segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Posicionamento e Navegação


Pedro Cuiça © Ermida de São Saturnino (Peninha - Sintra, 23/11/2019)

nortear, o norte ou o desnorte?...

«Poderíamos encontrar outras referências, tanto no Ocidente como nas tradições orientais, para tentar fazer compreender aquilo que é de facto uma diferença de orientação. O Ser não está necessariamente orientado para um Pólo único, o que explica as diferentes Vias Reais, que não conduzem, pois, ao mesmo Lugar-estado…

O nosso trabalho, nas sociedades tradicionais, é levar os possíveis candidatos à Aventura a percepcionar o mundo em vez de o pensar. É este “parar o mundo”, fruto da desidentificação bem sucedida do mental, que permite, por exemplo, “contrair o tempo”, competência indispensável para abordar a demanda.» [BOYER, 2011: 22]


Referência bibliográfica
BOYER, Rémi. O Quadrante do Despertar – Livro Lunar. Sintra: Zéfiro, 2011, pp. 68. ISBN 978-989-677-075-4

A Via da Montanha


Il consiglio è non spaventarsi delle oltre seicento pagine del libro, poiché uno dei pregi di questo lavoro di Francesco Tomatis, filosofo, nonché alpinista e garante scientifico di Mountain Wilderness, è la possibilità di gustarlo un po’per volta. Del resto sarebbe impossible fare altrimenti, tanti sono gli spunti e le suggestioni – dall’economia e politica all’ecologia, dall’architettura all’arte, alla cultura in senso lato. A introdurci in questo poliédrico mondo sono tanti personaggi – scrittori e poeti, politici, pensatori, studiosi, registi, pittori, musicisti, alpinisti… tutti accomunati da un orizzonte “di montagna” vissuto come esperienza direta. Quel che si compone lungo le pagine è un grande afresco che, di là dalla visione d’insieme, propone una molteplicità di singoli dettagli su cui meditare. Uno, a titolo d’esempio: la civiltà occitana, presentata qui attraverso gli studi di Simone Weil – colei che l’ha indicata come «l’única, in Europa, che abbia incarnato pari alla greca antica la vera libertà spirituale» – e gli scritti del giornalista Carlo Grande e, ancora, l’opera profondamente intrisa di natura del poeta Fréderic Mistral. Cosa si insegna dunque la montagna? Tomatis sembra suggerire che il segreto st anel cogliere i suoi elementi essenziali; e ci sprona ad ascoltarsi e indagarli non solo com gli strumenti del pensiero, ma attraverso concreti modelli di vita.
Anna Girardi,
in Montagne360, nº 86, p. 72

Livro: La Via della Montagna
Autor: Francesco TOMATIS
Editora: Bompiani (Abril de 2019)
ISBN: 9788830100107
Número de páginas: 688
Preço: 20€



Referência bibliográfica
Montagne360 – la revista del Club alpino italiano. Milão: Nov. 2019, nº 86, pp. 80.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Ética e Desporto


Tiago Lagarto © Gredos (Fev. 2004)

Na próxima quinta-feira (28 de Novembro) estarei na Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã, para participar numa acção de formação sobre a temática Ética e Desporto – As desigualdades Desportivas, juntamente com José Sampaio e Nora, Mário Carvalho, Dulce Esteves e Catarina Carvalho. A iniciativa, organizada pela Federação de Desportos de Inverno de Portugal, decorrerá, das 11.00 às 13.00, no Departamento de Ciências do Desporto da UBI, sob a égide do Plano Nacional de Ética no Desporto. Esta trata-se de uma acção de formação contínua, validada pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), no âmbito da componente geral, correspondendo a 0.4 Unidades de Crédito para a revalidação de Títulos Profissionais de Treinador de Desporto (TPTD).
Como é hábito, irei falar sobre Ética e Deontologia em Desportos de Montanha, tal como noutras iniciativas similares nas quais fui interveniente, designadamente na Escola Superior de Desporto de Rio Maior, na Escola Superior de Desporto e Lazer (de Melgaço), na Escola Superior de Turismo e Hotelaria (de Seia) e no Centro de Formação da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal (em Lisboa e no Porto). A acção de formação da próxima quinta-feira, na Universidade da Beira Interior, é de entrada livre e gratuita. Aqui fica o convite para estarem presentes e a mensagem de que serão muitíssimo bem-vindos.



Atalhando

Pedro Cuiça © Fojo (Arrábida, 13/09/2019)

«Por meio dos rochedos semeadas
Verei dependurar silvestres plantas
Verdes, em pedras duras sustentadas.
(...)
O que nos largos campos se passea,
Subindo nesta Serra, se caminha
Atalhando o que neles se rodea.»

Frei Agostinho da Cruz (1540-1619)

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Da/Na Senda


«Ó IRMÃOS DA SENDA!
Por que tendes deixado de mencionar o Bem-Amado e permanecido longe de Sua Santa Presença? A essência da beleza está dentro do pavilhão inigualável, estabelecida no trono da glória, enquanto vos ocupais em contendas vãs. Os doces aromas da santidade emanam e o sopro da bondade se move, mas vós todos estais penosamente aflitos e privados disto. Ai de vós e dos que trilham essas veredas e seguem em vossas pegadas!»
«Que seja visto agora o que vossos esforços no caminho do desprendimento revelarão.»
Bahá’u’lláh

«Só depois de todas as revoluções – e as haverá, pois a inteligência é impotente perante os hábitos, sobretudo os maus, dos poderosos – virá a revolução que vale e em que será guia o voluntário Pobre de Assis, santo só então para os homens de todas as religiões e para os que tenham a de as não terem: a revolução do despojamento, da disponibilidade e do ascender à poesia: pois somente como poeta, isto é, criador, na arte, na ciência, na técnica, na acção e na contemplação, será o homem verdadeiramente à imagem e semelhança do Divino: centelha em nós do pensamento eterno.»
«A única revolução é a de despojar-se cada um das propriedades que o limitam e acabarão por o destruir, propriedade de coisas, propriedade de gente, propriedade de si próprio.»
Agostinho da Silva


Há cerca de 800 anos, no mês de Setembro de 1219, em plena Cruzada, Francisco de Assis promove um "encontro de paz" com o Sultão do Egipto Malik al Khamil (pintura de Mariel Manoel, F.M.M.)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bahá’u’lláh. As Palavras Ocultas de Bahá’u’lláh. Rio de Janeiro: Assembleia Epiritual Nacional dos Bahá’is do Brasil, 3ª ed., 1985, pp. 138.
SILVA, Agostinho da. Virá a Revolução! (1981) in Textos e Ensaios Filosóficos II. Lisboa: Âncora Editora, 1999, pp. 388. ISBN 978-972-780-020-3

Sobre a(s) Via(s)


Breve ensaio sobre a(s) Via(s)


«Não sou do ortodoxo nem do heterodoxo; cada um deles só exprime metade da vida; sou do paradoxo que a contém no total.»
Agostinho da Silva (BRANCO, 2006: 26)

«Considerando-me paradoxal, dirigem-me o melhor elogio que eu poderei ter.»
Agostinho da Silva (BRANCO, 2006: 76)

«O mundo tem tantas possibilidades que até o impossível é possível»
Agostinho da Silva (BRANCO, 2006: 44)


No dia 13 de Fevereiro do presente ano [2018] passaram 112 anos sobre o nascimento de Agostinho da Silva e, nessa data especial, não só tive a propensão para reflectir sobre o percurso desse ser invulgar como o ensejo de escrever sobre três características a ele associadas – a Liberdade, a Força e a Sabedoria/Beleza – enquanto virtudes essenciais, entre outras, no palmilhar daquilo que se entenderá por a(s) via(s). Desiderato que conduziu rápida e, quase diria, inexoravelmente à extrapolação daquilo que se poderá considerar a orientação a seguir, na enteléquia do movimento, não só por “homens de génio” mas igualmente por qualquer “comum dos mortais”.
Esse Estranhíssimo Colosso1 que foi Agostinho, na sua multifacetada complexidade, surge, antes de mais, como um Homem simples e humilde, profundamente entusiasmado, culto e convicto… Um poeta à solta, exímio conhecedor da Idade Antiga, apaixonado pela Idade Média e arauto da Idade Futura do Espírito Santo. Um pensador que não desdenharia o epiteto de “libertário”, porque libertador e cultor do exercício do «pensamento libérrimo» (BRANCO, 2006: 69), mas que não seria certamente circunscrito pelo mesmo. Difícil, se não impossível de “rotular”1, foi indubitavelmente um paladino da Liberdade, mormente no sentido de «todo o homem (…) ser aquilo que ele tem de ser: um criador sem nenhuma espécie de inibição» (Agostinho da Silva in MENDANHA, 1998: 56). E é precisamente essa sua faceta de paladino da Liberdade – qual cavaleiro andante – que tomamos como ponto de partida do caminhar/caminho(s) ou do empreender uma ou mais via(gen)s, como se queira ou possa…  Lembremos que Agostinho, tendo sido um reiterado defensor da vadiagem e da errância – daqueles considerados «errantes, no sentido de que poderiam andar por aqui e por acolá» (Agostinho da Silva in Conversas Vadias) –, abordou precisamente a Liberdade num ensaio denominado “Ritmos de Marcha (SILVA, 1990: 113-117). Titulo promissor, se tivermos em conta a importância da “gestão do esforço”, na continuidade da demanda, que não deverá olvidar a sábia máxima «Festina lente»2.
O pensamento de Agostinho da Silva apesar de se (re)velar sob a forma de uma aparente simplicidade, categórica e incisiva, oculta uma difícil e contraditória, senão paradoxal, complexidade. Tal como a vida é difícil3, o seu pensamento não é fácil. Facto constatável, desde logo, pela sua ascética afirmação da Liberdade «pela conquista e domínio de si mesmo, através do caminho único que têm apontado a experiência e os séculos: o caminho da ascese mais rigorosa e absoluta, da oração contínua e do amor dos homens em Deus e por Deus» (ibidem: 19). Um caminho único, porque assente na renúncia comum – saber «ser ascético no meio da abundância» e preferir «ao poder a santidade» (ibidem: 55) –, e simultaneamente múltiplo, porque palmilhado por cada um de forma diferente. Um modo difícil e pouco usual de entender a Liberdade, nos dias de hoje, tendo em conta que Agostinho não concebia que «se possa definir o homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver feliz», embora considerasse que «nele seja essencial o viver alegre» (ibidem, 51). Nas palavras de Agostinho da Silva (ibidem: 51-52):

«Os felizes passam na vida como viajantes de trem que levassem toda a viagem dormindo; só gozam o trajecto os que se mantêm bem despertos para entender as duas coisas fundamentais do mundo: a implacabilidade, a cegueira, a inflexibilidade das leis mecânicas, que são bem as representantes do Fado, e cuja grandeza verdadeira só se pode sentir no desastre; é quando a catástrofe chega que a fatalidade se mede em tudo o que tem de divino, e foi pena que não fosse esta a lição essencial que tivéssemos tirado da tragédia grega; como pena foi que só tivéssemos olhado o fatalismo dos árabes pelo seu lado superficial.
Por outra parte, é igualmente na desgraça que se mede a outra grande força do mundo, a da liberdade do espírito, que permite julgar o valor moral do desastre e permite superar, pelo seu aproveitamento, o toque do fatal; não creio que Prometeu estivesse alguma vez verdadeiramente encadeado: talvez o estivesse antes e depois da prisão; mas era realmente um espírito de liberdade e um portador da liberdade o que, agrilhoado à montanha, se sentiu mais livre ainda; porque podia consentir ou não no desastre, superá-lo ou não, ser alegre ou não. (…) No fundo é o seguinte: é necessário, ajudando a realizar o homem no que tem de melhor, que a mesma energia que se revelou pela física do mundo da extensão, se revele pelo espírito do mundo do pensamento e domine a primeira vaga de energia, como onda rolando sobre onda mais alto vai. E mais ainda: que pelo momento de infelicidade, o que não poderá nunca suceder no caso da felicidade, entenda o homem como as duas espécies ou os dois aspectos de energia se reúnem em Deus. Só por costume social deveremos desejar a alguém que seja feliz; às vezes por aquela piedade da fraqueza que leva a tomar crianças ao colo; só se deve desejar a alguém que se cumpra: e o cumprir-se inclui a desgraça e a sua superação.»

Agostinho defende a liberdade da sua própria disciplina, numa «espécie de vida militar» e simultaneamente monástica, a que não estranha os votos de pobreza – «do abandono do ter (…) libertando-se da posse», – de celibato – «livrando de que outros o possuam» e «livre também de tratar o outro como se fosse» sua posse – e de obediência – «que livra a pessoa de ser possuída por ela própria e de ter a ideia de que só serve para isto ou para aquilo» (in Conversas Vadias).
E, no entanto, esse pensamento que parece marcado pela fatalidade (a ideia de fatum), de renúncia e sofrimento, surge como rampa de lançamento – atitude – para os altos voos do Espírito Santo: «a pessoa de Deus na qual está o domínio do inesperado; daquilo que parece ser a Liberdade pura e não o destino» (ibidem). Atitude é altitude! E é «nesse abrir-se ao Espírito Santo, ao talvez absolutamente imprevisível, que cada homem encontra o caminho para se cumprir a si mesmo – a única exigência que se lhe faz» (BRANCO, 2006: 93). Também poderemos ver essa atitude como opção de andar à solta ou andar ao Deus dará4, mais uma vez como se queira ou possa, sendo essa afinal (ou em princípio) uma forma de acreditar, como o faziam (e fazem) os povos primais5, na Providência Divina, pondo de lado a previdência humana: «porque não reparamos talvez ainda suficientemente na pressa com que todos nós, homens supostamente religiosos, tratamos de entesourar o que tememos que amanhã pode esquecer à Providência de Deus, da qual, no entanto, continuamos a falar abundantemente: só, porém, a falar» (SILVA, 1990: 69). Nós, os ditos “civilizados”, «estamos tão afastados do natural como do sobrenatural, quando estes deviam ser os pontos centrais da nossa existência: plenamente vivemos no artificial» (ibidem: 69). Uma caminhada liberta ou rumo à libertação passará pelo regresso às nossas origens: «temos de voltar aos povos naturais, como uma etapa necessária para o caminho do sobrenatural, e sem dúvida voltaremos, ou por nossa livre vontade ou, como tantas vezes sucede àqueles a quem Deus mais ama, pela viva e contundente força de golpes exteriores» (ibidem: 70).
É o percorrer/traçar (d)o (nosso) caminho que nos torna fortes, quando nos cumprimos na caminhada… na peregrinação. A demanda é feita de experiências e de vivências, surgindo como uma filosofia operativa e, portanto, poética – no sentido que foi explanado por António Telmo na sua Arte Poética – resultado e resultante de uma mutação interior6 (SINDE, 2005: 15-16). O caminho faz-se caminhando e o caminhar faz o caminho, no concreto e/ou na imaginação7, numa manifesta transitoriedade daquele que transita, mesmo quando tudo indica (parece!) que esse andarilho está parado. Diógenes (séc. IV a.C.), segundo consta, face à questão que lhe foi colocada sobre “se o movimento é real” ter-se-á simplesmente levantado, andado e exclamado “Solvitur ambulando” (está resolvido ao caminhar)! Como facilmente se poderá constatar existem muitas outras questões, problemas e paradoxos cujas respostas se encontrarão ou resultarão no/do caminhar. Uma via é simultaneamente caminhada/caminho, é andança e trajecto… O caminhar e o caminho podem materializar-se no terreno, mas são também metáforas ou alegorias de/da vi(d)a. Por estas e outras razões e emoções, há uma ética no andar e, claro, uma estética. Não basta Andar Bem o “talent de bien faire8 é fundamental Andar em Beleza9. E a Beleza, tal como a Sabedoria, é Amor.

«Amar é fazermo-nos ao mar.»
Agostinho da Silva


Pedro Cuiça, 29 de Junho de 2018







NOTAS
1- Título da biografia de Agostinho da Silva, escrita por António Cândido Franco (Quetzal, 2015), em que, na contracapa, esse Colosso é caracterizado nos seguintes moldes: «prosador de altíssimos dons, narrador inventivo, cronista subtil, biógrafo monumental, pedagogo de largo esforço, monitor de fina manha, professor de sucesso, pensador destemido, poeta bissexto, gramático de muita língua, estóico severo, homem de desleixada túnica, entomologista, tradutor, criador do Centro de Estudos Afro-Orientais, escândalo bíblico, trickster, ogã de terreiro baiano, patriarca de larga tribo, povoador, amante, perrexil, poliglota, sonhador, farsante, polígamo, explicador, joaquimita, gato, galo, sábio, escuteiro, pop-star, colosso, bandeirante, franciscano anormal, homem do tá-tá-tá, aprendiz de valsa, cidadão do mundo, aldeão antigo, monstro, vadio truculento, marau divino, criança eterna, biógrafo de Miguel Ângelo, homem de cinco cabeças e dez instrumentos (…), o optimista, o entusiasta, sem a mais pequena mancha de desânimo no futuro.»
2- «Devagar, que temos pressa» (VICENTE, 2010: 121) ou «apressa-te devagar». Segundo transmissão pessoal de Pedro Teixeira da Mota, a máxima do legendário impressor e humanista Aldus Manutius, hoje ainda proferida e assumida por alguns peregrinos, caminheiros e alpinistas.
3- A VIDA É DIFÍCIL: é a frase com que começa o livro, de M. Scott Peck, O Caminho Menos Percorrido (Sinais de Fogo, 1999). Tal torna-se perfeitamente óbvio, na concepção de Agostinho da Silva, ao tratar-se a vida de uma luta pela santidade – de uma guerra santa – e, portanto, «contra o diabo, sendo este identificado como a fatalidade, isto é, contra aquilo que constitui uma oposição à liberdade» (SINDE, 2013: 72). «Entretanto deve o homem ir trabalhando duplamente: no sentido da sua santificação e no de ajudar a criar as condições que possibilitem a santificação dos outros. A este duplo trabalho poderíamos chamar, seguindo bem de perto a terminologia simbólica de Agostinho da Silva, a circulatura do quadrado. Por quadrado entendamos a terra e por círculo o céu, tal como se tradicionalmente entendem.» (ibidem: 80)
4- «(…) sabendo que muitas vezes Deus dá, tirando.» (SINDE, 2013)
5- Para não utilizar a palavra “primitivos” pela carga pejorativa que, em geral, se lhe associa!
6- A palavra poesia deriva do grego poieín (acção) mas de uma acção que deve partir de uma mutação interior (SINDE, 2005: 15-16).
7- Imaginação enquanto “mundo imaginal”, “nação de imagens”. · «(…) o «mundus imaginalis», não é fantasia ou mentira nascida na mente, mas um mundo tão real como o sensível, intermediário dele para com o mundo inteligível. Os sufis designam-no por Malakut, os cabalistas por Malcuth! (…) Prevendo a sua confusão com a fantasia, costuma-se dar à imaginação o epíteto de criadora ou criatriz. A realidade por ela percebida é objectiva, no sentido de que se alguém a revela, outro nas mesmas condições verá o mesmo. A única diferença para com o mundo sensível, com o que aí é visto e logo contado por distintos observadores, consiste em que, além, a visão fixa um universo movente.» [TELMO, 2015: 35· Malcuth trata-se do primeiro da «série cabalística dos mundos: Malcuth, Yetsirah, Beriah, Aziluth; ou sufi: Nahut, Malakuth, Jabarut, Lahut» (ibidem: 57). · Aquilo que no contexto muito reservado do esoterismo Bahá’i é expresso como a “ontologia dos mundos divinos”: NāsūtMalakūtJabarūtLāhūt e Hāhūt. O termo “Malakūt” surge três vezes no Alcorão mas não as outras palavras que provieram das tradições judaica e cristã através de outras fontes. Originalmente a palavra “Malakūt”, no contexto do Islão, não estava associada à dimensão angélica (malak) mas sim ao conceito de soberania (mamlaka). Na verdade, essa palavra deve ser entendida sob duas perspectivas, por um lado enquanto Manifestação e por outro enquanto “mundo das imagens” (‘ālam al-mithāl), que é o mundo intermediário entre Jabarūt e o mundo humano da mortalidade (Nāsūt): entre os “céus” e a “terra”. No contexto Bahá’i, Malakūt surge como uma dimensão do mundo contingente (‘ālam-i mumkināt), onde as almas residem, e é o desenvolvimento espiritual atingido em Nāsūt que permitirá a essas almas a representação simbólica – poderemos dizer “as imagens” – das suas “funcionalidades” em MalakūtNāsūt e Malakūt não são dois mundos separados mas fazem parte de uma realidade maior que pode ser apelidada de “o mundo da criação” (‘ālam-i khalq) ou “o mundo contingente” (‘ālam-i mumkināt) e ambos são governados por leis semelhantes. Compreender-se-á, a esta luz, a famosa frase de Hermes Trismegisto de um modo muito particular: «O que está em cima é como o que está em baixo». Ou dito de outra forma: o mundo que está em cima é a imagem do mundo que está em baixo, e mais além… Afinal, aquilo que António Telmo vislumbra nos versos de Luís Vaz de Camões é a «profunda solicitação» de «ver o invisível» (ibidem: 58); de, através do natural (da natureza), ver o sobrenatural.
8- “O talento de Bem-fazer”: inscrição que se encontra no túmulo do Infante D. Henrique, o Navegador (1394-1460)…
9- E será a beleza que nos remete para o maravilhamento ou encantamento? · «A definição de Leonardo Coimbra contém o limite de ser uma definição matemática. Se dissermos que a Beleza é a forma íntima da luz manifesta aos sentidos pela transcendência das coisas em que está presente, indicamos aquele misterioso elemento também dominante na Força, enquanto fascínio, e na Sabedoria, enquanto iluminação interior. Referimo-nos à luz. A unidade na variedade é a Beleza porque é uma irradiação.
Vê-se assim, por esta compresença na mesma substância, que a Sabedoria, a Força e a Beleza constituem uma tríade de componentes indissociáveis. Daqui termos dito, há momentos, que a ligação da Beleza à fantasia e ao supérfluo é uma ilusão do espírito. Aparece-nos, pelo contrário, a Beleza como o corpo da Verdade e pressentimos que a forma de uma flor ou de uma gota matinal de orvalho escondem profundidades insondáveis.» [TELMO, 2015: 54]; que o mesmo será dizer altitudes insondáveis – o negrito é de nossa autoria · Noutra “corrente” (que será a mesma sob outra forma?), diz-se igual sob outra expressão: «unidade na diversidade».

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
· BRANCO, João Maria de Freitas. Agostinho da Silva – Um Perfil Filosófico. Sintra: Zéfiro, 2006, pp. 118. ISBN 972-8958-19-6
· BORGES, Paulo. Tempos de Ser Deus – A Espiritualidade Ecuménica de Agostinho da Silva. Lisboa: Âncora Editora, 2006, pp. 208. ISBN 978-972-780-177-0
· FRANCO, António Cândido Franco. O Estranhíssimo Colosso – Uma Biografia de Agostinho da Silva. Lisboa: Quetzal, 2015, pp. 736. ISBN 978-989-722-186-6
· MEDANHA, Victor. Conversas com Agostinho da Silva. Lisboa: Pergaminho, 1998, 9ª ed., pp. 128. ISBN 972-711-057-6
· SILVA, Agostinho da. As Aproximações. Lisboa: Relógio d’Água, 1990, pp. 132. ISBN 972-708-110-X
· SINDE, Pedro. Sete Sábios Portugueses. Chaves: Tartaruga, 2013, pp. 232. ISBN 978-989-8057-39-6
· SINDE, Pedro. Terra Lúcida. Matosinhos: Publicações Pena Perfeita, 2005, pp. 160. ISBN 972-8925-05-0
· TELMO, António. Luís de Camões e o Segredo d’Os Lusíadas. Sintra: Zéfiro, 2015, pp. 374. ISBN 978-989-677-129-4.
· VICENTE, António Balcão. O Templário d’El-Rei. Lisboa: Ésquilo, 2010, pp. 430. ISBN 978-989-8092-88-5

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Vem subir o Pico



Pedro Cuiça © Montanha do Pico (08/06/2019)

Pedro Cuiça © Montanha do Pico (08/062019)


«O Pico é a mais bela, a mais extraordinária ilha dos Açores, duma beleza que só a ela pertence, duma cor admirável e com um estranho poder de atracção. É mais do que uma ilha – é uma estátua erguida até ao céu e moldada pelo fogo (…).»
Raúl Brandão in As Ilhas Desconhecidas (1926)

No próximo mês de Maio vamos regressar à Ilha Montanha para mais uma intensa, e certamente enriquecedora, aventura. Percorrer, pé-ante-pé, alguns dos mais belos caminhos pedestres dos Açores, através das contrastantes paisagens de lavas negras e bagacinas sépias, das diversas tonalidades da floresta sempre verde e do forte azul profundo do oceano circundante. Conhecer a história, a arquitectura tradicional e a gastronomia picarotas. Atingir o topo do Piquinho, que culmina a mais alta montanha de Portugal (2351 m), num dia invariavelmente marcante e pleno de vivências. Numa organização com a excelência e a qualidade Naturthoughts, com guias de montanha devidamente titulados. 
Vem subir o Pico connosco. Não percas esta aventura, inscreve-te já.





quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Vão e Vejam


«Mas isto são as crenças e as tradições do meu povo. As mezinhas, os responsos, o diabo. Negar as nossas tradições – o nosso paganismo, até – seria minorar uma cultura riquíssima, que para mais se está a perder.»
Padre Fontes (2018)

António Mendes © Paredes do Rio (PNPG, 10 de Novembro de 2019)

No passado domingo tive o grato privilégio de empreender uma caminhada altamente estimulante na região de Barroso, mais precisamente na envolvente da aldeia de Paredes do Rio. Estimulante pelo excepcional telurismo e pela frescura dessas paragens, sensação acentuada pelo vento e pela chuva persistentes, mas também pela companhia de um conjunto de velhos companheiros de andanças pedestres.
A geomorfologia de Barroso insinuou-se timidamente, numa acinzentada e nevoenta paisagem contrastante, com ásperas montanhas a fechar o horizonte a norte e alinhamentos de arredondadas elevações a sul, pontilhadas de aerogeradores! As terras agrestes do Parque Nacional da Peneda-Gerês, que por estas bandas se estendem para além da aldeia de Pitões das Júnias e da alva capela de São João da Fraga, mal se vislumbraram, encobertas por esse tempo anunciador da invernia que se avizinha.
As vastas panorâmicas estiveram encobertas mas a paisagem a curta distância (diria mesmo “macro”) revelou uma riqueza e diversidade inusitadas, ademais tendo em conta que há dois dias o terreno esteve coberto de neve, ainda que de pouca dura. A biodiversidade da vegetação, o solo atapetado de folhas de Quercus, as várias espécies de cogumelos e até o facto de depararmos com uma cobra, em tais condições atmosféricas, não deixou de nos surpreender.

Pedro Cuiça © Paredes do Rio (PNPG, 10 de Novembro de 2019)

Impressionante é também a forte componente humana manifesta nos campos de cultivo e/ou de pastoreio, ladeados por muretes de pedra solta. Vestígios que remontam a épocas pré-históricas e cujo cunho maior surge traduzido nas edificações graníticas da vizinha aldeia ecomuseu. Museu vivo e a céu aberto, pleno de vivências das suas gentes, testemunhas de um património imaterial que surge como expressão máxima da paisagem, tão rija e durável quanto a pedra dura dessas terras barrosãs.  
No dia anterior – sábado (9/11/19) – tive a enorme satisfação de conhecer pessoalmente o Padre Fontes, precisamente na sede do ecomuseu, seu homónimo, sito em Montalegre. Satisfação acrescida tendo em conta que no ano anterior tinha ido propositadamente a Vilar de Perdizes para conhecer o autor da Etnografia Transmontana – Crenças e tradições de Barroso, António Lourenço Fontes, mas em vão, dado que este se encontrava ausente da aldeia. Este, segundo Manuel Barros, professor de antropologia da Universidade do Porto, é “só” «o mais importante etnógrafo português depois do Abade de Baçal». Mais conhecido por ser o mentor do Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes e das Sextas-feiras 13 de Montalegre, o Padre Fontes é, todavia, um personagem multifacetado que se transmuta de um desconhecido Marotus a um sacerdote de múltiplos predicados.
A próxima Sexta-feira 13 será em Dezembro e, mais uma vez, o castelo de Montalegre será palco do responso da queimada, proferido pelo Padre Fontes frente a um enorme caldeirão de ferro. Uma oportunidade única de vivenciar velhas tradições, sobretudo para aqueles que buscarem o recolhimento íntimo das vastas paisagens “selvagens” do Barroso, calcorreando-as a pé… Vão e Vejam.

Pedro Cuiça © Plenilúnio (Castelo de Montalegre, 9/11/19)

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Sir Orfeu

Para andar entre os mundos por vezes é preciso voar...



«Os livros sobre pessoas que se refugiam na natureza para escaparem à dor e ao sofrimento faziam parte de uma história muito mais antiga, tão antiga que a sua forma é tão inconsciente e invisível como respirar. Quando era estudante e queimava as pestanas nos primeiros anos da faculdade, li um longo e belo poema do século XIII, intitulado Sir Orfeo. É de autor anónimo, e eu nunca mais me lembrei da sua existência. (…)
Sir Orfeo é uma nova versão do mito grego do Orfeu e do mundo inferior através de canções celtas tradicionais acerca do outro mundo, o País das Fadas. No mito celta, esse outro mundo não é um mundo das profundezas; está apenas a um passo do nosso. As coisas podem existir nos dois lugares ao mesmo tempo, e podem ser levadas de um para o outro. No poema, Heridice dorme num pomar debaixo de uma árvore de fruto encantada e sonha que, no dia seguinte, vai ser raptada pelo Rei das Fadas. Aterrorizada, conta o sonho ao marido, o rei. Orfeo rodei-a de cavaleiros, mas estes não a conseguem proteger daquela ameaça do outro mundo, e ela desaparece no ar.
Abatido pela dor, Orfeo abdica da coroa e foge para a floresta. Durante dez anos, vive uma existência solitária e selvagem, escavando raízes, comendo folhas e bagas, e tocando a sua harpa para encantar os animais à sua volta. A barba cresce-lhe longa e emaranhada. Vê os grandes grupos de caçadores do Rei das Fadas atravessarem a floresta. Não pode segui-los. Mas, um dia, sessenta senhoras a cavalo com falcões no punho passam por ele, à caça de corvos-marinhos, patos-reais e garças-reais. Enquanto observa os falcões a descerem em voo picado sobre as suas presas, o mundo muda. Ele ri, deliciado, recordando o seu amor pelo desporto – «Por minha fé!», disse ele, «que bela recreação aquela» –, dirige-se às mulheres e vê que uma delas é a sua esposa. Penetrou naquele outro mundo, e agora pode segui-las no seu caminho de volta até ao castelo do Rei das Fadas, um palácio de pessoas que se pensava estarem mortas, mas não estão. E é lá que ele toca harpa para o rei e o convence a libertar a sua mulher. Mas foi o voo das aves de rapina e as mortes que trouxe que o levaram a entrar nesse outro mundo e permitiram que encontrasse a esposa, que havia perdido. E esta capacidade que têm as aves de presa de atravessar fronteiras que os humanos não podem transpor é uma coisa muito mais antiga do que o mito celta, mais antiga do que Orfeu, pois, nas antigas tradições xamânicas por toda a Eurásia, as aves de rapina eram consideradas mensageiras entre este mundo e o outro
[MACDONALD, 2015: 259-260]



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MACDONALD, Helen. A de Açor. Alfragide: Lua de Papel, 2015, pp. 344. ISBN 978-989-23-3394-6