© Pedro Cuiça (8/04/2023) |
Os seguidores de [Isaac] Luria [cabalista do século XVI] inventaram ritos que lhes
possibilitaram participar no divino desconforto que penetrava todo o mundo.
Ficavam acordados à noite clamando por Deus como amantes, lamentando a dor da
separação que jaz no coração de tanta angústia humana. Eles faziam grandes caminhadas
no campo, vagueando como a Sakhinah* no exílio. Porém, Luria era
inflexível: não devia um abandono à autocomplacência. Os ritos da meia-noite
terminavam sempre de madrugada com uma meditação sobre a reunião de Sekhinah
com a Divindade. E, insistia Luria, os judeus que tinham sofrido o ostracismo
deviam comportar-se compassivamente: havia penitências por prejudicar ou
humilhar os outros.
O Caminho a Seguir
(…) Talvez devêssemos
sentir-nos mais perturbados, passando algum tempo a refletir todos os dias
sobre a dor que está a ser infligida tanto aos nossos companheiros humanos como
ao meio ambiente, considerando as vidas desfeitas no Iémen ou na Somália
devastadas pela guerra, a pobreza generalizada em África e a situação
desesperada dos islâmicos Rohingya e do povo da Ucrânia. Quase todos os dias,
emigrantes arriscam a morte cruzando o canal da Mancha em embarcações
inadequadas, esperando encontrar refúgio no Reino Unido, e alguns afogam-se ao
tentar. Porque não nos afligimos mais pela vergonhosa desigualdade em algumas
das nossas cidades ricas? Londres, onde vivo, é uma das mais abastadas do
mundo, contudo estima-se que um quarto da população viva na pobreza. Nos
Estados Unidos, há uma disparidade mais ampla entre ricos e pobres do que em
qualquer outra nação desenvolvida, e ao longo das últimas décadas esse fosso de
riqueza mais do que duplicou.
(…) A religião convoca-nos
para sermos dela [a dor] sempre conscientes de um modo que não nos deprima ou
esmague, mas que suscite compaixão, a capacidade de sentir com o outro – mesmo,
como Jesus nos recordou, com os nossos inimigos. Porque a compaixão nos liberta
da prisão do nosso ego, permite-nos experienciar a alteridade – a santidade –
do que chamamos Deus.
Mas, é claro, o
sofrimento que testemunhamos devia afligir-nos a todos, sejam quais forem as nossas
crenças ou a sua ausência. Precisamos de cismar nestas imagens de dor e
permitir que nos perturbem. Somente assim poderemos suscitar a compaixão – a capacidade
de «sentir com» outros – que inspira ação construtiva.
(pp. 93-96)
LIVRO:
ARMSTRONG, Karen. 2023. Natureza Sagrada - Recuperar o nosso vínculo com o mundo natural. Lisboa: Temas & Debates.
NOTA do autor do Blogue:
E porque se passou
mais um período de comemorações pascais, mas poderia ter sido a época natalícia
ou qualquer outro dia, não devemos olvidar o Espírito… O Espírito do Tempo, do Temp(l)o
que é chegado, aqui e agora. A Shekhinah, para muitos cristãos, ter-se-á manifestado
em diversas passagens do Novo Testamento, com especial destaque para o
dia de Pentecostes, no qual se verificou a descida do Espírito Santo: o Tempo
dos Lírios...
VER:
Espírito Santo: O Tempo dos Lírios
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