Por tentativa e erro...
«Primeiro estranha-se, depois entranha-se.»
Fernando Pessoa (1929)
DR © algures (Serra da Estrela, 24/11/2018)
O treino intensivo assenta num paradoxo: no esforço por
determinados objectivos – permitindo-nos cometer erros e, ao parecermos
estúpidos, tornarmo-nos inteligentes. Ou seja, experiências em que somos
obrigados a abrandar o ritmo, a fazer erros e a corrigi-los – é como se
estivéssemos a escalar uma encosta coberta de gelo, escorregando e tropeçando à
medida que avançamos – acabando por nos tornar mais ligeiros e graciosos sem
que disso nos apercebamos.
«Temos tendência a pretender um desempenho sem esforço mas, de
facto, é uma péssima forma de aprendizagem», afirma Robert Bjork*, (…) o
director de psicologia da UCLA, [que] passou a maior parte da vida a fazer investigação sobre questões
da memória e aprendizagem.
(…) «Coisas que parecem obstáculos tornam-se desejáveis a longo
prazo» diz Bjork. «Um verdadeiro confronto, ainda que de escassos segundos, é
de longe mais útil do que centenas de observações.»
(…) «Temos tendência para considerar a nossa memória como um
gravador, mas não é verdade», diz ele. «É uma estrutura viva, uma armação de
proporção quase infinita. Quanto mais impulsos gerarmos, enfrentando e
ultrapassando as dificuldades, mais armações construímos. Quanto mais armações
construímos, mais rapidamente aprendemos.»
Quando treinamos intensamente, as regras normais do mundo são
suspensas. Usamos o tempo de forma mais eficiente. Os nossos pequenos esforços
produzem resultados maiores e mais duradouros. Conseguimos multiplicar as
nossas forças e transformar o fracasso em perícia. O truque consiste em escolher
um objectivo um pouco além das nossas capacidades para dirigir o esforço.
Insistir às cegas não ajuda. Alcançar sim.
«Trata-se apenas de encontrar o ponto-chave», diz Bjork. «Existe um
intervalo optimizado entre aquilo que se conhece e aquilo que estamos a fazer.
Quando encontrarmos esse ponto-chave a aprendizagem dispara.» O treino
intensivo é um conceito estranho por duas razões. A primeira é que vai contra a
nossa intuição acerca do talento**. A nossa intuição diz-nos que o treino está
para o talento como a pedra de amolar está para a faca: é vital mas inútil sem
uma lâmina sólida ou aquilo a que chamamos habilidade natural. O treino
intensivo desvela uma possibilidade intrigante: a de que o treino pode ser mais
importante que a dita habilidade natural.
A segunda razão pela qual o treino intensivo nos parece um conceito
estranho é que envolve eventos que normalmente tentamos evitar – nomeadamente os
erros –, transformando-os em destreza. Para percebermos como funciona o treino
intensivo é necessário ter em consideração a inesperada mas crucial importância
dos erros no processo de aprendizagem.
[COYLE, 2009: 28-30]
NOTAS
*Robert Allen Bjork (1939-) é Distinguished Professor of Psychology
na Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, sendo a sua área de investigação
sobre aprendizagem humana, a memória e as suas implicações no treino.
**A palavra talento pode ser vaga e repleta de
significados traiçoeiros acerca do potencial, sobretudo quando se refere aos
jovens – as pesquisas revelam que o prodígio não é um indicador fiável para o
sucesso a longo prazo. No interesse da clarificação, definiremos talento no seu sentido mais restrito: a
aptidão de destrezas repetitivas que não dependem do tamanho físico (…). [COYLE, 2009: 21]
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
COYLE, Daniel. O
Código do Talento. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2009, pp. 256.
ISBN 978-972-20-3790-7
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