terça-feira, 18 de março de 2014

Algo...

...uma questão (ou questões) de ética e de estética:

"Com excepção do amor e da guerra, poucos empreendimentos são iniciados com uma tal entrega, ou por tão grande diversidade de indivíduos ou por uma mistura tão paradoxal de apetite e de altruísmo, como esse conjunto de ocupações conhecido por lazer ou recreio ao ar livre. (…)
O lazer ao ar livre tornou-se um problema conceptualmente identificado nos tempos do primeiro Roosevelt [1858-1919], quando as ferrovias que tinham expulsado o campo da cidade começaram a transportar citadinos, en masse, para o campo. Começou a notar-se que quanto maior o êxodo, mais pequena era a ração per capita de paz, solidão, vida selvagem e beleza paisagística, e mais longínqua a migração capaz de as alcançar.
O automóvel espalhou estes inconvenientes, outrora moderados e localizados, até aos limites extremos das boas estradas – tornando escasso no interior do país algo outrora abundante em qualquer terreola. Mas esse algo tem não obstante que ser encontrado. Como os iões emitidos pelo sol, os que partem aos fins-de-semana irradiam de todas as cidades, gerando calor e fricção à sua passagem. A indústria turística fornece cama e mesa para atrair mais iões, mais depressa, mais longe.
(…) O Homo sapiens já não se contenta com a rotina à sombra da sua própria vinha e figueira; ele verteu no seu depósito de gasolina a força motora armazenada de inúmeras criaturas que aspiram, desde épocas remotas, a abrir caminho, serpenteando, agitadamente através de novas pastagens. Como formiga, ele enxameia os continentes.
(…) As políticas públicas em matéria de recreação ao ar livre são controversas. Cidadãos igualmente conscienciosos afirmam concepções opostas sobre o que essa recreação é, e sobre o que se deveria fazer para conservar os recursos em que se baseia. Assim, a Wilderness Society (Sociedade para a Natureza Selvagem) procura excluir as estradas das zonas do interior remoto, enquanto a câmara do comércio procura multiplicá-las, e ambas o fazem em nome da recreação."

Aldo Leopold – Pensar Como Uma Montanha (Edições Sempre-em-Pé, 2008)

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