"Só uma ou duas pessoas encontrei na vida que
compreendiam a Arte de Caminhar, ou seja, de dar passeios -; que tinham, por
assim dizer, o talento de SAUNTERING, palavra formosamente derivada das "pessoas
ociosas que na Idade Média percorriam terras e pediam esmola com o pretexto de
ir LA SAINTE TERRE, à Terra Santa", ao ponto de as crianças gritarem:
"Olha, um SAINTE-TERRER", um SAUNTERER - um que vai à Terra Santa. Os
que nunca vão à Terra Santa nas suas caminhadas, como pretendem fazer crer, não
passam de ociosos e vagabundos; mas quem lá vai é SAUNTERER no sentido que eu
considero bom. Há no entanto quem faça a palavra derivar de SANS TERRE, sem
terra ou sem casa; que pode considerar-se, aliás no bom sentido, o que não tem
residência certa e, seja onde for, está em casa. Porque o segredo de um bem
sucedido vaguear é este. Quem passar todo o tempo em casa pode ser o maior dos
andarilhos; mas quem vagueia no bom sentido não mais andarilho é do que o rio
sinuoso que procura, incansável e perseverante, o caminho mais curto para o
mar. Tenho porém preferência pela primeira e, de facto, mais provável
etimologia. Porque toda a caminhada é uma espécie de cruzada que um Pedro o
Eremita qualquer prega dentro de nós para partirmos e reconquistarmos a Terra
Santa nas mãos dos Infiéis.
(...)
Voltando à minha experiência pessoal, a mim e ao meu
companheiro - porque às vezes tenho um companheiro - agrada-nos imaginar que
somos cavaleiros de uma ordem nova, ou antes, antiga - não Ginetes ou
CHEVALIERS, não RITTERS ou RIDERS mas Caminhantes que ainda é, acredito, a mais
velha e honrosa das classes. Em tempos pertencente ao Cavaleiro, o espírito
cavaleiresco e heróico parece agora que reside, ou porventura assenta, no Caminhante
- não já Cavaleiro mas Caminheiro Andante."
Henry David Thoreau: Caminhar
Sem comentários:
Enviar um comentário