quarta-feira, 19 de março de 2014

Educação Natural(mente)...


A protecção e, sobretudo, a conservação da natureza adquiriram uma importância crescente, essencialmente a partir da Revolução Industrial (séc. XIX), quando se começou a tomar consciência dos problemas ambientais resultantes de significativos e pertinentes impactes antrópicos. Desde essa altura até ao presente, essa tomada de consciência consubstanciou-se no desenvolvimento de diversas medidas com vista senão à resolução desses problemas pelo menos à tentativa (?) de mitigação dos mesmos. De entre essas medidas destacamos os processos educativos desenvolvidos no âmbito das actividades de ar livre, mormente através da realização de percursos pedestres. No entanto, nessas actividades pedestres, muitas vezes ditas de “interpretação”, confundem-se por vezes diversos conceitos e perspectivas educativas, designadamente a educação ambiental e a educação para o desenvolvimento sustentável.

Educação Ambiental e Sustentabilidade
No “workshop” internacional de Educação Ambiental (EA) organizado, em 1970, pela UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza (hoje União Mundial para a Conservação) foi avançada uma das primeiras definições de EA: “processo que consiste em reconhecer valores e clarificar conceitos com o objectivo de incrementar as atitudes necessárias para compreender e apreciar as inter-relações entre o Homem, a sua cultura e o meio biofísico” (CARAPETO, 1998).
Na Conferência Intergovernamental do Ambiente Humano realizada na Suécia, em 1972, foi elaborada uma recomendação específica sobre EA. A recomendação 96 da “Conferência de Estocolmo” referia que a educação relativa ao ambiente tinha por objectivos “formar uma população mundial consciente e preocupada com o ambiente e com os problemas a ele ligados, uma população que tenha os conhecimentos, as competências, o estado de espírito, as motivações e o sentido de compromisso que lhe permita trabalhar individual e colectivamente na resolução das dificuldades actuais, e impedir que elas se apresentem de novo” (EVANGELISTA, 1992).
No “workshop” sobre EA realizado, em 1975, sob os auspícios da UNESCO foi elaborada a Carta de Belgrado sobre EA. O Conselho da Europa organizou em Haia, também no ano de 1975, o “Seminário Internacional sobre Educação Mesológica num Quadro Urbano e Rural”, que quase coincidiu com o evento de Belgrado. Neste seminário verificou-se que numerosos países não tinham uma noção nítida dos objectivos de uma política de EA (ibidem). Essa constatação revelava que essa tipologia educativa, na altura também designada “educação mesológica”, não estaria na sua globalidade a ser implementada da melhor forma. Dominava então a tendência conservacionista e a simples observação, sendo frágil a articulação dos diversos elementos que deveriam contribuir para a interpretação e, mais importante, a tomada de acções. As ciências da natureza ou a ecologia predominavam na maior parte dos países, porque o sector do ambiente, a nível estatal, estava ainda numa fase incipiente (ibidem). No entanto, será de salientar que um relatório escocês, datado de 1963, já concluía: “A educação mesológica não deve visar unicamente a protecção e ou a salvaguarda da natureza, mas englobar os problemas do ambiente criado pelo homem” (ibidem).
Adstrito aos processos de EA esteve, desde logo, implícita a intenção de empreender acções concretas com vista à resolução ou mitigação dos problemas ambientais. Apesar desse desiderato se encontrar expresso nas definições de EA, em muitos países, incluindo Portugal, as acções educativas circunscreveram-se amiúde à expressão mais simples de mera sensibilização ambiental. A EA constitui, sem dúvida, um processo de reconhecimento de valores e de clarificação de conceitos mas deve visar sobretudo a aquisição de capacidades, comportamentos e atitudes necessárias para abarcar as relações de interdependência entre o Homem, o seu meio cultural e o ambiente (GONÇALVES et al., 2007). Essas características marcadamente intervencionistas foram manifestando uma progressiva importância à medida que os processos de EA foram amadurecendo, tornando-se prioritários sobretudo a partir do momento em que o conceito de desenvolvimento sustentável passou a estar na ordem do dia (após a sua definição pela Comissão Brundtland, 1987). Os aspectos sociais e económicos, inicialmente restritos ou ausentes, passaram a desempenhar um papel cada vez mais importante e os processos de EA a abarcar um espectro temático muito amplo e a envolver um número cada vez maior de elementos, num contexto de interdisciplinaridade.
A educação para a sustentabilidade surge como uma necessidade fundamental de alertar e esclarecer para o caminho que deve ser seguido para melhorar as condições ambientais do planeta, para uma vivência em harmonia com o ambiente (ibidem). Educar para um futuro sustentável, sob este ponto de vista de uma holística interdependência, exigirá a aprendizagem sobre as interacções dos processos ecológicos, mas implica igualmente integrar tanto o estudo dos mercados, como os valores culturais e a tomada de decisões sobre, por exemplo, como diminuir a “pegada ecológica”. Aos cidadãos depara-se o compromisso de aprender a reflectir criticamente sobre o seu lugar no mundo, questionando o que a sustentabilidade significa e implica não só em termos individuais mas também para a comunidade em que estes se inserem, em última análise o vasto condomínio que é a Terra: “pensar global, agir local”. Os princípios orientadores de uma intervenção estratégica no domínio da EA para a sustentabilidade visarão uma cidadania ambiental interveniente.
O ensino-aprendizagem desenvolvido, nomeadamente em contexto escolar, cria decerto habilidades capazes de se transferirem para contextos ambientais, quer seja na escola ou não. Outra maneira pela qual uma primeira aprendizagem permite um desempenho posterior mais eficiente é aquilo a que, adequadamente, se chama transferência não específica ou, com maior exactidão, transferência de princípios e atitudes (BRUNER, 1998).
Relativamente à aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável, e concomitantemente à implementação de metodologias de educação para a sustentabilidade, é importante que os formadores estejam seguros do que estão a ensinar. No entanto, tal não é fácil tendo em conta que existem diversas correntes de pensamento, resultado daquilo a que os alemães chamam Weltanschauung – diferentes perspectivas do mundo (SPRINTHALL & SPRINTHALL, 1997). O que tem sido escrito sobre desenvolvimento sustentável não tem colhido consensos na comunidade em geral e na comunidade científica em particular, em especial no que se refere ao significado de “sustentável” (FIGUEIREDO, 2006; GONÇALVES et al., 2007). Esta ambiguidade tem suscitado alguns problemas no que concerne à clarificação de questões de ordem política, filosófica e técnica, que desta forma permanecem por resolver (GONÇALVES et al., 2007). Esta ambiguidade reflecte-se, também, inevitavelmente, nos objectivos educacionais, nos métodos e modelos de ensino, na escolha de elementos para um ensino eficaz e, como não podia deixar de ser, nas próprias políticas educativas.

Conclusão
O conceito de EA tem experimentado uma assinalável evolução ao longo dos tempos. Inicialmente apresentava um carácter quase exclusivamente conservacionista, centrado curiosamente na ecologia enquanto ciência. Nos dias de hoje apresenta duas grandes tendências, ambas marcadamente interdisciplinares e intervencionistas. Uma associada a correntes de pensamento ecocêntricas ou biocêntricas, enquadradas sob a denominação de “ecologia profunda” (deep ecology), e uma outra ligada a concepções antropocêntricas, enquadradas sob a denominação de “ambientalistas” ou de “ecologia superficial” (shallow ecology) (FERRY, 1993; PEPPER, 2000). As primeiras manifestam-se geralmente contra a globalização e o modelo ocidental de progresso, defendendo uma clara ligação à natureza e concepções proteccionistas na linha de um John Muir. As últimas, claramente maioritárias, defendem a construção de um futuro pensado e vivenciado segundo uma lógica de desenvolvimento e progresso. “Neste contexto, a EA é aceite, cada vez mais, como sinónimo de educação para o desenvolvimento sustentável ou educação para a sustentabilidade” (INA, 1989 in GONÇALVES et al., 2007).
As actividades de ar livre em geral e o pedestrianismo em particular, quer na sua praxis habitual quer em acções de âmbito educativo, não deverão ignorar a evolução conceptual e filosófica no que concerne ao Ambiente (melhor seria dizer "Natureza"), designadamente nos domínios da ética e da estética.

(Pedro Cuiça, 2012)



Referências bibliográficas
BRUNER, Jerome – O Processo da Educação. Lisboa: Edições 70, 1998. ISBN 972-44-0976-7
CARAPETO, Cristina – Educação Ambiental. Lisboa: Universidade Aberta, 1998. ISBN 972-674-255-2
EVANGELISTA, João – Razão e Porvir da Educação Ambiental. Lisboa: Instituto Nacional do Ambiente, 1992. ISBN 972-9300-02-X
FERRY, Luc – A Nova Ordem Ecológica. Porto: Edições Asa, 1993. ISBN 972-41-1297-7
FIGUEIREDO, Orlando – A controvérsia na educação para a sustentabilidade: uma reflexão sobre a escola do século XXI. Disponível em http://nonio.eses.pt/interaccoes/artigos/D1.pdf, 2006. [Consult. 2 Abr. 2012]
GONÇALVES, Fernando et al.Actividades Práticas em Ciência e Educação Ambiental. Lisboa: Instituto Piaget, 2007. ISBN 978-972-771-855-9
MORGADO, Fernando; PINHO, Rosa; LEÃO, Fernando – Educação Ambiental – Para um ensino interdisciplinar e experimental da Educação Ambiental. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2000. ISBN 972-707-274-7
PEPPER, David – Ambientalismo Moderno. Lisboa: Instituto Piaget, 2000. ISBN 972-771-221-5
SPRINTHALL, Norman A. & SPRINTHALL, Richard C. – Psicologia Educacional – Uma Abordagem Desenvolvimentista. Alfragide: McGraw-Hill de Portugal, 1997. ISBN 972-9241-37-6

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