sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Vem andar connosco


DR © Centro Desportivo Nacional do Jamor  (6 de Janeiro de 2019)

O programa Ande pela sua Saúde e pela Saúde do Planeta continua a promover passeios pedestres, neste novo ano, todos os domingos de manhã no Centro Desportivo Nacional do Jamor (CDNJ). Esta é uma iniciativa, gratuita e aberta a todos os interessados dos “8 aos 80”, que pretende implementar a prática regular de actividade física com base na caminhada integrada com outros exercícios light, designadamente através de banhos de floresta. Os benefícios para a saúde de uma prática regular de actividade física são comprovadamente inúmeros, ademais quando esta é efectuada ao ar livre e no seio da natureza.
Ande pela sua Saúde é um programa, coorganizado pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e pela Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal (FCMP), a não perder. Todas as actividades são devidamente enquadradas por detentores de Título Profissional de Treinador de Desporto em Pedestrianismo – Graus I, II e/ou III. O ponto de encontro é, às 9.30 a.m., junto da “parede de escalada” situada no Parque Urbano do Jamor (coordenadas UTM 29S 477682 4284222). É fundamental contrariar as estatísticas que colocam Portugal entre os 11 países mais sedentários do mundo! Domingo não fiques parado, vem andar connosco.



quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Através da paisagem


Lentamente, o meu cérebro começou a reajustar-se a espaços que não utilizava havia meses. Durante muito tempo, tinha vivido na universidade, em bibliotecas e salas de aula, de cenho franzido a olhar para ecrãs, a corrigir trabalhos, a tentar encontrar referências académicas. Era um outro tipo de perseguição. Ali eu era um animal diferente. Alguma vez viram um veado a sair do seu esconderijo? Dão um passo, param e ficam imóveis, com o nariz no ar, a olhar e a farejar. Um frémito nervoso poderá percorrer-lhe os flancos. E depois, tranquilizados por se sentirem em segurança, saem do meio dos arbustos para irem pastar. Naquela manhã, senti-me como o veado. Não que estivesse a farejar o ar ou parada com medo – mas tal como ele, estava dominada por modos muito antigos e emocionais de me deslocar através de uma paisagem, a experimentar formas de atenção e de comportamento que estavam para além do controlo consciente. Qualquer coisa dentro de mim comandava os meus passos sem que eu tivesse grande consciência disso. Talvez fossem milhões de anos de evolução, talvez fosse intuição, mas na minha busca de açores sinto-me tensa quando caminho ou estou imóvel ao sol, dou comigo a dirigir-me inconscientemente para zonas de luz, ou escapar-me para zonas de sombra estreitas e frias ao longo dos vastos intervalos entre os renques de pinheiros. Encolho-me se oiço o chamamento de um gaio, ou o grito de alarme repetido e zangado de um corvo. Estes dois sons podiam significar Alerta, humano! ou Alerta, açor! E naquela manhã eu estava a tentar encontrar um ocultando o outro. Essas antigas intuições fantasmagóricas que há milénios ligam corpo e espírito tinham-se afirmado, impondo a sua vontade, fazendo-me sentir incomodada sob a luz intensa do sol, inquieta no lado errado de uma cumeeira, de certo modo obrigada a caminhar sobre uma elevação coberta de ervas descoradas para chegar a qualquer coisa do outro lado que acabaria por se revelar um lago.
[MACDONALD, 2015: 14]


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MACDONALD, Helen. A de Açor. Alfragide: Lua de Papel, 2015, pp. 344. ISBN 978-989-23-3394-6

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Senso e Sentido

Hoje, que se realiza o lançamento do Volume X das Obras Completas de António Telmo, Capelas Imperfeitas, editadas pela casa Zéfiro, deparei-me com um pequeno texto – Carta íntima a mim próprio – integrante do Volume I dessa “colectânea”, A Terra Prometida, com interessantes considerandos acerca do senso e do sentido, que me remeteram para as caminhadas holotrópicas, mormente pelo marcado cariz sensorial destas. Afinal tudo está (inter)ligado a tudo e, ademais, algumas coisas mais que outras…


«O ouvido torna-se um foco de atenção quando falta a luz. O principal foco da atenção. Depois vem o olfacto e o tacto. A vista guia-se por estes três sentidos. Os filósofos para quem o mundo sensível é uma noite detêm o segredo da palavra que expulsa os ídolos. Este de que falamos [Sampaio Bruno] é desta espécie e daí privilegiar a metáfora, não pelo seu esplendor, mas pelo que ela manifesta do poder da palavra transformando o sentido.
Álvaro Ribeiro, seu discípulo, nisto como noutras coisas igualmente importantes, não gostava da palavra sentido, utilizada para designar os cinco órgãos de apreensão do sensível. Propunha senso para a substituir. O sentido, ensinava ele, é o que o senso encontra fora de si. Não é o em quem sente, mas o no que é sentido. Estranhamente preferiu o rigor lógico da linguagem ao seu uso popular, que tanto prezava. Preferiu o científico ao primitivo. É um dos poucos pontos em que não posso estar com ele. Pois que, quando dizemos, como é uso popular, que por determinado caminho vou no sentido do norte, digo muito mais do que se dissesse que vou na sua direcção. Sinto o Norte para aquele lado, o Norte torna-se o que sinto, isto é, o meu sentido, o que está em mim e ao mesmo tempo lá fora. Do mesmo modo, quando, numa quadra popular, ele diz para ela “Trago-te no meu sentido”, o sentido aqui é a alma que sente e a alma que ela é.
A designação dos cinco sentidos é toda ela feita com particípios passados: Ouvido, vista, olfacto, tacto. Toda, não. Falta o paladar, que é uma operação do palato. Passado ou perfeito, o que diz um mundo sensível integrado no nosso senti-lo.»
[TELMO, 2014: 146-147]



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TELMO, António. A Terra Prometida – Maçonaria, Kabbalah, Martinismo & Quinto Império. Sintra: Zéfiro, Obras Completas de António Telmo, Vol. I, 2014, pp. 212. ISBN 978-989-677-115-7
TELMO, António. Capelas Imperfeitas – dispersos e inéditos. Sintra: Zéfiro, Obras Completas de António Telmo, Vol. X, 2019, pp. 286. ISBN 978-989-677-167-6

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Praktognosia


The body, in general, can be seen as a dispositif, such as, in particular, the pendulum movement of the legs!…

© algures na Net

«“Dispositif” derives from the Latin “disponere”, “dispositum”, “dispositio”, and all of these terms refer to a sence of placement and ordaining. A dispositif implies a series of orders, of things that can or cannot be done. Regardless of rigourous comprehensiveness, we may say that a dispositif defines what a bio-political body can do.
A dispositif thus ties knowledge and power. Gilles Deleuze (1988), in reference to his friend Foucault´s work, has put the emphasis on how the Subject is the output of this tie (…), that is, on how the dispositif is tantamount to a process  of subjectivation. This way, a peculiar definition of Subject comes out: it results from a dispositif defined by that which can or cannot be done. Foucault, on speaking about-biopolitcs, underscored how dispositifs are able to be aplied on bodies, actually speaking about neoliberal orthopedics (…). This way, we are in front of a conception of the Subject and knowledge that is opposite to the classical model, according to which the Subject is mere conciousness while knowledge amounts to determining what a body objectively is.Though the dispositif, new light can be shed on the mind-body, Subject-object relation.
This Foucauldian perspective – akin to a post-structuralist take on the matter – mind and body, Subject and object do not constitute an antithesis. Conciousness thus is not the expression of a transcendental Subject, concious of itself and the world around it; instead, consciousness amounts to all that a body has learned – one could say, experience protocols (…). In this view, the body is not the noematic correlative of consciousness, a mere object, but instead it is everything that can be done with respect to these protocols. A body therefore is not a thing but a potency.
[DE FAZIO & LÉVANO, 2019: 23-24]

«Praktognosia is a portmanteau built by “praxis” (action) and “gnosis” (knowledge), and it stands for the strong tie between knowing and doing. This tie is double: it indicates knowledge of ways of doing, through it’s not just a preliminar kind of knowledge placed immediately before action; this would lead to suppose that there is a knowing Subject that can know independently from his own doing, thus returning to the Subject-object distintion. In order to avoid this difficulty, which would lead to subjectivism, there is another aspect of praktognosia: to do is to know already, from the very outset. Doing and knowing are the same thing, for both of them determine the structure of the world understood as an environment, at the same time known and done: the sense of this is that the relation between the body and the environment runs back and forth.»
[DE FAZIO & LÉVANO, 2019: 26]

«Plus, praktognosia also has to do with negativity, which allegedly constitutes its most interesting aspect: a body learns only if it is manages to create anomalies. This notion stands out in Merleau-Ponty’s lectures on nature, delivered at the Collège de France by the end of the 1950’s; like Canguilhem, he defines the body as a fluctuation with respect to given norms (…) in order to highlight its plasticity and its resistance to any kind of pre-established principle. This fluctuation takes place as the stochastic (dynamic) unity of experience protocols that define the feature of having a body.
It could be argued that Foucault dealt with the dynamic feature of these protocols in terms of governamentally, that is, in terms of the management of anomalies and abnormal individuals (…). But since there is no such thing as correct bodies, power (as in controlling the system’s anomalies) is obliged to enforce the orthopedics of bodies by instituting models of usage that go hand in hand with bio-political aspects of knowledge (…). However, this resistance may become a line of flight, through the proper understanding of bodies as holders of praktognosia
[DE FAZIO & LÉVANO, 2019: 27]

© algures na Net

BIBLIOGRAPHIC REFERENCE
DE FAZIO, Gianluca & LÉVANO, Paulo F.. Praktognosia: ecosophical remarques on Having a body

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Andar sem pés


«Quem tenta penetrar no Roseiral dos Filósofos sem chave parece um homem que quer andar  sem pés.»

Michael Maier, Atlanta Fugiens, Oppenheim, De Bry, 1618, emblema XXVII 
(in ECO, 2016: 46)

Collegium Fraternitatis in Speculum Sophicum Rhodo-Stavroticum (1618), de Teophilus Schweighardt Constatinus, pseudónimo de Daniel Mögling (1596-1635)


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ECO, Umberto. O Pêndulo de Foucault. Lisboa: Gradiva, 2016, pp. 720. ISBN 978-989-616-717-2

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Passo e fico


Passo e fico, como o Universo

Qualquer caminho leva a qualquer parte.
Todo o caminho passa em todo o mundo.
Em duas toda a senda se biparte
Em cada ponto seu, o céu profundo
E a própria estrada sempre para diante —
Deus e nós, o Eterno e o vagabundo.

Em mim todo esse céu e a estrada errante
Iguais estão, em mim Deus, mundo e eu,
Em mim a estrada, e eu sou o caminhante...
Por mais que seja todo o passo meu
Não sai fora de mim, nem o que vejo
E absolutamente terra ou céu.

Mas tão meu como um sonho ou um desejo
Salvo de estar no exterior em mim,
No ponto em que Deus toco, e

Toda a viagem é em mim, por isso
Por mais que eu ande só me encontro e vejo
Por mais que veja no □ maciço
Só o meu rosto de alma reflectido
Consegue ver o mundo exterior
Participante do não ser.

Fernando Pessoa (17/11/1916)

© algures na Net

LEGENDA
□ : espaço deixado em branco pelo autor

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Catarse pedestre


Pedro Cuiça © a pé  (Praia de Faro, Agosto de 2013)

Catarse, sim!... Ou uma espécie de catarse que, para o caso, vai dar ao mesmo! Kátharsis enquanto libertação ou superação de um ciclo, enquanto purificação ou renovação espiritual e/ou, apenas e tão somente, como reflexão de fim/início de nova viagem/voltinha neste ci(r)c(u)lo que é a vida.
Nestas alturas da roda do ano é costume as pessoas fazerem balanços e/ou planos ao estilo “ano novo, vida nova”. Diremos, contudo, “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”! O que nos move não são datas calendarizadas e nas quais amestradamente se reage sob maneirismos estandardizados e, por isso, supostamente adequados, e muito menos fazer votos inconsequentes de pretensas mudanças de formas de vida. Portanto, mais do que o final/início de ano, torna-se para nós significativo salientar o facto de o blogue Pedestris ter cumprido, no passado dia 15 de Novembro, cinco anos de existência neste espaço virtual que é a Internet. Ou nem isso: esta tratar-se-á de uma catarse (ou espécie de catarse) pedestre talvez resultante, simplesmente, de uma mera sensação (na verdade, convicção) de que algo está a acabar e outro tanto (ou mais?) a começar…
O Pedestris surgiu como resultado de um «sentimento de que um novo “ciclo pedestre”» se abria. Como foi escrito na “inauguração” do blogue: «Depois de apresentar, em jeito de fim de ciclo, Ecosofia PC – Um ensaio de andanças mais além», em Outubro de 2013, «na Cooperativa Terra Chã, situada nas faldas da Serra de Candeeiros (a ancestral Serra da Lua), e dos eventos que se lhe seguiram, tornou-se inadiável dar, por fim [ou início], mais este passo… Deve ser por estar uma Lua Cheia fantástica :)».
Agora que estamos em quasi Lua Nova e que, passados cinco anos, voltamos a registar um inequívoco sentimento de mudança, consideramos que chegou a altura de manifestar o despontar de «novos caminhos» e que, à semelhança de 2013, fazemos votos de que estes possam ser ainda «mais desafiantes e estimulantes». Desiderato que, aparentemente, não será fácil de concretizar, tendo em consideração as excepcionais inovações das formas de fazer, sentir e pensar a prática pedestre (tal como a teoria) no ciclo que agora de certo modo acaba. Na verdade, esse é um terminus apenas aparente porque não menosprezamos e muito menos rejeitamos tudo aquilo que está inerente ao ciclo anterior, tal como aos outros ciclos associados a quatro décadas (mais precisamente 39 anos) de actividades de ar livre em geral e de pedestrianismo/montanhismo em particular. Assumimos toda a carga de experiências e de conhecimentos, tal como dos diferentes estilos de fazer/estar, mas não nos esquivamos a renovadas “levezas” do ser e, sobretudo, ao imprescindível entusiasmo… Ademais quando nem sequer rejeitamos revivalismos, mormente sob outras (ou até as mesmas) roupagens.
O Pedestris irá, por isso (e muito mais), continuar a ser um blogue sobre e para “Caminheiros Andantes”, aqueles que andam ou demandam andar encantados… Sobre a Arte de Caminhar numa perspectiva holotrópica e ecosófica, andar no mais profundo contacto com/ser a Natureza. No entanto, e de certa maneira, ao contrário do que aconteceu no dealbar do ciclo anterior, torna-se-nos difícil, senão impossível, precisar os caminhos ou sequer esboçar os rumos que iremos agora palmilhar. Talvez isso se deva a que, ao contrário do anterior luminoso plenilúnio, nos encontramos agora na simulada escuridão de uma Lua Nova! Caminhos, desta feita, mais misteriosos, metafísicos e/ou que almejam ir par’além da Natureza? Ou, então, ainda mais concretos, terra-a-terra e exigentes a nível corporal?  Ou, ainda, a plena liberdade de vivenciar a congruência de abordagens paradoxais? Quem sabe?
Diremos que só nos resta aguardar para ver quais as novidades que, a nível profissional e associativo (e também em solitário!), (d)aí (ad)virão. De resto, nenhuma dúvida nos assalta de que esses caminhos, sejam eles quais forem, irão continuar a constituir uma «renovada motivação para escrever e partilhar vivências». Escrever (n)o Pedestris resulta de uma íntima necessidade intelectual de reflexionar e teorizar acerca do Caminhar/Caminho(s)… Trata-se, pois, de uma actividade eminentemente solitária, uma espécie de monólogos que, por vezes, até podem adquirir a faceta de catarse :) Daí que pouco ou nada contribua para a nossa motivação, satisfação ou até gozo, que reiteradamente nos move, o número de leitores que tenhamos ou possamos vir a ter. Não iremos, todavia, concluir esta catarse pedestre sem deixar de saudar os nossos (poucos) seguidores indefectíveis e todos aqueles que encontraram ou venham a encontrar no nosso “escrevinhar” algo de útil, ou até de inútil, ao seu “por-vir”. Bem hajam!


Ana Margarida Cuiça © mais do que a pé também a nado  
(Praia de Faro, 27 de Dezembro de 2018)