segunda-feira, 13 de março de 2023

Caminhos

 

Fernando Pessoa

O movimento cognitivo e a procura do poeta [Fernando Pessoa e seus heterónimos] mostra-se efectuada por outros caminhos de conhecimento e visando uma outra finalidade, não a científica e pragmática; numa posição à qual este pensamento nacional é habitualmente estranho; pois que ele procura um outro mundo para além do real sensível, ultrapassando este pensamento ao qual um historiador brasileiro, referindo-se aos escritores da época dos descobrimentos, chamou a «cautelosa e pedestre razão lusitana» (Sérgio Buarque da Holanda, Visão do Paraíso.)

(COSTA 2012, p. 21)

 

Estes múltiplos caminhos palmilhados por Pessoa pelos mundos do esoterismo, ajudam-nos a compreender melhor o ser multifacetado que Pessoa sempre foi: o verdadeiro caminho da serpente que este poeta-neófito seguiu foi não só o da quantidade e diversidade de personalidades e de ismos literários que criou, para em nenhum deles se fixar inteiramente, mas também o caminho labiríntico de símbolos, analogias e das diversas doutrinas interiores que o poeta trilhou espiritualmente. Tal como a serpente, também o poeta seguiu o caminho que passa por todos e não é nenhum. Também o poeta poderia fazer suas as palavras de António Machado e com ele dizer: caminhante não há caminho: o caminho faz-se caminhando!

(Paula Cristina Costa in ANES 2004, p. 16)

 

Na verdade o combate é aqui, mas não é nosso; não é connosco, somos nós. Não somos actores de um drama: somos o próprio drama – a antestreia, os gestos, os cenários. Nada se passa connosco: nós, é que somos o que se passa.

(Fernando Pessoa in GANDRA 2015, p. 204)

 

A senda que propomos é mais streita ainda que aquela que o Cristo propunha aos que desejavam segui-lo. Por uma ironia natural das cousas, nós ainda que em um outro sentido, podemos dizer aos homens da nossa época que aqueles que quiserem seguir-nos têm de deixar o mundo. Mas é o mundo moderno, errado como está, que devem abandonar; ele tem seduções, todas as seduções do caminho trilhado, que por trilhado é conhecido, por conhecido fácil, e por fácil agradável. Nós defendemos a civilização contra a civilização hodierna; Apolo contra o Cristo; 

(PESSOA 2013, p. 96)

 

(…) é exactamente pela técnica, mas pela técnica tomada como um jogo geral e não como um meio individual de ganhar dinheiro ou poder, que pode o homem abrir o seu caminho de regresso ao Paraíso: mas, para tornar a técnica como um jogo, é preciso que seja anteriormente criança: a conversão religiosa ao Menino Jesus deve preceder a revolução social. O contrário seria o materialismo, coisa de padres sem religião, como dizia Alberto Caeiro; o que também se poderia afirmar da religião que avassalou Portugal a partir do século XVI.

(AGOSTINHO DA SILVA1996, p. 89)

 

Agostinho da Silva

Gostaria que o Povo, mesmo no dia em que a abundância se assegurasse, continuasse voluntariamente pobre, para bem do espírito e do corpo, e para que cessasse, a seu exemplo, a pilhagem do mundo, o desrespeito pela natureza, a corrida para a inabitabilidade da Terra, a ambição do supérfluo e a publicidade correlativa, que é sem dúvida um dos maiores factores de corrupção individual e social.

(Agostinho da Silva in BORGES 1988, pp. 605-606)

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Agostinho da Silva, PROPOSIÇÃO, 34, (1974), in Paulo BORGES (org.), Agostinho da Silva – Dispersos. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, 1988.

ANES, Manuel. 2004. Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos. Lisboa: Ésquilo, 2ª ed..

COSTA, Dalila L. Pereira da. 2012. O Esoterismo de Fernando Pessoa. Baguim do Monte: Lello Editores, 5ª ed..

GANDRA, Manuel J.. 2015. Fernando Pessoa – Hermetismo e Iniciação. Sintra: Zéfiro.

PESSOA, Fernando. 2013. O Regresso dos Deuses e outros escritos de António Mora. Lisboa: Assírio & Alvim.

SILVA, Agostinho da. 1996. Um Fernando Pessoa. Lisboa: Guimarães Editores, 3ª ed..


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