«Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo
tempo.»
Álvaro de Campos (1916)
«O meu coração é um pouco maior que o universo
inteiro.»
Álvaro de Campos (1934)
«Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura…»
Alberto Caeiro (1946)
Bill Anders © Nascer da Terra (Apollo 8, Dezembro de 1968)
Hoje que se comemora o Dia Mundial do Ambiente será uma
ocasião auspiciosa para abordar “novas” perspectivas de (re)ligação à Terra1, na sequência não
só de diversas intervenções da nossa parte sobre o andar a pé – de que se
destaca a palestra Caminhada Holotrópica (2017)
– como também, e ademais, sobre formas holísticas de estar/ser (n)o mundo. É
sobre esta última abordagem que gostaríamos de nos focar tendo em conta, no
nosso entender, a sua pertinência. Foi, aliás, neste contexto que sentimos a
premência de apresentar um Pedisfesto Ecológico (2018), uma
espécie de manifesto às avessas, aparentemente paradoxal e antinómico, com o
objectivo de alertar para a necessidade de adoptar perspectivas diversas e
essencialmente inclusivas, com vista a (tentar) resolver a vigente situação de “desastre
ambiental”.
Ao contrário do que é usual, neste dia, não iremos falar
sobre o choque perante a destruição da biodiversidade (a 6ª extinção em massa),
a lixeira em que estamos a transformar o planeta Terra, o envenenamento da
Biosfera ou as tão propaladas alterações climáticas, entre outras calamidades. Interessa-nos
mais o maravilhamento face à imensidão do espaço-tempo e à pluralidade de
interrelações entre os seres bióticos e abióticos ou o bem-estar estético de
fazer parte de uma paisagem. E isto
porque consideramos que a origem e a resolução desses e de outros problemas,
ditos “ambientais” (!), está nos modos de pensar/agir e não em paliativos “mais
do mesmo”. A revolução terá inevitavelmente de passar pela transformação dos
padrões psicológicos e comportamentais vulgares, designadamente através de uma
crescente sensibilidade e sensibilização a nível da ecoliteracia, ecopsicologia
e eco-espiritualidade que se traduza numa ecologia activa (engaged ecology). E é nesse contexto de transição que toma uma
especial relevância a convivência de aparentes opostos e o respeito pela
diferença.
Terra e Lua © Algures na Net
A maior sofisticação
será ir às origens com saudades do futuro. Por um lado, religar-se ao primevo, ir ao
encontro da Natureza, que o mesmo é dizer da sua natureza enquanto ser humano –
porque nós somos Natureza – através, por exemplo, de processos de rewilding: caminhadas ao ar livre, banhos
de floresta, ordálios na natureza selvagem, etc..
Por outro, estar (pre)disposto a inovadoras formas de pensar/agir, mormente ser
cidadão do mundo, respeitar a diversidade na unidade e acabar com os “tribalismos”:
abolir o paradigma vulgar e grosseiro de “nós somos os bons e os outros são os
maus”2!
Nos tempos que vivemos aquilo de que precisamos não é tolerância mas sim
respeito: ir ao encontro do outro e tentar/experimentar tantas aproximações
quantas as que forem necessárias para compreender a(s) diferença(s), aprender
com o que é diferente e… mudar para melhor. É fundamental usufruir as múltiplas
cores do real, como um arco-íris pleno de possibilidades e de diversidade: a
realidade não é a preto e branco; nem sequer é verde! E, muitíssimo importante,
coisas simples, como andar a pé, têm a gigantesca capacidade de mudar o mundo.
«Não te esqueças de fazer o pino e,
olhando os pés, ver as estrelas.»
olhando os pés, ver as estrelas.»
As estrelas e as copas das árvores...
Pedro Cuiça © Lisbon Lunch Walk (5 de Junho de 2018)
NOTAS
1 · Nós somos Terra ou terráqueos, que é dizer o
mesmo. O étimo de humano em latim é humus
(terra) e será oportuno lembrar o parentesco entre a palavra hebraica adam (homem) e adamah (terra).
2 · Neste contexto, virá à colação um episódio que
ocorreu durante uma visita que efectuei, no dia 22 de Outubro de 2015, ao Museu
Nacional da Montanha, da Coreia do Sul, no âmbito na Assembleia-Geral da União
Internacional das Associações de Alpinismo (UIAA). Nesse dia, tive também a
grata oportunidade de assistir a uma interessantíssima palestra por parte do
antropólogo e alpinista sul-coreano Young Hoon Oh, na altura doutorando na
Universidade da Califónia, sob o título: History
and Philosophy of Korean Mountaineering: from an East Asian Perspective.
Essa encomiástica intervenção sobre as cosmologias coreanas – com base no
confucionismo, no budismo e na denominada “geoecologia coreana” –, responsáveis
designadamente por uma intimidade única com a paisagem montanhosa, contrastou
com o “cenário” de conquista atribuído aos alpinistas ocidentais! No final da
palestra interpelei Young Hoon e transmiti-lhe que essa sua perspectiva era
compreensível e assaz “correcta” como generalização mas que eu, enquanto ocidental,
me sentia algo “ofendido” tendo em conta que não me revia, de todo, nesse
perfil de conquistador, insensível e apartado da Natureza. Na verdade sentia-me
cidadão do mundo e a sensação com que fiquei foi mais de estupefacção do que
propriamente de ressentimento.
Saliente-se que, no contexto da Assembleia-Geral da UIAA de
2015, foi lançado o programa Respect the Mountains e aprovada a Climate Change Declaration (Declaração das Alterações Climáticas), proposta
conjuntamente pelo Club Alpino Italiano (CAI) e pela Nepal Mountaineering
Association (NMA). O texto final dessa declaração expressou a preocupação pelos
impactes ambientais negativos das alterações climáticas na Terra em geral e nas
áreas montanhosas e suas comunidades em particular. Destaque-se igualmente a
atribuição do UIAA Mountain Protection Award 2015 ao KTK-BELT (Koshi Tappu Kanchenjunga Biodiversity Education
Livelihood Terastudio) pelo seu importante trabalho contra a desflorestação.
Os tempos devem ser de cooperação a nível internacional, nacional, regional e local. A Terra é o condomínio global de uma Humanidade policromática e diversificada que tem de conviver e coexistir da melhor forma...
Os tempos devem ser de cooperação a nível internacional, nacional, regional e local. A Terra é o condomínio global de uma Humanidade policromática e diversificada que tem de conviver e coexistir da melhor forma...
DR © Museu Nacional da Montanha (Coreia do Sul - Out. 2015)
Sem comentários:
Enviar um comentário