...uma questão (ou questões) de ética e de estética:
"Com excepção do amor e
da guerra, poucos empreendimentos são iniciados com uma tal entrega, ou por tão
grande diversidade de indivíduos ou por uma mistura tão paradoxal de apetite e
de altruísmo, como esse conjunto de ocupações conhecido por lazer ou recreio ao
ar livre. (…)
O lazer ao ar livre
tornou-se um problema conceptualmente identificado nos tempos do primeiro
Roosevelt [1858-1919], quando as
ferrovias que tinham expulsado o campo da cidade começaram a transportar
citadinos, en masse, para o campo. Começou a notar-se que quanto maior o êxodo,
mais pequena era a ração per capita de paz, solidão, vida selvagem e beleza
paisagística, e mais longínqua a migração capaz de as alcançar.
O automóvel espalhou
estes inconvenientes, outrora moderados e localizados, até aos limites extremos
das boas estradas – tornando escasso no interior do país algo outrora abundante
em qualquer terreola. Mas esse algo tem não obstante que ser encontrado. Como
os iões emitidos pelo sol, os que partem aos fins-de-semana irradiam de todas
as cidades, gerando calor e fricção à sua passagem. A indústria turística
fornece cama e mesa para atrair mais iões, mais depressa, mais longe.
(…) O Homo sapiens
já não se contenta com a rotina à sombra da sua própria vinha e figueira; ele
verteu no seu depósito de gasolina a força motora armazenada de inúmeras
criaturas que aspiram, desde épocas remotas, a abrir caminho, serpenteando,
agitadamente através de novas pastagens. Como formiga, ele enxameia os
continentes.
(…) As políticas
públicas em matéria de recreação ao ar livre são controversas. Cidadãos
igualmente conscienciosos afirmam concepções opostas sobre o que essa recreação
é, e sobre o que se deveria fazer para conservar os recursos em que se baseia.
Assim, a Wilderness Society (Sociedade para a Natureza Selvagem) procura
excluir as estradas das zonas do interior remoto, enquanto a câmara do comércio
procura multiplicá-las, e ambas o fazem em nome da recreação."
Aldo Leopold – Pensar
Como Uma Montanha (Edições Sempre-em-Pé, 2008)
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