Pedro Cuiça © Terra Chã (Alcobertas/PNSAC, 19 de Maio de 2018)
«Na verdade,
tudo se conjuga para se poder afirmar que o mundo, a realidade empírica, a
representação que dela fazemos na nossa consciência, é largamente uma invenção
do nosso cérebro, mas é uma invenção coerente e útil, pois torna possível a
vida do organismo no seu mundo próprio, mundo que o animal percepciona criando
imagens que diferem de espécie para espécie, pois cada uma tem o seu ambiente,
o seu nicho particular, e portanto a imagem da realidade que lhe é própria. Uma
série considerável de observações e de experiências dá um forte apoio à
conclusão fundamental de que o homem reconstrói, dá forma à sua «realidade» com
as informações recebidas pelos seus sentidos, e com o seu cérebro e com a sua
linguagem fazendo a «criação mental de mundos possíveis».
A
evolução dos organismos é basicamente um processo de acumulação de informações,
nos genes e na ontogenia («programa hereditário»), devido fundamentalmente ao
trabalho da selecção natural, repetindo-se a cada geração (ou série de
gerações) a aquisição realizada. É a memória genética do passado de opções
determinadas pela selecção. Ora, este princípio tanto se aplica às estruturas e
formas do organismo como ao seu comportamento. O organismo transforma
impressões recebidas do ambiente em partes da sua interioridade. Interactua com
o ambiente, havendo no animal como que uma tendência para interiorizar o mundo,
quer pelo alimento que ingere1 quer pela representação que faz desse
mesmo mundo. Houve uma propensão ao enriquecimento interior, à complicação em
profundidade, o que exigiu, como compensação, uma superfície
protectora-receptora muito elaborada, particularmente nos grupos mais
evolucionados.
A
evolução do sistema nervoso e a sua complexificação permitiram respostas cada
vez mais elaboradas e seleccionadas da parte do organismo. Tudo entrou em
diferenciação a partir da sensibilidade básica, nomeadamente as células
nervosas, os receptores e condutores de estímulos e a complicação em centros
nervosos, etc. Com os comportamentos inatos surgiram também formas de flexibilidade,
de maleabilidade do comportamento. Com a complexidade dos sistemas nervosos e
com as memórias que eles possuem, quer dizer, com a capacidade de acumular
informações e de o animal se recordar delas, desenvolveram-se, naturalmente,
formas elaboradas de aprendizagem individual criadora, nomeadamente com os
reflexos condicionados. Um dos passos decisivos foi a «representação central do
espaço», quer dizer, a capacidade de «reflectir de olhos fechados sobre o que a
memória contém», ou seja, a aptidão de lembrar o que está registado na memória
e de ponderar outras alternativas. Este passo fundamental está provavelmente na
origem da autoconsciência. Mesmo o desenvolvimento das noções de relações
temporais fez-se provavelmente em associação ou na dependência da capacidade de
representação do espaço. E com esta aptidão nasceu a possibilidade de fazer
experiências mentais, aventurar hipóteses de comportamento em cenários de
risco, em determinadas situações ecológicas (reais ou imaginárias), com a vantagem
de não se arriscar a pele, porque quem se expõe e morre é, por assim dizer, a
hipótese, substituindo na aventura aquele que a fez. Ora, esta aquisição é
provavelmente um dos pilares fundamentais da origem e evolução do espírito
humano.»
[SACARRÃO,
1991: 248-250]
Por
isso, e muito mais, vamos mas é escalar!...
Pedro Cuiça © Terra Chã (Alcobertas/PNSAC, 19 de Maio de 2018)
NOTA Pedestris
1- Interiorizar o mundo pelo alimento que ingere ou através do ar que inspira, mas que também expira, entre muitas outras interacções entre o indivíduo (?) e o
meio que (supostamente) o rodeia, de modo que se torna virtualmente
impossível delimitar, ou definir onde acaba e começa, a fronteira entre-ser indivíduo
e ambiente.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SACARRÃO,
Germano da Fonseca. Ecologia e Biologia do Ambiente – II As Interdependências e o Homem.
Mem Martins: Publicações Europa-América, 1991, vol. II, pp. 322.
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