sexta-feira, 5 de junho de 2020

É (d)o tempo...




O Dia Mundial do Ambiente foi criado, a 5 de Junho de 1972, durante a Conferência das Nações Unidas de Estocolmo. Essa foi a primeira vez que o ambiente foi tema de uma Conferência das Nações Unidas: a depleção dos recursos naturais, a poluição e a explosão demográfica já constituíam problemas demasiadamente graves para serem ignorados. O designado “Clube de Roma”, já em 1968, tinha colocado em causa Os Limites do Crescimento, numa obra que se tornou mundialmente famosa… Daí até hoje, meio século passado (!); temos vindo a assistir ao agravamento das condições ambientais, a nível global e local, com as alterações climáticas e a biodiversidade a ocupar a agenda dos media, a par dos plásticos nos oceanos (e por toda a parte) ou dos agroquímicos, entre  outras graves maleitas.
Sim, Gaia – a Terra-Mãe – está doente e, obviamente, “o mal” não é de agora. Também foi criado um Dia da Terra, celebrado a 22 de Abril (desde 1970). Hoje há dias para tudo, quando paradoxalmente de pouco ou nada servem! E, de boas intenções (para não falar das más!) está o Inferno cheio!!! Chega de branqueamentos e encobrimentos (greenwaching): quando o dogma do crescimento ilimitado era um tabu inquestionável foi preciso vir um vírus para pôr travão a fundo na economia e baixar os níveis de poluição atmosférica a valores que não se viam há décadas. De resto, a preocupação generalizada é pôr “pé-a-fundo” no acelerador da economia, com vista a um rápido retorno à “normose” do crescimento infinito… Como se tal fosse possível!!!
É tempo de agir – de acção directa – mas sob renovadas formas. Nesse contexto, deixo aqui um trecho da palestra Espírito Santo: O Tempo dos Lírios, que apresentei, a 31 de Maio – Domingo de Pentecostes –, no webinar O Espírito e a Terra, organizado pelo colectivo Irmânia.



(…) De acordo com o registo arqueológico, afastámo-nos (ou fomos separados?) da natureza, há cerca de 10 mil anos, com o início da civilização8. A revolução neolítica, decorrente da invenção da agricultura e da pastorícia, baseou-se na exploração da natureza, sob o pressuposto de que um diminuto conjunto de monoculturas e de animais domesticados poderia suportar um próspero e virtualmente infinito crescimento9 (WILSON, 2007: 21). Assim se iniciou o equivocado dogma do crescimento económico ilimitado! Assim a florescente e produtiva Mesopotâmia, situada no Crescente Fértil, entre os rios Tigre e Eufrates, se converteu numa região desolada devido à sobre-exploração dos “recursos” naturais (PONTING, 1992: 112).
A revolução industrial, que despoletou no terminus do século XVIII, traiu a natureza pela segunda vez com o desenvolvimento de maquinaria e de transportes motorizados, alimentados por combustíveis fósseis, o que originou um gigantesco e “imparável” crescimento da produção e da poluição, da população e do consumo. O dogma do crescimento ilimitado saiu, curiosamente, reforçado!! A depleção da natureza globalizou-se de forma brutal, a par dos poluentes e das alterações climáticas.
Entretanto a actual revolução técnico-científica, do século XXI, com base nas tecnologias da informação e comunicação, atraiçoou a natureza pela terceira vez, ao fomentar a convicção de que «os casulos de vida material urbana e suburbana são suficientes para a realização humana» (WILSON, 2007: 22). Situação catalisada pela pandemia de COVID-19, no âmbito do confinamento domiciliário de grande parte da população, a nível global, que abriu espaço a novos patamares de alienação e escravidão (in)voluntária ao estilo huxleyano do Admirável Mundo Novo. A natureza humana é, todavia, mais poderosa – porque ancestral, arquetípica e profunda – do que qualquer artifício material da vigente (mono)cultura globalista. «Não está na natureza dos seres humanos serem frangos em esplêndidos aviários.» (ibidem: 23). Nem está, decerto, na natureza dos frangos!
É neste contexto, com laivos apocalípticos, que surgem renovadas e fortificadas saudades do futuro, um futuro Paraíso terrestre: «de valorização do jogo sobre o trabalho, de simpatia pela cigarra» ao invés da formiga, do imperador com «características infantis de atenção contínua, de ignorância de códigos, manuais e fronteiras, de integração no sonho» (SILVA, 1989: 23-24). Mesmo que não se tenha «prova nenhuma de que seja possível algum dia readquirirmos [a] nossa infância», segundo Agostinho da Silva: «puro artigo de Fé do nosso povo».  Fé do nosso povo, dele, Agostinho da Silva, e minha, se digno. Fé no Espírito Santo.

Pedro Cuiça
Domingo de Pentecostes · 31 de Maio de 2020 · webinar Irmânia



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