«Mas isto são as crenças e as tradições do meu povo. As
mezinhas, os responsos, o diabo. Negar as nossas tradições – o nosso paganismo,
até – seria minorar uma cultura riquíssima, que para mais se está a perder.»
Padre Fontes (2018)
António Mendes © Paredes do Rio (PNPG, 10 de Novembro de 2019)
No passado domingo tive o grato privilégio de empreender
uma caminhada altamente estimulante na região de Barroso, mais precisamente na
envolvente da aldeia de Paredes do Rio. Estimulante pelo excepcional telurismo e
pela frescura dessas paragens, sensação acentuada pelo vento e pela chuva persistentes,
mas também pela companhia de um conjunto de velhos companheiros de andanças
pedestres.
A geomorfologia de Barroso insinuou-se timidamente, numa
acinzentada e nevoenta paisagem contrastante, com ásperas montanhas a fechar o
horizonte a norte e alinhamentos de arredondadas elevações a sul, pontilhadas de aerogeradores! As terras
agrestes do Parque Nacional da Peneda-Gerês, que por estas bandas se estendem para
além da aldeia de Pitões das Júnias e da alva capela de São João da Fraga, mal
se vislumbraram, encobertas por esse tempo anunciador da invernia que se
avizinha.
As vastas panorâmicas estiveram encobertas mas a paisagem a
curta distância (diria mesmo “macro”) revelou uma riqueza e diversidade inusitadas,
ademais tendo em conta que há dois dias o terreno esteve coberto de neve, ainda
que de pouca dura. A biodiversidade da vegetação, o solo atapetado de folhas de Quercus,
as várias espécies de cogumelos e até o facto de depararmos com uma cobra, em
tais condições atmosféricas, não deixou de nos surpreender.
Pedro Cuiça © Paredes do Rio (PNPG, 10 de Novembro de 2019)
Impressionante é também a forte componente humana manifesta
nos campos de cultivo e/ou de pastoreio, ladeados por muretes de pedra solta.
Vestígios que remontam a épocas pré-históricas e cujo cunho maior surge traduzido
nas edificações graníticas da vizinha aldeia ecomuseu. Museu vivo e a céu
aberto, pleno de vivências das suas gentes, testemunhas de um património
imaterial que surge como expressão máxima da paisagem, tão rija e durável quanto a pedra dura dessas terras barrosãs.
No dia anterior – sábado (9/11/19) – tive a enorme
satisfação de conhecer pessoalmente o Padre Fontes, precisamente na sede do
ecomuseu, seu homónimo, sito em Montalegre. Satisfação acrescida tendo em conta
que no ano anterior tinha ido propositadamente a Vilar de Perdizes para
conhecer o autor da Etnografia Transmontana – Crenças e tradições de Barroso,
António Lourenço Fontes, mas em vão, dado que este se encontrava ausente da
aldeia. Este, segundo Manuel Barros, professor de antropologia da Universidade
do Porto, é “só” «o mais importante etnógrafo português depois do Abade de
Baçal». Mais conhecido por ser o mentor do Congresso de Medicina Popular de
Vilar de Perdizes e das Sextas-feiras 13 de Montalegre, o Padre Fontes é,
todavia, um personagem multifacetado que se transmuta de um desconhecido Marotus
a um sacerdote de múltiplos predicados.
A próxima Sexta-feira 13 será em Dezembro e, mais uma vez, o
castelo de Montalegre será palco do responso da queimada, proferido pelo Padre
Fontes frente a um enorme caldeirão de ferro. Uma oportunidade única de
vivenciar velhas tradições, sobretudo para aqueles que buscarem o recolhimento íntimo das
vastas paisagens “selvagens” do Barroso, calcorreando-as a pé… Vão e Vejam.
Pedro Cuiça © Plenilúnio (Castelo de Montalegre, 9/11/19)
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