Lamentemos aqueles que nunca puderam isolar-se e não sabem viajar senão em
grupo. São pessoas que afugentam na sua frente, para onde quer que se dirijam,
a soledade e o recolhimento.
Norbert Casteret
(Dez Anos Debaixo da Terra, 1945:
7)
«Somente se caminharmos sozinhos em silêncio, sem
bagagem, poderemos verdadeiramente penetrar no coração da natureza selvagem.
Qualquer outro tipo de viagens não passa de poeira e hotéis e bagagem e
tagarelice.»
[John Muir in DEVALL & SESSIONS, 2004: 139]
© na Net (?)
«O Lazer ao ar livre
tornou-se um problema conceptualmente identificado nos tempos de Roosevelt [1858-1919], quando as ferrovias que tinham expulsado o
campo da cidade começaram a transportar citadinos, en masse, para o campo. Começou a notar-se que
quanto maior o êxodo, mais pequena era a ração per capita de paz, solidão, vida
selvagem e beleza paisagística, e mais longíqua a migração capaz de as
alcançar.
O automóvel espalhou estes
inconvenientes, outrora moderados e localizados, até aos limites extremos das
boas estradas1 – tornando escasso
no interior do país algo outrora abundante em qualquer terreola. Mas esse algo
tem não obstante que ser encontrado. Como os iões emitidos do sol, os que
partem aos fins de semana irradiam de todas as cidades, gerando calor e fricção
à sua passagem. A indústria turística fornece cama e mesa para atrair mais
iões, mais depressa, mais longe. Cartazes publicitários fixados sobre as rochas
e leito dos rios comunicam a toda a gente a localização de novos refúgios,
paisagens, campos de caça e lagos de pesca, logo adiante daqueles que acabaram
de ser devastados. Departamentos da administração constroem estradas em novas
regiões afastadas, e depois compram mais terrenos afastados para absorver o
êxodo acelerado pelas estradas. A indústria de acessórios fornece almofadas
para proteger os clientes da natureza em bruto; a arte de viver na floresta
torna-se a arte de usar essa quinquilharia. E agora, para coroar a pirâmide de
banalidades, a caravana automóvel.
Para quem procura nos bosques e montanhas apenas aquilo que poderia também obter
viajando ou jogando golfe, a situação presente é tolerável. Mas para quem
procura algo mais, o recreio de ar livre tornou-se um processo autodestrutivo
de procurar sem nunca verdadeiramente encontrar, uma enorme frustração da
sociedade mecanizada2.»
[LEOPOLD, 2008: 159]
© na Net (?)
«(…) nós vivemos, como disse [Henry
David] Thoreau, numa «espécie de vida
limítrofe» entre o primeiro mundo da natureza e o segundo mundo da sociedade
tecnocrática-industrial. E, prossegue Thoreau, «nunca se ganha coisa alguma mas
perde-se sempre alguma coisa». À medida que alguns seres humanos aumentam
enormemente a sua capacidade de análise e de domínio sobre as paisagens, com
vastos projectos de construção, sistemas de mísseis, etc., eles parecem perder
alguma da sua capacidade de compreensão, de densidade de pensamento e de dança
meditativa perante a maravilha do cosmos.»
[DEVALL & SESSIONS, 2004: 139]
Multidão no Everest © na Net (?)
NOTAS
1. Tenhamos em conta que a primeira edição desta obra
icónica de Aldo Leopold (1887-1948) foi publicada, sob o título A Sand County Almanac, em 1949. Já nessa
altura era evidente que a protecção devida à inacessibilidade do terreno deixava
de funcionar face ao grande incremento das actividades de ar livre, especialmente
quando a construção de (novas) vias de comunicação, por si só, facilitava
o acesso (CUIÇA, 2012).
2. Imagine-se o que Thoreau pensaria da realidade actual dos
transportes motorizados, públicos e privados, mormente dos aviões a jacto –
essas lo(u)co-motivas voadoras dos tempos (pós)modernos, que facilitaram e
banalizaram o transporte de turistas até aos mais exóticos destinos, e da
hegemonia dos combustíveis fósseis (não só carvão mas também petróleo e outros "primores"!) que “democratizaram” e levaram a poluição
até aos mais remotos pontos da Terra.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
CASTERET, Norbert. Dez Anos Debaixo da Terra – Memórias de um
explorador de cavernas. Porto: Livraria Tavares Martins, 1945, pp. 256.
CUIÇA, Pedro. Montanhismo e Ambiente – A conservação da natureza em Montanha. Lisboa: Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, revista Campismo & Montanhismo, Série I, Jul.-Set. 2012, p. 24-25.
CUIÇA, Pedro. Montanhismo e Ambiente – A conservação da natureza em Montanha. Lisboa: Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, revista Campismo & Montanhismo, Série I, Jul.-Set. 2012, p. 24-25.
DEVALL, Bill & SESSIONS, George. Ecologia Profunda – Dar
prioridade à natureza na nossa vida. Águas Santas: Edições
Sempre-em-Pé, 2004, pp. 292. ISBN 972-8870-01-9
LEOPOLD, Aldo. Pensar Como Uma Montanha. Águas
Santas: Edições Sempre-em-Pé, 2008, pp. 220. ISBN 978-972-8870-10-2
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