Qualquer caminho leva a toda a parte.
Qualquer ponto é o centro do infinito.
E por isso, qualquer que seja a arte
De ir ou ficar, do nosso corpo ou espírito,
Tudo é estático e morto. Só ilusão
Tem passado e futuro, e nela erramos.
Não há estrada senão
na sensação
É só através de nós
que caminhamos.
Tenhamos pra nós mesmos a verdade
De aceitar a ilusão como real
Sem dar crédito à sua realidade.
E, eternos viajantes, sem ideal
Salvo nunca parar, dentro de nós,
Consigamos a viagem sempre nada
Outros eternamente, e sempre sós;
Nossa própria viagem é viajante e estrada.
Que importa que a verdade da nossa alma
Seja ainda mentira, e nada seja
A sensação, e essa certeza calma
De nada haver, em nós ou fora, seja
Inutilmente a nossa consciência?
Faça-se a absurda viagem sem razão.
Porque a única verdade é a consciência
E a consciência é ainda uma ilusão.
E se há nisto um segredo e uma verdade
Ou deuses ou destinos que a demonstrem
Do outro lado da realidade,
Ou nunca a mostrem, se nada há que mostrem.
O caminho é de âmbito
maior
Que a aparência visível do que está fora,
Excede de todos nós o exterior
Não para como as coisas, nem tem hora.
Ciência? Consciência? Pó que a estrada deixa
E é a própria estrada, sem estrada ser.
É absurda a oração, absurda a queixa.
Resignar(-se) é tão falso como ter.
Coexistir? Com quem. Se estamos sós?
Quem sabe? Sabe […] que são?
Quantos cabemos dentro de nós?
Ir é ser. Não parar é
ter razão.
Fernando Pessoa (11/10/1919)
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