terça-feira, 26 de março de 2019

Subida ao Pico


Subida ao Pico – Um miradouro sobre o Atlântico
(revista OZONO, Outubro de 2000)

A subida ao Pico é certamente um dos percursos mais gratificantes do arquipélago dos Açores. O antigo caminho da Madalena à montanha ainda resiste ao passar dos anos. Por entre muros envoltos em história, surgem testemunhos de outros tempos sobre a pedra e o areão.

Pedro Cuiça © Montanha do Pico (Março/2019)

O Pico destaca-se, a grandes distâncias, na paisagem oceânica. Avista-se de todas as outras ilhas do Grupo Central, constituindo um marco e um barómetro para os homens do mar, bem como um tentador desafio para todos aqueles que o sonham subir. Curiosamente, é das outras ilhas, sobretudo S. Jorge e Faial, que esse grandioso vulcão, um cone quase perfeito, revela a sua mística. O seu aspecto está em constante mudança, consoante a nebulosidade, a altura do dia ou as estações do ano. Mas é no Inverno que a montanha se torna etérea, quando o topo se cobre de um manto branco de neve.
O guia Carlos Lopes, dos Bombeiros Voluntários da Madalena, disse-nos que, noutros tempos, “ia-se por veredas” e a subida fazia-se a pé ou a dorso de animal. O trajecto por Casas Brancas era o utilizado. As pessoas subiam até à furna, durante a tarde, descansavam um pouco e recomeçavam a subida de madrugada. A furna era um ponto de referência para quem ascendia ao Pico.
“Os guias mais antigos, de que se tem conhecimento, eram o chamado ‘Salsa’, da Madalena, e um outro que era o Vitorino, de S. Mateus; também havia o senhor Faria”. Para o comandante Furtado, dos Bombeiros Voluntários, “esse senhor é que balizou todos esses cabeços que aí estão com marcos”.

Por velhas veredas
Tal como os antigos, iniciamos o percurso, ao nível do mar, junto do cais da Madalena. Dois velhos pescadores olham admirados para um barco que parte carregado de turistas, para a observação de baleias, enquanto um deles diz para o outro: “Estão com os coletes vestidos com medo que o barco revire”. Os tempos são definitivamente outros…1
Passamos à beira da Igreja de Sta. Maria Madalena (séc. XVII) e seguimos rumo a Cabo Branco. A estrada asfaltada, onde surgem desvios que conduzem a cerrados e curraletas, passa junto do Império desse pequeno povoado. Por entre os milheirais distinguem-se os maroiços: amontoados de pedras, com forma de pirâmides truncadas, resultantes da despedrega dos solos.
No sítio da Ladeira Grande o caminho atravessa a estrada regional (ER 3-2ª) para prosseguir em piso de bagacina avermelhada. Os campos de cultivo, onde abundam as videiras e as figueiras, encontram-se agora ocupados por urze (Erica azorica), feto-ordinário (Pteridium aquilinum), incenso (Pittosporum undulatum), faia-das-ilhas (Myrica faya) e silvas (Rubus ulmifolius).
O caminho desemboca num outro, aparentemente sem continuação, mas prossegue, no mesmo rumo, meio oculto pela vegetação. Ladeado por muros de pedra solta, o velho carreteiro encontra-se atapetado por uma escoada de lava negra onde se notam, por vezes, os sulcos de rodados de carroças. O silêncio é apenas interrompido pelos passos, pelo resmalhar da vegetação e pelas aves canoras no seu incansável chilrear.
O caminho volta a atravessar a estrada regional no Alto do Barreiro, a nordeste do Cabeço da Cova (575 m) e, mais à frente, volta a fazê-lo novamente. O aumento da altitude traduz-se em marcadas mudanças na paisagem. Agora sobe-se por terrenos de pasto baldios – as pastagens de altitude do flanco ocidental do Pico – até atingirmos a estrada de alcatrão junto de Currais do Morais. Altura de virarmos à direita, seguindo pelo asfalto, para, pouco depois, atalharmos por uma vereda que passa junto do Cabeço da Bola (1052 m) e do Cabeço do Capitão (1136 m).
Mais acima, à beira da estrada de alcatrão, surge a vereda que sobe ao Pico, a menos de 500 metros de distância do Cabeço das Cabras (1231 m). No início, a vereda, a cerca de 1200 metros de altitude, existe uma placa que indica a distância até ao topo do Pico (4,7 km) e até ao Algar da Furna Abrigo (900 metros). Uma outra adverte para os perigos da subida.

Pedro Cuiça © Montanha do Pico (1999)

Lavas envoltas em bruma
A ascensão ao Pico faz-se, hoje em dia, partindo de carro, ao final da tarde, da Madalena até ao local onde se encontra o caminho de pé-posto que conduz à Furna Abrigo2. Sítio onde alguns optam por descansar um pouco e voltar a partir por volta das duas da manhã. Outros sobem directamente até ao Pico para aguardarem calmamente a alvorada. O nascer-do-sol provoca, por vezes, efeitos magníficos (como a sombra do pico projectada). Da estrada até ao cume demora-se geralmente três a três horas e meia. Para baixo, demora-se cerca de duas horas e meia3.
Tal como muitos outros que nos precederam, também nos instalámos junto da Furna. Durante a noite passaram vários grupos a caminho do cume. O amanhecer trouxe consigo altos-cúmulos dispersos num ténue céu azul que foi encobrindo, progressivamente, de nuvens baixas. Às seis horas já se formara uma massa compacta e leitosa que encobriu o céu. Está na altura de partir para o cume, antes que piore o estado do tempo.
A vereda prossegue em direcção ao topo da montanha. O trilho, aos 1420 metros de altitude roda à direita, rumo a sudeste, em direcção à Lomba de S. Mateus (1472 m). Mas, sensivelmente a “meio caminho”, volta-se para leste em direcção ao cume da montanha. Os primeiros marcos, que assinalam o trajecto até ao cume, surgem a cerca de 1535 metros de altitude. O excursionista deve manter-se no trilho assinalado, uma vez que, ao afastar-se, corre sérios riscos de se perder.
A vegetação vai-se amoitando e ficando esparsa ao longo da subida. Acima dos 1500 metros de altitude apenas subsistem plantas rasteiras. A erva-úrsula (Thymus caespititius) e a queiró (Daboecia azorica) encontram-se na plena época da floração em Junho e Julho, colorindo as encostas superiores da montanha de rosa e cor-de-vinho.
O nevoeiro e a chuva acompanharam-nos até ao cume. Acima dos 1800 metros de altitude cruzamo-nos com um grupo que desce e, já praticamente no topo do Pico Grande, passaram mais dois grupos de excursionistas. Altura para nos abrigarmos sob o guarda-chuva, descansar um pouco, comer algo e esperar algumas melhorias no estado do tempo. Mas a meteorologia está definitivamente predisposta a ocultar qualquer vista panorâmica. Aliás, para além dos 30 metros é difícil vislumbrar algo!
Ao chegar ao topo da bordeira, o trajecto roda, à direita, para seguir o acesso mais fácil ao interior da cratera – uma depressão cimeira com cerca de 600 metros de diâmetro e 30 metros de profundidade, cuja bordeira se apresenta preservada apenas nos flancos sul e oeste. Um carreiro íngreme dá acesso ao fundo da cratera. No interior da depressão, atapetada por escoadas lávicas, ocorrem diversas fumarolas. Aí pode apreciar-se uma subespécie de bremim (Silene vulgaris crateriola) que ocorre unicamente na cratera. O melro-comum (Turdulus merula) também surge na cratera, dando vida à paisagem agreste, que mal se vislumbra.
Na base do carreiro de acesso à cratera encontra-se um abrigo circular formado por um mureto de pedras soltas. Sabemos que o Piquinho se encontra à nossa frente, encoberto pelo nevoeiro, mas apenas se distingue o branco leitoso das nuvens. O Pico Pequeno ou Piquinho, o cume da montanha, é um cone secundário situado no bordo leste da cratera. Com cerca de 70 metros de altura, as vertentes são formadas por basaltos encordoados, onde surgem fumarolas.
Subir ao Piquinho é atingir um magnífico miradouro, a mais de dois mil metros acima do Atlântico, do qual se vislumbram os mais abrangentes panoramas do arquipélago. Avistam-se as ilhas do Faial (a oeste), S. Jorge e Graciosa (a nordeste) e a Terceira (a es-nordeste). A sudeste, estende-se o planalto central da ilha onde se distinguem os cones secundários, as lagoas, as manchas de vegetação e os prados. Hoje apenas nos é dado ver o marco quadrangular (com a gravação “IPCC 1994”) e uma placa metálica (cujas inscrições foram apagadas pelos elementos) que coroam o cume.

Pedro Cuiça © Montanha do Pico (Março/2019)

Vizinhos do vento
Depois de apreciar as vistas panorâmicas, se tiver mais sorte do que nós, e de gozar um descanso merecido, será altura de pensar em descer. Nunca se deve ignorar que a descida da montanha merece tantos cuidados quanto a subida.
Os marcos que indicam o trajecto de descida foram colocados na década de 50. Na altura, o percurso mais perto para subir o Pico partia de S. Mateus, daí que os marcos tenham sido colocados para servirem de acesso por essa freguesia. Os dois marcos finais enganam muitos excursionistas, conduzindo-os nessa direcção. É por isso que, quando alguém se perde, os Bombeiros Voluntários da Madalena enviam logo uma equipa para essa área. Mas as situações, por vezes, são mais complexas.
Segundo o Comandante Furtado, dos Bombeiros Voluntários da Madalena, as buscas foram sempre bem sucedidas, exceptuando “um caso que envolveu grandes custos e muita gente, todas as corporações de bombeiros da ilha”. Tratou-se do desaparecimento de um cidadão inglês em 1993. O terreno foi “minuciosamente percorrido e batido várias vezes; foram oito dias seguidos de buscas e chegámos a ter mais de 200 homens na montanha, além de cães da força aérea treinados para busca de pessoas,… percorreram-se zonas ali à volta da montanha que eu creio que nunca foram percorridas nestes últimos cem anos”.
A vontade de subir à montanha, aparentemente fácil, levou a que muitas pessoas, sobretudo na última década, não levassem guia ou fossem mesmo sozinhas. “A montanha pode apresentar várias estações no mesmo dia, pode ter vários ventos (o vento muda com facilidade), pode forrar-se e desforrar-se4… Uma pessoa que não tenha conhecimento perfeito da montanha pode perder-se com facilidade”. E há locais da montanha que são realmente perigosos, nomeadamente alguns “areais” e algares.
Carlos Lopes, desde que iniciou a actividade de guia há cerca de uma década, já subiu ao Pico mais de 300 vezes. “Desde o bom tempo ao mau tempo e desde correr tudo bem até pernas partidas…” já viu de tudo um pouco. Já teve de “ir fazer buscas de pessoal perdido” ou acidentado. Nomeadamente à última lomba, que se situa, antes de chegar à cratera, a cerca de 2080 metros de altitude. Uma das vezes, que jamais irá esquecer, foi protagonizada por uma octagenária, a “senhora com mais idade a subir o Pico”. Segundo Carlos Lopes, “ela chegou lá acima, fez a viagem perfeitamente bem. No regresso é que… apanhamos mau tempo e temperatura muito baixa e ela perdeu completamente a noção…”.
Os acidentes mais comuns devem-se a quedas, muitas vezes provocadas por deslizamentos ou por incorrecta colocação de um pé, outras vezes por falta de preparação física. Registam-se também problemas de hipotermia e de esgotamento. Devido aos incidentes, mais ou menos frequentes, os Bombeiros Voluntários da Madalena tiveram “necessidade de saber, com algum rigor, quais e quantas eram as pessoas que subiam ao Pico”5. Para tal foram colocados piquetes no local onde geralmente se inicia a subida ao Pico.
O antigo caminho que ascendia ao Pico voltou a ser percorrido, de volta até à Madalena. O regresso processou-se quase sempre sob chuva, mas no cais esperava-nos uma esplêndida vista, em tons de final de dia, sobre o ilhéu Em-Pé, ilhéu Deitado e ilha do Faial. Sem dúvida uma bela panorâmica, no entanto, ficou-nos a vontade de regressar ao topo do Piquinho, na esperança de poder avistar os amplos horizontes que só esse miradouro sobre o Atlântico proporciona6.

Pedro Cuiça © Madalena do Pico (Março/2019)


A ILHA-MONTANHA
Na imensidão do Atlântico, sensivelmente a meio caminho entre a Europa e a América do Norte, o arquipélago dos Açores integra e delimita a Macaronésia a norte e oeste. Nove ilhas e diversos ilhéus vulcânicos, dispostos segundo WSE-WNW, formam três grupos distintos. O Grupo Oriental, e também o mais meridional, é composto pelas ilhas de Sta. Maria e de S. Miguel. O Grupo Central é constituído pelas ilhas Terceira, Graciosa, S. Jorge, Pico e Faial. O Grupo Ocidental, o mais setentrional, está representado pelas Flores e Corvo.
Denominada “São Dinis” aquando da sua descoberta, o Pico é a segunda maior ilha do arquipélago (440 km2) e apresenta a altitude mais elevada do país (2351 m). A montanha do Pico, classificada como Reserva Natural desde 1972, é um enorme edifício vulcânico, um cone quase perfeito que ganha inclinação rapidamente a partir de 1200 metros de altitude e termina numa ponta aguçada. A montanha encontra-se habitualmente envolvida por uma cintura de nuvens baixas, deixando vislumbrar o cume – o Piquinho – que se avista a grandes distâncias.
O Pico Grande acaba numa cratera com cerca de 600 metros de diâmetro e bordeiras que ultrapassam os 30 metros de altura. Na extremidade oriental da cratera surge o Piquinho ou Pico Pequeno, com cerca de 70 metros de altura. Um cone secundário surgido no bordo leste da cratera do Pico, formado por lavas encordoadas que atapetam a cratera e se escoaram em diversos pontos.
No flanco ocidental, a imponente massa orográfica desce gradualmente até à orla costeira junto da povoação de Madalena (a mais importante da ilha), em frente dos ilhéus Deitado e Em Pé. No flanco oriental estende-se uma área planáltica onde se destacam diversos cones vulcânicos e lagoas que conferem à paisagem traços pitorescos. Essa “lomba”, a cerca de 800 metros de altitude, interrompe-se de forma abrupta em arriba recortada por inúmeras calhetas e enseadas.
O povoamento distribui-se ao longo da costa. S. Roque do Pico, no lado norte da ilha, e Lajes do Pico, no lado sul, foram importantes povoações de baleeiros. Entre as actividades tradicionais destacam-se a criação de gado bovido, a agricultura, a pesca e o artesanato.

INFORMAÇÕES ÚTEIS
Extensão: cerca de 30 quilómetros7
Desnível: cerca de 2551 m8
Dificuldade: o percurso desde a Madalena ao topo do Piquinho e regresso pode considerar-se difícil; a opção de subir desde os 1200 metros de altitude (pouco abaixo da Furna) é acessível9.
Duração: para efectuar o trajecto Madalena-Pico-Madalena há que contar com dois dias; o percurso do local onde param as viaturas até ao topo e regresso demora cerca de cinco a seis horas3.
Como chegar? O mais prático para aqueles que dirigem ao Pico será viajar de avião até à ilha do Faial (aeroporto de Castelo Branco) e daí seguir de barco até à “ilha-montanha”10.
Acesso ao percurso
O trajecto proposto inicia-se na Madalena, onde chegam os barcos vindos do Faial. Se preferir começar perto da Furna, apesar do recurso à boleia poder resultar, recomenda-se o uso de táxi11.
Cartografia
- Cartas Militares de Portugal, na escala de 1/25 000, do Instituto Geográfico do Exército (IGeoE), série M889, folhas 7, 8 e 11.
- Carta da Ilha do Pico (Açores), na escala de 1/35 000, da Universidade dos Açores, Ponta Delgada, 1ª ed., 1997.
Época aconselhada
Maio a Setembro
Equipamento necessário
Recomenda-se o uso de roupas leves e de cores claras, uma cobertura para a cabeça e uns óculos escuros. As chuvas são frequentes sendo muito útil possuir impermeáveis leves e transpiráveis, casaco e calças. Um bom guarda-chuva pode revelar-se um objecto de grande utilidade. Um protector solar não será de negligenciar. Umas botas de montanha completam o vestuário e calçado. Uma pequena mochila de dia, alguns víveres e cantil com água, um pequeno estojo de emergência e um estojo de primeiros socorros serão suficientes para uma jornada. Um saco-cama e/ou um saco de bivaque serão suficientes para pernoitar.12


ATENÇÃO!
· Consulte documentação e cartografia referentes ao percurso.
· Informe-se acerca da previsão meteorológica.
· Os trilhos são bastante seguros, mas é necessária atenção para se evitarem quedas ou sair do trajecto correcto9.
· O uso de bastões é recomendável.
· O percurso pode ser empreendido recorrendo ao auxílio de um guia local.


NOTAS:
Publicámos o artigo na integra e tal qual foi editado no primeiro número da revista Ozono (Outubro de 2000), exceptuando a exclusão da lista de contactos (por se encontrar manifestamente desactualizada) e a correcção de alguns erros ortográficos e gralhas existentes no original. No tocante às imagens, publicamos algumas fotografias e uma infografia (mapa) da edição original, mas também fotografias mais recentes. Por último, tendo em conta que já passaram duas décadas desde que este artigo foi escrito e publicado, e portanto muitas coisas mudaram, consideramos oportuno acrescentar algumas notas:
1. De facto, os tempos são definitivamente sempre outros…
2.  Hoje em dia, a subida ao Pico, que começa obrigatoriamente na Casa da Montanha, processa-se, na época alta, praticamente a qualquer hora do dia e da noite, estando regulamentada pela Portaria nº 52/2018 de 23 de Maio de 2018.
3. A subida até ao cume da montanha do Pico e a descida até à Casa da Montanha demora, em média, cerca de sete horas: três horas a subir e quatro horas a descer.
4. Forrar-se e desforrar-se significa, respectivamente, ficar coberto de nevoeiro e o nevoeiro dissipar-se.
5. No ano de 2018 terão subido à montanha cerca de 17 mil pessoas e terão ocorrido 11 resgates (um número excepcionalmente baixo de resgates se comparado com outros anos).
6. Desde essa experiência inolvidável, de subir desde o mar até ao cume do Piquinho, no ano 2000, temos regressado praticamente todos os anos à ilha do Pico para invariavelmente subir à montanha e muitas foram as vezes que fomos brindados com vastas panorâmicas. Essa é uma prática – quase diríamos um ritual – que esperamos poder repetir por mais duas décadas, assim Deus nos ajude e permita.
7. Ida e volta.
8. Desnível acumulado de 2351 m a subir e, depois, a descer.
9. O percurso é acessível a pessoas com boa preparação física e habituadas a andar em terrenos irregulares. Da Casa da Montanha para cima não se trata propriamente de um caminho – de piso liso e regular – mas, sim, de um trilho com inúmeros ressaltos, irregularidades e pedras soltas. O trajecto torna-se manifestamente problemático para pessoas com dificuldades de progressão nesse tipo de terrenos mais técnicos, sobretudo na descida.
10. Actualmente já é possível viajar para o aeroporto da ilha do Pico.
11. Ou de carro alugado.
12. O uso de um poncho ou de um guarda-chuva poderão ser soluções a adoptar caso não haja vento. Para pernoitar na cratera é, hoje em dia, obrigatório levar tenda e ter permissão para tal.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CUIÇA, Pedro. Subida ao Pico – Um miradouro sobre o Atlântico. Ozono – Revista de Ecologia, Sociedade e Conservação da Natureza, nº 1, Outubro de 2000, pp. 50-53

sexta-feira, 22 de março de 2019

Paisagens da Montanha


Ontem à noite (21 de Março) tive o grato prazer de apresentar uma palestra sobre Gestão de Grupos em Actividades de Montanha – Leitura da paisagem e estratégias em terrenos técnicos, numa iniciativa organizada pela AGMA – Associação de Guias de Montanha dos Açores. O evento, que decorreu no Salão Nobre da Câmara Municipal da Madalena, das 20.00 às 22.00, foi também uma enriquecedora oportunidade para troca de experiências e rever companheiros.
A palestra começou por apresentar diversos conceitos de paisagem e a sua evolução histórica, com destaque para o pioneirismo de Leonardo da Vinci, na forma como mudou o paradigma da relação do Homem com a Montanha, e a importância dos românticos, no que concerne ao retorno e religação à natureza selvagem (wilderness). Seguiu-se uma abordagem da paisagem sob três aspectos distintos e, simultaneamente, complementares – técnico, geográfico e estético –, sua relação com a Pirâmide de Necessidades de Maslow e sua utilização na gestão de grupos em actividades de montanha. Por último, foram abordados alguns exemplos concretos, com base no Pico, da variabilidade significativa das “condições da montanha” e suas implicações na progressão em terrenos técnicos, designadamente no que concerne a estratégias e equipamentos a adoptar: técnica da corda curta, EPIs, bastões, bastão ou piolet, crampões ou “espigões” (spikes), entre outras opções.
A actualização de conhecimentos e a aquisição de novas competências, nomeadamente mediante o desenvolvimento e a utilização de ferramentas e de metodologias de trabalho inovadoras, no âmbito da gestão e da liderança de grupos em actividades de montanha, é de fundamental importância numa actividade cuja formação deve ser contínua e promotora de eficiência e de segurança no desempenho dos guias em contextos reais, no terreno. É neste contexto que a leitura e a interpretação da paisagem, associadas à Pirâmide de Necessidades de Maslow, surgem como uma interessante e poderosa ferramenta de trabalho, designadamente na tomada de decisões.


DR © Madalena do Pico (21/03/2019) 

DR © Madalena do Pico (21/03/2019) 



quarta-feira, 20 de março de 2019

Un air richement parfumé


Pedro Cuiça © Montanha do Pico (Faial, 19/03/2019)

Par une radieuse matinée printanière, le soleil doux rehaussait de son éclat la sublime senteur des fleurs. La rosée de l’aube perlait encore sur ces douces feuilles multicolores. Elles cachaient aux creux de leurs tremblantes corolles, un air richement parfumé qui emplissait de joie le coeur du voyageur. Sur ce vaste plateau au sommet de la montagne, une rivière bleuâtre frayait son chemin et mouillait à son passage les terres fértiles d’un sumptueux jardin.
[MOHANDAS, 2018: 13]

Pedro Cuiça © Grupo Central (Faial, 19/03/2019)

Pedro Cuiça © Grupo Central (Faial, 19/03/2019)


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MOHANDAS, Johannes C.. Le Saint de la Montagne – Tome I: La Vallée des Merveilles. AL Editions, 2018, pp. 80. ISBN 978-295-211-142-3

quarta-feira, 13 de março de 2019

A verdade (a) no


«Para o que ama a Verdade não há descanso nem termo, porque a vê no próprio caminhar, a surpreende no esforço contínuo da marcha; o amor da Verdade não é um desejo de chegar, mas o anseio de superar.»

Agostinho da Silva in Glossas (1945)


© Pedro Cuiça



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SILVA, Agostinho da. Textos e Ensaios Filosóficos I. Lisboa: Âncora Editora, 1999, p. 37. ISBN 972-780-004-1

sexta-feira, 8 de março de 2019

Orientação


Oriente, outra vez orient'a(c)ção?

«Ó céu por cima de mim, ó pureza, ó profundeza! Ao contemplar-te estremeço de desejos divinos.
Elevar-me à tua altura – eis para mim a profundidade! Ocultar-me no coração da tua pureza – eis a minha inocência.
(…)
E nas minhas peregrinações solitárias, de que tinha a minha alma fome durante as noites e pelos caminhos de acaso? E quando eu escalava montes, a quem procurei sempre nas montanhas, senão a ti?
E todas essas peregrinações, e todas essas ascensões de montanha, que eram senão um expediente e uma maneira de iludir a minha impotência? O que eu queria era voar, voar em ti
Friedrich NIETZSCHE in Antes da Aurora (1985: 181-182)

Nicolas Roerich © Path to Shambhala (1933)

Podia-se ter passado na Ilha imaginada por Camões o que se diz nesta citação de Henry Corbin:

«Quando Zoroastro abandonou a vida, o seu Xvarnach, essa flama emanada da luz infinita de Deus, foi guardado nas águas do lago Kansaoya, de onde emerge a montanha das auroras, Mons Victorialis, uma multidão de Fravartis é quem o guarda. No fim do nosso ciclo ou Aiôn, uma jovem entrará nas águas do lago místico. A luz gloriosa de Zoroastro penetrará no seu corpo e ela “conceberá aquele que virá triunfar sobre todos os malefícios dos demónios e dos homens.»

Com efeito, a estrofe 42 do canto nono d’Os Lusíadas alude ao mesmo mistério pelas palavras da deusa auroral, Vénus, rogando ao seu filho Amor, “aquele em quem tem a sua potestade”:

Quero que haja no reino neptudiano,
Onde eu nasci, progénie forte e bela,
E tome exemplo o mundo vil, malino
Quem contra tua potência se rebela,
Para que entendam que muro adamantino
Nem triste hipocrisia vale contra ela.
Mal haverá na terra quem se guarde
Se teu fogo imortal nas águas arde.

A união pelo amor do herói e da deusa no palácio de cristal do alto da montanha das auroras, dando origem a uma progénie forte e bela, só foi possível pela depuração, no Gama, do elemento violento, da hubris, com que os filhos da terra, os gigantes, fazem o assalto ao céu. Todos temos hoje a crua vivência do que é o titanismo. O Adamastor é o próprio Vasco da Gama em aparição aos seus próprios olhos. É, igualmente, o mesmo Camões na sua “natureza terrível”, que é a que lhe atribuem por estas palavras os seus contemporâneos. Assim se explica que seja a mesma a forma feminina desejada pelos dois, a cristalina Tethis. Onde o filho tenebroso da terra soçobra, o filho de Luso, agora senhor de Tirso, vê realizado o seu alto desejo. Pela dobragem do cabo, quando a rota inflecte na direcção dos países da aurora, a natureza terrível é sublimada pelo amor.
[TELMO, 2016: 67-68]

Pedro Cuiça © no sítio (2019)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NIETZSCHE; Friedrich. Assim Falava Zaratustra. Lisboa: Guimarães Editores, 1985, pp. 376.
TELMO, António. Viagem a Granada. Sintra: Zéfiro, 2016, pp. 476. ISBN 978.989-677-143-0


Pedro Cuiça © Quinta da Regaleira (Sintra, 2016)


quinta-feira, 7 de março de 2019

Do Guerreiro


«O QUARTO INIMIGO DO GUERREIRO
Com efeito, pelo que me diz respeito, o sonho que vivo há oitenta anos é constituído por uma quantidade mínima de pesadelos. De resto, o que me é contrário deixa-me mais ou menos indiferente. A vida é um sonho. Perturba-me às vezes pensar no que haveria de mal por detrás desses pesadelos.
Estou velho. A velhice é, segundo o famoso Índio inventado por Castañeda, o quarto inimigo do guerreiro. Tentei sair deste “deixa andar”, depois de ter visto o meu fracasso a escrever a Gramática para o Abel Lacerda. O I Ching aconselhou-me retomar o caminho que em tempos pratiquei sob o impulso de Max Hölzer. Fiz várias tentativas de praticar a meditação. Vi, mais uma vez, que a minha individualidade vocacionada para a arte poética se dissolvia com a prática dessa meditação, em que, como sabe, temos de deixar toda a imagem, todo o sentido, todo o pensamento.
Eu sei que sou, como é cada homem, um misterioso mágico microcosmo que só se conhecerá tendo a coragem de descer ao poço da alma, se é que há alma e não só corpo. Isto hoje já não me entusiasma. Além disso o Jung, apesar do seu nome parecer chinês, está-me indicando que o caminho de um ocidental não é o do Oriente.
[TELMO, 2014: 189]

© Pedro Cuiça

António Telmo foi um sábio ancião. A leitura deste seu pequeno texto – O quarto inimigo do guerreiro – revela de forma exemplar, para além da sua enorme mestria e perspicácia, uma inquebrantável coragem intelectual. Quem conhece a sua Arte Poética bem sabe que a “poesia” a que alude é activa demanda, feita de experiências e de vivências operativas, longe de esvaimentos e vacuidades. Tal como conhecerá a sua alusão à inversão esotérica de oriente e ocidente…
Este seu texto lembrou-me o Zaratustra, inventado por Nietzsche, quando, ao descer a montanha onde viveu uma década, se cruzou com um velho santo num bosque e ao se apartar deste, após uma curta conversa, disse para si próprio: será que este santo ancião não sabe que Deus está morto (Gott ist tot)? Uma espécie de inopinada analogia face a outra “improvável” constatação: será que não sabem que, a determinada escala ou ponto de vista, não existe oriente nem ocidente? No entanto, a essa escala não se poderá negar a perspectiva da imutabilidade do Norte Geográfico… E, contudo, até essa permanência não passa de ilusão! Todavia, é possível descer às profundezas do Nadir e ascender às elevadas altitudes do Zénite. Parar é morrer?!

© algures na Net

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NIETZSCHEFriedrich. Assim Falava ZaratustraLisboa-. Guimarães Editores, 1985, pp. 376.
TELMO, António. Terra Prometida. Sintra: Zéfiro, 2014, pp. 214. ISBN 978-989-677-115-7

segunda-feira, 4 de março de 2019

Celestes


Pedro Cuiça © Centro Desportivo Nacional do Jamor (04/03/2019)

Com os pés bem assentes na terra, as caminhadas de domingo de manhã também percorrem magníficas PAISAGENS CELESTES...

domingo, 3 de março de 2019

O que são?


«O que são os homens para as pedras e as montanhas?» Há quase dois anos que fomos confrontados com esta questão num artigo da revista Sábado, sob o título “Missão: Limpar o Tecto do Mundo”. Uma pergunta, de estilo ecosófico, cuja lacónica resposta, avançada pelo jornalista Bruno Faria Lopes, nos surpreendeu pela sua singeleza e assertividade: «para as montanhas, em particular as mais altas, os homens significam lixo»!
Desde a primeira metade do século XX que somos alertados por diversos autores – como Rachel Carson ou Aldo Leopold, entre outros – para a destruição da natureza e problemas ambientais cuja diversidade e proporções têm vindo num assustador crescendo até aos dias de hoje. Mais do que resultados secundários de estilos de vida baseados no hiperconsumismo e na opulência, nos dias que correm levantam-se importantes questões sobre o ser e o fazer (ou o não fazer), em detrimento do ter. A ética ambiental ganha uma importância fulcral numa sociedade cuja sanidade mental e a alienação suscitam sérias dúvidas… O que são as pedras e as montanhas para os homens?