A protecção e, sobretudo, a conservação da
natureza adquiriram uma importância crescente, essencialmente a partir da
Revolução Industrial (séc. XIX), quando se começou a tomar consciência dos problemas
ambientais resultantes de significativos e pertinentes impactes antrópicos.
Desde essa altura até ao presente, essa tomada de consciência consubstanciou-se
no desenvolvimento de diversas medidas com vista senão à resolução desses
problemas pelo menos à tentativa (?) de mitigação dos mesmos. De entre essas
medidas destacamos os processos educativos desenvolvidos no âmbito das
actividades de ar livre, mormente através da realização de percursos pedestres.
No entanto, nessas actividades pedestres, muitas vezes ditas de “interpretação”,
confundem-se por vezes diversos conceitos e perspectivas educativas,
designadamente a educação ambiental e a educação para o desenvolvimento
sustentável.
Educação
Ambiental e Sustentabilidade
No “workshop” internacional de Educação
Ambiental (EA) organizado, em 1970, pela UICN – União Internacional
para a Conservação da Natureza (hoje União Mundial para a Conservação) foi
avançada uma das primeiras definições de EA: “processo que consiste em
reconhecer valores e clarificar conceitos com o objectivo de incrementar as
atitudes necessárias para compreender e apreciar as inter-relações entre o
Homem, a sua cultura e o meio biofísico” (CARAPETO, 1998).
Na Conferência Intergovernamental do Ambiente
Humano realizada na Suécia, em 1972, foi elaborada uma recomendação específica sobre
EA. A recomendação 96 da “Conferência de Estocolmo” referia que a educação
relativa ao ambiente tinha por objectivos “formar uma população mundial
consciente e preocupada com o ambiente e com os problemas a ele ligados, uma
população que tenha os conhecimentos, as competências, o estado de espírito, as
motivações e o sentido de compromisso que lhe permita trabalhar individual e
colectivamente na resolução das dificuldades actuais, e impedir que elas se
apresentem de novo” (EVANGELISTA, 1992).
No “workshop” sobre EA realizado, em
1975, sob os auspícios da UNESCO foi elaborada a Carta de Belgrado sobre EA. O
Conselho da Europa organizou em Haia, também no ano de 1975, o “Seminário
Internacional sobre Educação Mesológica num Quadro Urbano e Rural”, que quase
coincidiu com o evento de Belgrado. Neste seminário verificou-se que numerosos
países não tinham uma noção nítida dos objectivos de uma política de EA (ibidem).
Essa constatação revelava que essa tipologia educativa, na altura também
designada “educação mesológica”, não estaria na sua globalidade a ser
implementada da melhor forma. Dominava então a tendência conservacionista e a
simples observação, sendo frágil a articulação dos diversos elementos que
deveriam contribuir para a interpretação e, mais importante, a tomada de
acções. As ciências da natureza ou a ecologia predominavam na maior parte dos países,
porque o sector do ambiente, a nível estatal, estava ainda numa fase incipiente
(ibidem). No entanto, será de salientar que um relatório escocês, datado
de 1963, já concluía: “A educação mesológica não deve visar unicamente a protecção
e ou a salvaguarda da natureza, mas englobar os problemas do ambiente criado
pelo homem” (ibidem).
Adstrito aos processos de EA esteve, desde
logo, implícita a intenção de empreender acções concretas com vista à resolução
ou mitigação dos problemas ambientais. Apesar desse desiderato se encontrar
expresso nas definições de EA, em muitos países, incluindo Portugal, as acções
educativas circunscreveram-se amiúde à expressão mais simples de mera sensibilização
ambiental. A EA constitui, sem dúvida, um processo de reconhecimento de
valores e de clarificação de conceitos mas deve visar sobretudo a aquisição de
capacidades, comportamentos e atitudes necessárias para abarcar as relações de
interdependência entre o Homem, o seu meio cultural e o ambiente (GONÇALVES et
al., 2007). Essas características marcadamente intervencionistas foram
manifestando uma progressiva importância à medida que os processos de EA foram
amadurecendo, tornando-se prioritários sobretudo a partir do momento em que o
conceito de desenvolvimento sustentável passou a estar na ordem do dia
(após a sua definição pela Comissão Brundtland, 1987). Os aspectos sociais e
económicos, inicialmente restritos ou ausentes, passaram a desempenhar um papel
cada vez mais importante e os processos de EA a abarcar um espectro temático muito
amplo e a envolver um número cada vez maior de elementos, num contexto de
interdisciplinaridade.
A educação para a sustentabilidade
surge como uma necessidade fundamental de alertar e esclarecer para o caminho
que deve ser seguido para melhorar as condições ambientais do planeta, para uma
vivência em harmonia com o ambiente (ibidem). Educar para um futuro
sustentável, sob este ponto de vista de uma holística interdependência, exigirá
a aprendizagem sobre as interacções dos processos ecológicos, mas implica igualmente
integrar tanto o estudo dos mercados, como os valores culturais e a tomada de
decisões sobre, por exemplo, como diminuir a “pegada ecológica”. Aos
cidadãos depara-se o compromisso de aprender a reflectir criticamente sobre o
seu lugar no mundo, questionando o que a sustentabilidade significa e implica
não só em termos individuais mas também para a comunidade em que estes se
inserem, em última análise o vasto condomínio que é a Terra: “pensar
global, agir local”. Os princípios orientadores de uma intervenção
estratégica no domínio da EA para a sustentabilidade visarão uma cidadania
ambiental interveniente.
O ensino-aprendizagem desenvolvido,
nomeadamente em contexto escolar, cria decerto habilidades capazes de se
transferirem para contextos ambientais, quer seja na escola ou não. Outra
maneira pela qual uma primeira aprendizagem permite um desempenho posterior
mais eficiente é aquilo a que, adequadamente, se chama transferência não
específica ou, com maior exactidão, transferência de princípios e atitudes
(BRUNER, 1998).
Relativamente à aplicação do conceito de
desenvolvimento sustentável, e concomitantemente à implementação de
metodologias de educação para a sustentabilidade, é importante que os formadores
estejam seguros do que estão a ensinar. No entanto, tal não é fácil tendo em
conta que existem diversas correntes de pensamento, resultado daquilo a que os
alemães chamam Weltanschauung – diferentes perspectivas do mundo
(SPRINTHALL & SPRINTHALL, 1997). O que tem sido escrito sobre
desenvolvimento sustentável não tem colhido consensos na comunidade em geral e
na comunidade científica em particular, em especial no que se refere ao
significado de “sustentável” (FIGUEIREDO, 2006; GONÇALVES et al., 2007).
Esta ambiguidade tem suscitado alguns problemas no que concerne à clarificação
de questões de ordem política, filosófica e técnica, que desta forma permanecem
por resolver (GONÇALVES et al., 2007). Esta ambiguidade reflecte-se,
também, inevitavelmente, nos objectivos educacionais, nos métodos e modelos de
ensino, na escolha de elementos para um ensino eficaz e, como não podia deixar
de ser, nas próprias políticas educativas.
Conclusão
O conceito de EA tem experimentado uma assinalável
evolução ao longo dos tempos. Inicialmente apresentava um carácter quase
exclusivamente conservacionista, centrado curiosamente na ecologia enquanto
ciência. Nos dias de hoje apresenta duas grandes tendências, ambas marcadamente
interdisciplinares e intervencionistas. Uma associada a correntes de pensamento
ecocêntricas ou biocêntricas, enquadradas sob a denominação de “ecologia
profunda” (deep ecology), e uma outra ligada a concepções
antropocêntricas, enquadradas sob a denominação de “ambientalistas” ou de “ecologia
superficial” (shallow ecology) (FERRY, 1993; PEPPER, 2000). As primeiras
manifestam-se geralmente contra a globalização e o modelo ocidental de
progresso, defendendo uma clara ligação à natureza e concepções proteccionistas
na linha de um John Muir. As últimas, claramente maioritárias, defendem a
construção de um futuro pensado e vivenciado segundo uma lógica de
desenvolvimento e progresso. “Neste contexto, a EA é aceite, cada vez mais,
como sinónimo de educação para o desenvolvimento sustentável ou educação para a
sustentabilidade” (INA, 1989 in GONÇALVES et al., 2007).
As actividades de ar livre em geral e o
pedestrianismo em particular, quer na sua praxis
habitual quer em acções de âmbito educativo, não deverão ignorar a evolução
conceptual e filosófica no que concerne ao Ambiente (melhor seria dizer "Natureza"), designadamente nos domínios da ética e da estética.
(Pedro Cuiça,
2012)
Referências
bibliográficas
BRUNER, Jerome – O
Processo da Educação. Lisboa: Edições 70, 1998. ISBN 972-44-0976-7
CARAPETO, Cristina – Educação
Ambiental. Lisboa: Universidade Aberta, 1998. ISBN 972-674-255-2
EVANGELISTA, João – Razão
e Porvir da Educação Ambiental. Lisboa: Instituto Nacional do Ambiente,
1992. ISBN 972-9300-02-X
FERRY, Luc – A
Nova Ordem Ecológica. Porto: Edições Asa, 1993. ISBN 972-41-1297-7
FIGUEIREDO, Orlando – A
controvérsia na educação para a sustentabilidade: uma reflexão sobre a escola
do século XXI. Disponível em http://nonio.eses.pt/interaccoes/artigos/D1.pdf,
2006. [Consult. 2 Abr.
2012]
GONÇALVES, Fernando et
al. – Actividades Práticas em Ciência e Educação Ambiental.
Lisboa: Instituto Piaget, 2007. ISBN 978-972-771-855-9
MORGADO, Fernando; PINHO,
Rosa; LEÃO, Fernando – Educação Ambiental – Para um ensino
interdisciplinar e experimental da Educação Ambiental. Lisboa: Plátano
Edições Técnicas, 2000. ISBN 972-707-274-7
PEPPER, David – Ambientalismo
Moderno. Lisboa: Instituto Piaget, 2000. ISBN 972-771-221-5
SPRINTHALL, Norman A.
& SPRINTHALL, Richard C. – Psicologia Educacional – Uma
Abordagem Desenvolvimentista. Alfragide: McGraw-Hill de Portugal, 1997.
ISBN 972-9241-37-6
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