo ainda jovem e “inconsciente”
era pronto no gatilho, mas, desde aquele momento epifânico com a loba, mudou
profundamente. Compreendeu que assim como uma manada de veados vive no temor
mortal das alcateias de lobos, também a montanha vive no temor dos veados. Leopold
viveu o suficiente para assistir, em certas áreas, ao desaparecimento dos
lobos, seguido da extinção dos veados e das consequências nefastas advenientes.
É por isso que temos áreas desertas devido à erosão e que os rios arrastam o
futuro sustentável para o mar.
O vídeo How WolvesChange Rivers, narrado por George Monbiot, o autor de Feral (Pinguin
Books, 2014)], começa com a frase: «Uma das
descobertas científicas mais animadoras do último meio do século [XX] foi a
descoberta das cascatas tróficas [top-down trophic cascades]
(…) Uma cascata trófica é um processo ecológico que começa no topo da cadeia
alimentar e desce todo o caminho até a base.»
Os lobos foram
reintroduzidos no Parque Nacional de Yellowstone, em 1995, e o seu impacte benéfico
nos ecossistemas tornou-se evidente, desde a renovação da vegetação, ao
regresso de espécies e aumento do número de animais, a par da estabilização do
curso dos rios e da diminuição da erosão. O fenómeno lembra-nos o velho provérbio russo: «onde o lobo vive, a floresta cresce» (WOHLLEBEN, 2019: 85). Tal como a máxima de
Thoreau: na natureza selvagem reside a salvação do mundo. É talvez esse o
significado escondido no uivo do lobo, há muito conhecido das montanhas, mas
raramente vislumbrado pelos homens.
Os lobos andam em linha
recta*, os rastos deixados pelas suas pegadas assim o evidenciam. Resta-nos a nós, humanos, rectificar o nosso andar.
NOTA
*«In contrast to the zigzag tracking pattern left by dogs, wolves produce very straight tracks with their paw prints falling into a single line, one behind the other» (WOHLLEBEN, 2019: 15).
REFERÊNCIAS
How
Wolves Change Rivers (2014)
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ysa5OBhXz-Q
LEOPOLD, Aldo
(2008). Pensar Como Uma Montanha. Águas Santas: Edições
Sempre-Em-Pé, pp. 220. ISBN 978-972-8870-10-2
MONBIOT, George (2014). Feral
– Rewilding The Land, Sea and Human Life. Great Britain: Pinguin Books,
pp. 324. ISBN 978-0-141-97558-0
WOHLLEBEN, Peter (2019). Walks
in the Wild – A Guide Through The Forest. London: Rider, pp. 262. ISBN
9781846045578
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