terça-feira, 7 de março de 2023

Mais do que um olhar

 Olhar com olhos de sentir

 

«Só o principiante (…) pode deixar de sentir a presença ou ausência dos lobos, ou de reconhecer que as montanhas têm uma secreta opinião acerca deles.»

Aldo LEOPOLD in Pensar Como Uma Montanha (2008: 128)

[edição original A Sand County Almanac (Oxford University Press, 1949]

 

© Armand Camel – Sutterstock


Apetecia-me perguntar qual a vossa percepção desta imagem e ouvir as vossas respostas. Ouvir com ouvidos de escutar, mas tal não é praticável e, talvez, nem seja apropriado. Seria possível ler eventuais comentários, mas não seria a mesma coisa. Sobretudo, seria essencial (mesmo primordial) ver-vos com olhos de sentir.

 

Na base do paradigma do “lobo mau”, Aldo Leopold nunca tinha ouvido dizer que se pudesse desperdiçar a oportunidade de matar um lobo. A sua convicção neste domínio mudou radicalmente no dia em que viu morrer um lobo. Nas suas palavras, quando o grupo de caçadores em que se integrava chegou «junto da velha loba» ainda o fez «a tempo de observar um altivo fogo verde a morrer nos olhos dela». Compreendeu nesse instante, e nunca mais deixou de o saber, que havia algo de novo, para si, naqueles olhos: algo que apenas ela e a montanha sabiam.

Aldo ainda jovem e “inconsciente” era pronto no gatilho, mas, desde aquele momento epifânico com a loba, mudou profundamente. Compreendeu que assim como uma manada de veados vive no temor mortal das alcateias de lobos, também a montanha vive no temor dos veados. Leopold viveu o suficiente para assistir, em certas áreas, ao desaparecimento dos lobos, seguido da extinção dos veados e das consequências nefastas advenientes. É por isso que temos áreas desertas devido à erosão e que os rios arrastam o futuro sustentável para o mar.

O vídeo How WolvesChange Rivers, narrado por George Monbiot, o autor de Feral (Pinguin Books, 2014)], começa com a frase: «Uma das descobertas científicas mais animadoras do último meio do século [XX] foi a descoberta das cascatas tróficas [top-down trophic cascades] (…) Uma cascata trófica é um processo ecológico que começa no topo da cadeia alimentar e desce todo o caminho até a base.»

Os lobos foram reintroduzidos no Parque Nacional de Yellowstone, em 1995, e o seu impacte benéfico nos ecossistemas tornou-se evidente, desde a renovação da vegetação, ao regresso de espécies e aumento do número de animais, a par da estabilização do curso dos rios e da diminuição da erosão. O fenómeno lembra-nos o velho provérbio russo: «onde o lobo vive, a floresta cresce» (WOHLLEBEN, 2019: 85). Tal como a máxima de Thoreau: na natureza selvagem reside a salvação do mundo. É talvez esse o significado escondido no uivo do lobo, há muito conhecido das montanhas, mas raramente vislumbrado pelos homens.

 

Os lobos andam em linha recta*, os rastos deixados pelas suas pegadas assim o evidenciam. Resta-nos a nós, humanos, rectificar o nosso andar.

 

NOTA

*«In contrast to the zigzag tracking pattern left by dogs, wolves produce very straight tracks with their paw prints falling into a single line, one behind the other» (WOHLLEBEN, 2019: 15).


REFERÊNCIAS

How Wolves Change Rivers (2014) Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ysa5OBhXz-Q

LEOPOLD, Aldo (2008). Pensar Como Uma Montanha. Águas Santas: Edições Sempre-Em-Pé, pp. 220. ISBN 978-972-8870-10-2

MONBIOT, George (2014). Feral – Rewilding The Land, Sea and Human Life. Great Britain: Pinguin Books, pp. 324. ISBN 978-0-141-97558-0

WOHLLEBEN, Peter (2019). Walks in the Wild – A Guide Through The Forest. London: Rider, pp. 262. ISBN 9781846045578


Sem comentários:

Enviar um comentário