Na
sequência da comemoração dos 200 anos sobre o nascimento de Henry David Thoreau
e coincidindo com o convite da editora Antígona de «nesta silly season (…) seguirmos
o espírito insubmisso do autor e trocarmos a estância balnear pelo rumor
dos bosques e a água fresca dos rios», publicamos mais um
conjunto de intervenções efectuadas no âmbito da iniciativa Porquê Ler os Clássicos?
Ana Sofia Cardoso © Thoreau na Antígona (2017)
Conclusão (5/5/2011 00:54)
No capítulo
XVIII (“Conclusão”), que finaliza “Walden ou A Vida nos Bosques”, Thoreau
volta a acentuar a sua faceta moralista, à semelhança do que fez no capítulo de
abertura da obra. Mas ao contrário do capítulo I no qual o autor explica porque
é que decidiu ir para o Walden, desta feita centra-se na justificação do porquê
de abandonar o lago.
David Henry Thoreau foi instalar-se nos bosques à beira
do lago Walden para VIVER. “Fui para os bosques porque pretendia viver
deliberadamente, defrontar-me apenas com os factos essenciais da vida, e ver se
podia aprender o que ela tinha a ensinar-me, em vez de descobrir à hora da
morte que não tinha vivido. Não desejava viver o que não era vida, sendo a vida
tão maravilhosa, nem desejava praticar a resignação, a menos que fosse de todo
necessária. Queria viver em profundidade e sugar toda a medula da vida, viver
tão vigorosa e espartanamente a ponto de pôr em debandada tudo o que não fosse
vida, deixando o espaço limpo e raso; encurralá-la num beco sem saída,
reduzindo-a aos seus elementos mais primários, e, se esta se revelasse
mesquinha, adentrar-me então na sua total e genuína mesquinhez e proclamá-la ao
mundo; e se fosse sublime, sabê-lo por experiência, e ser capaz de explicar
tudo isso na próxima digressão.” (p. 108)
Thoreau viveu uma experiência sublime, soube
explicá-la e resolveu que a mesma estava cumprida sendo o momento de partir
para outra… “Os médicos, com sabedoria, recomendam aos enfermos mudança de
clima e de ambiente.” (p. 347) “A nossa
viagem é apenas um grande círculo de navegação, (…).” (p. 347), uma
peregrinação ou peregrinações que não só poderão como deverão seguir vários
rumos; numa descoberta, mais do que externa, do interior, uma viagem do “self”.
“Olhai bem a vossa mente, nela pela certa Encontrareis mil regiões não
descobertas. Percorrei-as, que assim sereis um dia Conhecedor da própria
cosmografia.” (p. 348)
Que representam as conquistas ou descobertas
geográficas comparadas com as dos “próprios rios e oceanos”? Thoreau desafia:
“explorai as mais remotas das vossas próprias latitudes, (…) sede um Colombo de
todos os novos continentes e mundos que existem dentro de vós, abrindo novos
canais, não de comércio, mas de pensamento” (p. 348). Thoreau não só desafia
como exprime surpresa perante os homens que “amam o solo pátrio” mas não sentem
nenhuma simpatia pelo espírito que ainda lhes anima o barro” (p. 348). E, nesse
contexto, exprime a necessidade do conhecimento de si próprio. Como amante dos
clássicos, Thoreau segue a máxima desenvolvida no seio do movimento reformador
da Grécia Antiga, a prisca theologia de Marsilio Ficino, que passa por Orfeu,
Pitágoras, Sócrates, Platão e continua com os neoplatónicos e com os cristãos
gnósticos: “Conhece-te a ti próprio”. “Não cabe ao homem colocar-se em oposição
à sociedade, mas manter-se em atitude compatível com as leis do seu ser (…).”
(p. 350)
Thoreau, que tanto importância dava aos ciclos
naturais, alerta simultaneamente para a importância de não cair em rotinas, de
trilhar novo caminhos pessoais. “Deixei os bosques por uma razão tão boa como
aquela que para lá me levou. Talvez por me ter parecido que tinha várias vidas
para viver, não podendo desperdiçar mais tempo naquela. É impressionante a
facilidade com que insensivelmente caímos numa determinada rotina e
estabelecermos para nós um trilho batido.” (p. 350) “A superfície da terra é
macia e sensível aos pés dos homens; o mesmo acontece com as veredas por onde a
mente viaja. (…) Quão arraigados os hábitos da tradição e do conformismo!” (p.
351)
“Com a minha experiência aprendi pelo menos isto: se
uma pessoa avançar confiantemente na direcção dos seus sonhos, se se esforçar
por viver a vida que imaginou, há-de deparar com um êxito inesperado nas horas
rotineiras. Há-de deixar para trás uma porção de coisas e atravessar uma
fronteira invisível; (…). À medida que ela simplificar a sua vida, as leis do
universo hão-de parecer-lhe menos complexas, a solidão deixará de ser solidão,
a pobreza deixará de ser pobreza, a fraqueza deixará de ser fraqueza. Se
construístes castelos no ar, não terá sido em vão esse vosso trabalho; porque
eles estão onde deviam estar. Agora, por baixo, colocai os alicerces.” (p. 351)
Thoreau não teme a busca de si próprio, dos seus
caminhos, receia é não ser suficientemente ousado. “Temo sobretudo que a minha
expressão não seja suficientemente extra-vagante, que não se aventure bastante
além dos estreitos limites da minha experiência diária, de modo a adequar-me à
verdade de que me convenci. Extra vagância” Esta depende de quanto estais
encurralados. (…) Desejo falar sem papas na língua seja onde for; como um homem
em estado de alerta a outros homens em estado de alerta; pois estou convicto de
que não posso exagerar tanto a ponto de lançar as fundações de uma expressão verdadeira.
Quem é que, depois de ter ouvido uma composição musical, recearia falar
extravagantemente? (…) O senso mais comum é o dos homens adormecidos, que o
exprimem roncando.” (p. 352)
“Deverá um homem enforcar-se por pertencer à raça dos
pigmeus, em vez de ser o maior pigmeu, em vez de ser o maior pigmeu que puder?
(…) Se um homem não acerta o passo com os seus companheiros é porque talvez
ouça um tambor diferente.” (p. 353)
Ao fim ao cabo, o autor de “Walden e a Vida nos
Bosques” defende uma busca ousada dos próprios rumos, daquilo em que acredita.
E, nesse pressuposto, conta a história de Kouru, o “artista disposto a buscar a
perfeição”, que decidiu “fazer um bastão” (p. 354) mas acabou por fazer “um
novo sistema (p. 355). Thoreau defende não só a plenitude de viver, como viver
a/na verdade. “Nenhum aspecto que possamos dar a um assunto nos trará por fim
tanto proveito como a verdade. Só ela assenta bem. (…) Dizei o que tendes a
dizer, e não o que deveis dizer. Qualquer verdade é melhor que o fingimento.”
(p. 355) Voltamos aos capítulos primeiros, ao fecho do ciclo “Walden”, nos
quais Thoreau elogia e “pobreza voluntária” (p. 29) e proclama a necessidade
primordial de viver de forma simples: “Simplicidade, simplicidade,
simplicidade!” (p. 109) E VERDADE!
Thoreau não só incita ao cultivo da “pobreza como um
jardim de ervas, de salva.” (p. 356) como alerta para a frivolidade e
“algazarra dos meus contemporâneos” (p. 357). “Mais que amor, dinheiro e fama,
dai-me a verdade, Sentei-me a uma mesa onde a comida era fina, os vinhos
abundantes e o serviço impecável, mas onde faltavam sinceridade e verdade, e
com fome me fui embora do inóspito recinto. A hospitalidade era fria como os
sorvetes.” (p. 358-359) Sim, VIVER a/na VERDADE!
“Mais do que amor, dinheiro, fama, concedam-me
verdade. Sentei-me a uma mesa que exibia comida sofisticada e vinho em
abundância, uma companhia subserviente, mas onde não existia sinceridade e
verdade; e parti faminto da mesa hostil. A hospitalidade era fria como gelo.”
Esta passagem de “Walden” estava sublinhada num dos livros encontrados junto
aos restos mortais de Chris McCandless. No topo da página McCandless tinha
escrito à mão e em grandes letras maiúsculas a palavra “VERDADE” (Krakauer in
“O Lado Selvagem”, 2010, p. 132).
Nesta conclusão talvez não sejam tão despropositadas
como, a primeira vista possa parecer, as frases já proferidas neste fórum: “
Estar vivo é o contrário de estar morto” e “A verdade é o contrário da
mentira”!
“A luz que ofusca os nossos olhos é escuridão para
nós. Só amanhece o dia para o qual estamos acordados. Mais dia está por raiar.
O sol não passa de uma estrela matutina.” (p. 362) “Compreendestes a vastidão
da Terra? Onde fica o caminho para a morada da luz, e qual é o lugar da
escuridão?...” (O Livro de Job)
Se tivesse de escolher o pensamento ou a frase lapidar
de “Walden ou A Vida dos Bosques” seria aquela que destaquei pela primeira vez
como frase favorita neste fórum: “Simplicidade, simplicidade, simplicidade! (…)
Simplificar, simplificar, simplificar.” (p. 109).
Referência bibliográfica
THOREAU, Henry David. Walden ou A Vida nos Bosques.
Lisboa: Edições Antígona, 1999, pp. 368. ISBN 972-608-106-8
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