quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Mountaincraft


Fundamentally, a leader must have ability. Ability has two components: knowledge and skill. Knowledge is understanding a task. Skill is proficiency at performing a task. The key to developing knowledge and skill is repeated exposure. (…) In order to generalize learning to a variety of complex situations, you as a leader need to have a varied and extensive base of exposure to related situations. It is this experience that allows you to develop ability.
In Mountaincraft and Leadership, the official handbook of the Mountain Leader Training Boards of the United Kingdom, author Eric Langmuir is quite clear regarding the first order of business for aspiring leaders: “The chances of becoming an effective party leader are greatly reduced unless a considerable amount of time is spent on acquiring experience.” His is an honest and accurate statement.
[KOSSEFF, 2003: 37]

DR ©


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
KOSSEFF, Alex. AMC Guide to Outdoor Leadership. Appalachian Mountain Club Books, 2003, pp. 282. ISBN 1-929173-21-0

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Mountain Skills

DR ©

A UIAA – a Federação Internacional de Montanhismo e Escalada – está empenhada na formação e no treino em Desportos de Montanha, com vista designadamente ao incremento de conhecimentos técnicos, à melhoria de competências/desempenho e à redução do risco inerente à sua prática. É nesse contexto que a Comissão de Montanhismo, da qual tenho o grato prazer de ser membro efectivo, tem vindo a desenvolver um conjunto de iniciativas formativas de que destacamos a publicação, em 2015, de UIAA Alpine Skills Summer. Este manual, produzido sob os auspícios da Fundação Petzl, tem vindo a ter uma grande aceitação a nível global, está traduzido em cinco idiomas e é passível de ser adquirido em versão digital ou em papel. Para marcar o lançamento da versão digital deste importante manual técnico, a UIAA disponibiliza agora, on-line e gratuitamente, uma série de artigos com informações úteis com enfoque nos skills.



terça-feira, 27 de novembro de 2018

Errar é bom


Por tentativa e erro...

«Primeiro estranha-se, depois entranha-se.»
Fernando Pessoa (1929)

DR © algures (Serra da Estrela, 24/11/2018)

O treino intensivo assenta num paradoxo: no esforço por determinados objectivos – permitindo-nos cometer erros e, ao parecermos estúpidos, tornarmo-nos inteligentes. Ou seja, experiências em que somos obrigados a abrandar o ritmo, a fazer erros e a corrigi-los – é como se estivéssemos a escalar uma encosta coberta de gelo, escorregando e tropeçando à medida que avançamos – acabando por nos tornar mais ligeiros e graciosos sem que disso nos apercebamos.
«Temos tendência a pretender um desempenho sem esforço mas, de facto, é uma péssima forma de aprendizagem», afirma Robert Bjork*, (…) o director de psicologia da UCLA, [que] passou a maior parte da vida a fazer investigação sobre questões da memória e aprendizagem.
(…) «Coisas que parecem obstáculos tornam-se desejáveis a longo prazo» diz Bjork. «Um verdadeiro confronto, ainda que de escassos segundos, é de longe mais útil do que centenas de observações.»
(…) «Temos tendência para considerar a nossa memória como um gravador, mas não é verdade», diz ele. «É uma estrutura viva, uma armação de proporção quase infinita. Quanto mais impulsos gerarmos, enfrentando e ultrapassando as dificuldades, mais armações construímos. Quanto mais armações construímos, mais rapidamente aprendemos.»
Quando treinamos intensamente, as regras normais do mundo são suspensas. Usamos o tempo de forma mais eficiente. Os nossos pequenos esforços produzem resultados maiores e mais duradouros. Conseguimos multiplicar as nossas forças e transformar o fracasso em perícia. O truque consiste em escolher um objectivo um pouco além das nossas capacidades para dirigir o esforço. Insistir às cegas não ajuda. Alcançar sim.
«Trata-se apenas de encontrar o ponto-chave», diz Bjork. «Existe um intervalo optimizado entre aquilo que se conhece e aquilo que estamos a fazer. Quando encontrarmos esse ponto-chave a aprendizagem dispara.» O treino intensivo é um conceito estranho por duas razões. A primeira é que vai contra a nossa intuição acerca do talento**. A nossa intuição diz-nos que o treino está para o talento como a pedra de amolar está para a faca: é vital mas inútil sem uma lâmina sólida ou aquilo a que chamamos habilidade natural. O treino intensivo desvela uma possibilidade intrigante: a de que o treino pode ser mais importante que a dita habilidade natural.
A segunda razão pela qual o treino intensivo nos parece um conceito estranho é que envolve eventos que normalmente tentamos evitar – nomeadamente os erros –, transformando-os em destreza. Para percebermos como funciona o treino intensivo é necessário ter em consideração a inesperada mas crucial importância dos erros no processo de aprendizagem.
[COYLE, 2009: 28-30]



NOTAS
*Robert Allen Bjork (1939-) é Distinguished Professor of Psychology na Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, sendo a sua área de investigação sobre aprendizagem humana, a memória e as suas implicações no treino.
**A palavra talento pode ser vaga e repleta de significados traiçoeiros acerca do potencial, sobretudo quando se refere aos jovens – as pesquisas revelam que o prodígio não é um indicador fiável para o sucesso a longo prazo. No interesse da clarificação, definiremos talento no seu sentido mais restrito: a aptidão de destrezas repetitivas que não dependem do tamanho físico (…). [COYLE, 2009: 21]

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
COYLE, Daniel. O Código do Talento. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2009, pp. 256. ISBN 978-972-20-3790-7

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Estágio de Montanha


Rúben Jordão © Pousada da Juventude das Penhas da Saúde (Serra da Estrela, 23/11/2018)

O Centro de Formação da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal/Escola Nacional de Montanhismo (FCMP/ENM) realizou, no passado fim-de-semana (dias 23 a 25 de Novembro), um estágio sobre “Gestão de Grupos em Actividades de Montanha”. Uma oportunidade única de rever velhos amigos e de partilha de conhecimentos e de experiências entre Quadros Técnicos da FCMP/ENM, com base no estado da arte dos Cursos de Treinadores de Montanha e de Pedestrianismo – Graus I.
É fundamental que os Treinadores adoptem as metodologias e técnicas padronizadas, que são ministradas nos cursos, e que essas opções sejam alvo de reflexões críticas com vista ao seu possível e desejável melhoramento. A actualização de conhecimentos e o contínuo desenvolvimento de competências são essenciais num modelo de ensino-aprendizagem que se pretende de elevado nível e desempenho. Foi nesse contexto que as excelentes condições do terreno de jogo da Serra da Estrela – com neve, denso nevoeiro, vento, frio e pluviosidade a partir do meio da tarde de sábado – permitiram testar e desenvolver um conjunto de importantes exercícios.
Na noite de sexta-feira decorreu a apresentação teórica de um workshop sobre “Gestão e Liderança de Grupos em Actividades de Montanha com base na Paisagem”. A componente prática desse workshop realizou-se no dia seguinte, em contexto efectivo, no terreno. O programa de domingo foi alterado, com base nas previsões meteorológicas, mas ambos os workshops programados foram realizados e os objectivos concretizados: “Planeamento de Actividades de Montanha com apoio de Plataformas e Aplicações Informáticas: teoria e aplicações práticas” e “Gestão e Liderança de Grupos em Actividades de Escalada: prática”. Neste último, foram escalpelizadas manobras técnicas em quatro estações/ateliês.

DR © algures (Serra da Estrela, 24/11/2018)

DR © algures (Serra da Estrela, 24/11/2018)

António Ribeiro © algures (Serra da Estrela, 24/11/2018)

António Ribeiro © algures (Serra da Estrela, 24/11/2018)

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Tertúlia da Montanha


Na sequência da comemoração do Dia Internacional das Montanhas, estarei na Biblioteca Municipal de Lagoa, no dia 14 de Dezembro, para participar, juntamente com a Dra. Maria Luísa Francisco, numa tertúlia sob o tema “O Sentimento da Montanha: do imanente ao transcendente”.



terça-feira, 20 de novembro de 2018

Pensar (como um)a Montanha

Pensar (como um)a Montanha,
no Dia Internacional das Montanhas


O modo como os seres humanos se têm relacionado com a Natureza, em geral, e com a Montanha, em particular, não tem sido o mesmo ao longo da história. Na verdade, verificaram-se alterações profundas das concepções, paradigmas  e formas de ver e sentir o meio montanhoso. A data em que se celebra o Dia Internacional das Montanhas (11 de Dezembro) constitui uma ocasião privilegiada para abordar as éticas e estéticas da Terra que conduziram a novas formas de fazer, estar e ser (n)a Montanha, com importantes aplicações teóricas e práticas no trabalho desenvolvido pelos Treinadores na área dos Desportos/Actividades de Montanha. Tendo em conta a excepcionalidade do dia, esta Palestra da Montanha contará com uma pausa para café na qual se irá comemorar de forma especial essa importante data dedicada à Montanha.




Conteúdos programáticos:
Enquadramento
· Montanhas, Montanhismo e Desportos de Montanha
· O Dia Internacional da Montanha
· Fazer, Estar, Ser
Ética da Terra
· Alguns conceitos: antropocentrismo, sencientismo, biocentrismo e ecocentrismo
· Ética Ambiental e Montanhismo: pré-romantismo, romantismo, transcendentalismo, ética da Terra e ecologia profunda
Estética da Terra
· Leitura e interpretação da paisagem: Montanha
· Noções e abordagens da paisagem: estética, científica e técnica
· Aplicações práticas: abordagens da paisagem e necessidades de Maslow
Pensar como uma Montanha
· O Terreno de Jogo – abordagem técnica: alguns exemplos
· Análise da paisagem – utilização pedagógica: alguns exemplos
· Ser a paisagem – auto-realização: alguns exemplos
· Uma “visão” holística da Montanha


segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Superação


© algures na Web

«Para o que ama a Verdade não há descanso nem termo, porque a vê no próprio caminhar, a surpreende no esforço contínuo da marcha; o amor da Verdade não é um desejo de chegar, mas o anseio de superar.»

Agostinho da Silva (1945)
in Textos e Ensaios Filosóficos I  (Âncora Editora, 1999, p. 37)


!!!
Pedro Cuiça © nas imediações do Parlamento Europeu (Bruxelas, 10/11/2018)

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Dos doutos


«Outrora havia muitos analfabetos, que não sabiam ler nem escrever línguas humanas, mas ainda podiam ler e comunicar os sinais das coisas vivas: o pulsar da terra, os avisos do vento, as metamorfoses das nuvens, os ritmos das águas, o brilho dos astros, as expressões das pedras, as emoções das plantas, os sentimentos dos animais, as solicitações dos espíritos, os fluxos do invisível. Hoje há cada vez menos desses analfabetos, mas superabundam os analfabetos letrados e diplomados que só sabem ler, escrever e comunicar palavras (e mesmo assim dificilmente), mas ignoram de todo as múltiplas línguas e linguagens em que os seres e as coisas do mundo constantemente nos falam e comunicam. Ser “culto” é muitas vezes o fim da Cultura.»
Paulo Borges
(in Facebook, 13 de Novembro de 2014)


Van Gogh © Campo de Papolas (1889)

«Estando eu adormecido, pôs-se uma ovelha a tasquinhar a coroa de hera da minha cabeça, e enquanto tasquinhava dizia: Zaratustra já não é sábio».
Tendo assim falado retirou-se altiva e desdenhosa.
Assim me contou um rapazito.
Gosto muito de me deitar aqui onde as crianças brincam, encostado à parede rachada, no meio dos cardos e das papoilas vermelhas.
Para as crianças e também para os cardos e as papoilas vermelhas, ainda sou um sábio. São completamente inocentes, até na sua maldade.
Mas para os carneiros, deixei de ser um sábio; é o meu destino e bendigo-o.
Porque a verdade é que fui eu próprio que deixei a casa dos sábios, atirando com a porta.
Demasiado tempo esteve a minha alma faminta sentada à sua mesa; eu não sou feito como eles para petiscar o Conhecimento como se partem nozes.
Amo a liberdade e o vento que corre sobre a gleba fresca; gosto ainda mais de dormir em cima de peles de bois do que em cima das suas honrarias e das suas dignidades.
Sou demasiado ardente, demasiado consumido pelos próprios pensamentos, falta-me amiúde a respiração. Então preciso de sair para o ar livre, longe de todos os compartimentos empoeirados.
Mas eles estão sentados à fresca sob a sombra fresca; em parte alguma querem passar de espectadores e defendem-se de ir sentar-se nos degraus caldeados pelo sol.
À semelhança dos que param na rua, a olhar de boca aberta para quem passa, assim eles esperam e aguardam, de boca aberta, os pensamentos que outros inventaram.
Logo que se lhes toca, deixam escapar, involuntariamente, uma nuvem de pó, como sacos de farinha; mas como reconhecer nesta poeira o grão e a glória dos campos estivais?
Logo que se julgam sábios, fico horrorizado com as suas sentenças mesquinhas, as suas pequenas verdades; a sua sabedoria cheira muitas vezes a pântano; e na verdade, aí discerni mais de uma vez o coaxar das rãs.
São hábeis e têm dedos dextros; que pode a minha simplicidade contra a sua complexidade? Os seus dedos entendem à maravilha tudo quanto seja fiar, ajuntar e tecer; tanto assim que fazem as meias do espírito.
São bons relógios, desde que haja o cuidado de lhes dar corda. Indicam então a hora sem se enganar, ao mesmo tempo que deixam ouvir um modesto ronronar.
(…) Também sabem jogar com dados falseados; e vi-os jogar com tal entusiasmo que estavam banhados em suor.
Não tenho nada de comum com eles; as suas virtudes repugnam-me ainda mais do que as suas falsidades e os seus dados falseados.
(…)
Assim falava Zaratustra.
[NIETZSCHE, 1985: 139-140]

© algures na Web

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falava Zaratustra. Lisboa-. Guimarães Editores, 1985, pp. 376.

Iludências


Seis associações ambientalistas lançaram ontem um comunicado em defesa da proibição da caça à Rola-brava (Streptopelia turtur): a GEOTA, a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), a Quercus, o Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens (FAPAS) e a Associação Natureza Portugal/World Wild Fund (ANP/WWF). Segundo salientam, a população de Rola-brava «tem diminuído acentuadamente por toda a Europa nas últimas dezenas de anos», sobretudo devido à intensificação agrícola (corte de sebes, destruição de mosaicos agrícolas e uso indiscriminado de fitofármacos) e à caça excessiva em países como Itália, França, Espanha e Portugal. Ao que parece o problema foca-se na árvore – a caça que deve ser limitada a um «limite sustentável de abate» (?) – e desfoca-se da floresta – toda a complexidade de uma realidade global, com gritantes implicações locais –, numa aparente cegueira, surdez e/ou outros quaisquer condicionalismos, mormente (quem diria?) económicos... Até parece que a generalidade dos sistemas naturais e semi-naturais, tal como a maior parte das espécies selvagens, não se encontram ameaçados e que não é preciso ir mais fundo no(s) problema(s)/análise(s) e soluções!
O presidente do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) esteve hoje de manhã em directo na TSF para, de forma titubeante, dar a entender que a caça à Rola-brava até estará a ser bem gerida em Portugal. Ao que parece, nem poderia ser de outra forma!... Até parece que a caça é fundamental para manter os tão necessários equilíbrios ecológicos, num país rico em vastos e diversificados ecossistemas naturais e semi-naturais, como se os sistemas naturais não fossem auto-reguláveis! Aquecimento global, alterações climáticas, incêndios florestais, destruição da floresta autóctone e diversas espécies de fauna selvagem em vias de extinção, entre outros (demasiados) quejandos: que é isso, pá?
Ao que parece a conservação da natureza não passa de um mero paliativo – uma espécie de banho (ou banhada?) verde (greenwashing, em “amaricano”) –, com vista a perpetuar o insustentável sistema de crescimento económico exponencial e simultaneamente aquietar consciências… Até parece que não é necessário implementar uma efectiva protecção da natureza!
O que parece muitas vezes não é e o que é outras tantas não (trans)parece! Motivo pelo qual há imensa margem de manobra para superficiais abordagens “verdes” ou o seu oposto, frequentemente umas e outras apresentadas “a preto e branco”… e à brava. Por estas e por outras é que se torna difícil compreender que existam “superfícies comerciais” na Torre e, simultaneamente, seja "condicionado" o acto de andar a pé no planalto central da Serra da Estrela! Por estas e por outras é que as aparências continuam a iludir. Até parece!...


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

HOUVE UM DIA


© DR 

«HOUVE UM DIA em que a minha avó deixou de andar.
Nesse dia morreu. O seu corpo ainda viveu mais algum tempo, mas os novos joelhos, que por meio de uma cirurgia tinham substituído os antigos, estavam muito gastos e tornaram-se incapazes de transportar o corpo. O resto das forças que ainda tinha nos músculos foi desaparecendo devido aos dias passados na cama. O seu aparelho digestivo começou a falhar. A pulsação tornou-se mais baixa e irregular. Os pulmões absorveram cada vez menos oxigénio. Já perto do fim, arfava com falta de ar.
Por essa altura eu tinha as minhas duas filhas em casa. A mais nova, Solveig, tinha treze meses. Enquanto a sua bisavó se encolhia lentamente em posição fetal, Solveig decidiu que já era tempo de aprender a andar. De braços levantados por cima da cabeça e mãos agarradas aos meus dedos, conseguiu titubear pelo chão da sala de estar. De cada vez que soltava as mãos e tentava dar uns passos sozinha, descobria as diferenças entre o que está em cima e o que está em baixo. Quando tropeçava e batia com a testa no rebordo da mesa da sala, aprendia que certas coisas são duras e outras moles. Aprender a andar talvez seja um dos empreendimentos mais arriscados da vida.
De braços estendidos, para manter o equilíbrio, Solveig em breve aprendeu a arte de caminhar pelo chão da sala. Estimulada pelo medo de cair, dava uns passinhos, num ritmo staccato. Ao observar as suas primeiras tentativas, surpreendeu-me a forma como afastava os pés. Como se quisesse agarrar-se ao chão. «O pé de uma criança ainda não sabe o que é um pé / e quer ser uma borboleta ou uma maçã», escreveu o poeta chileno Pablo Neruda no início do seu poema «Al pie desde su niño1».
(…) Quando a minha avó – eu chamava-lhe «mormor» – nasceu em Lillehammer, noventa e três anos antes de Solveig, a sua família dependia dos próprios pés como principal meio de transporte de um lugar para o outro. A mormor podia ir de comboio se quisesse viajar para muito longe, mas não tinha muitas razões para sair de Lillehammer. Em vez disso, o mundo é que chegava até ela. Durante a sua juventude pôde testemunhar a chegada de carros, bicicletas e aviões, produzidos em série, à sua província de Oppland. A mormor contou-me que o meu bisavô uma vez lhe pediu para o acompanhar até Mjösa, o maior lago da Noruega, para ambos poderem ver um avião. Ela contava essa história com tanto êxtase que parecia que acontecera na véspera. Os céus – de repente – tinham deixado de ser o reino exclusivo dos pássaros e dos anjos. [KAGGE, 2018: 15-18]» É desta forma que Erling Kagge inicia o seu novo livro, acabado de editar pela Quetzal, em Outubro de 2018, sobre A Arte de Caminhar.

© DR

HOUVE UM DIA em que a minha tia-avó Gertrudes também morreu quando, por ter partido uma perna, deixou de andar.  Apesar de ser uma anciã com uma idade muitíssimo respeitável, aparentava ser bem mais nova do que realmente era… Era uma rija e escorreita andarilha, e eu, invariavelmente, quando a ouvia subir a escadaria do prédio de vários andares, onde morava, diversas vezes todas as manhãs, não podia deixar de pensar que era uma atleta inveterada, tendo em conta o elevado ritmo da passada e a respiração acelerada! Era o que a mantinha viva: ir todos os dias a pé às compras ou efectuar outras tarefas para si e para as suas amigas idosas que, por dificuldades de mobilidade, não o podiam fazer com a regularidade desejada ou desejável. Por vezes, semanalmente ou mensalmente, também distribuía propaganda partidária ou o boletim do partido, numa área considerável, nos arredores de onde morava, sempre a pé. E, claro, além disso também se encarregava de toda a lida da casa…
O seu marido há muito que se sedentarizara, após a sua reforma, num dia-a-dia cercano e que invariavelmente passava por beber uns copos com os amigos. Quem notava agora a sua barriga proeminente não poderia adivinhar a sua anterior figura – alta, magra e espadaúda –, quando palmilhava o trajecto de onde morava até ao seu trabalho e respectivo regresso, numa distância diária superior a uma dezena de quilómetros. Também terá morrido quando deixou de andar a pé?... Será discutível tendo em conta que acompanhou a minha tia-avó durante bastantes anos na sua admirável e recorrente “alta pedalada”. Certo é que, após esta ter partido a perna, regressaram ambos à sua “terra natal” para, pouco depois, deixarem este mundo.


 © DR

HOUVE UM DIA em que eu andando, num percurso pedestre, na ilha de S. Jorge fui confrontado com o facto surpreendente de ter sido usual existirem pessoas que não tendo razões para saírem da fajã, onde sempre viveram e morreram, de lá nunca saíram. Se quisessem viajar para muito longe melhor seria fazê-lo de barco, numa ilha cujas dimensões, sendo certamente ignoradas, eram necessariamente ínfimas. Mas seria todavia expectável que tivessem a curiosidade de subirem fajã acima, a pé, para, que mais não fosse, alargarem os (vastos) horizontes sobre o mar circundante? Assim não era e não foi!…
Os meus tios-avós vieram para Lisboa, para ganhar a vida e muito andaram a pé nos seus trajectos urbanos do dia-a-dia, para um dia retornarem ao seu Além-Tejo a fim de morrer… A sua fajã terá sido em Serpa ou em Lisboa? A vida e a morte fazem parte de um mesmo ciclo perpétuo, uns param de andar para que outros o comecem a fazer e o que está em cima é como o que está em baixo. «Aprender a andar talvez seja um dos empreendimentos mais arriscados da vida», mas deixar de andar é fatal!

© DR

HOUVE UM DIA em que senti saudades do passado e HOUVE UM DIA em que senti saudades do futuro. TEM DIAS! «O caminhar considerado como uma combinação de movimento, humildade, equilíbrio, curiosidade, cheiros, sons e luz e – se andarmos suficiente – um sentimento de desejo. Um sentimento de querermos alcançar uma coisa que procuramos, sem a encontrarmos. Na língua portuguesa existe uma palavra intraduzível para este desejo: saudade. Trata-se de uma palavra que engloba amor, dor e felicidade. Pode ser o pensamento de algo alegre que nos perturba ou de algo perturbador que nos traz plenitude. [KAGGE, 2018: 43]»




NOTA DO TRADUTOR
Poema de Pablo Neruda: «El pie del niño aún no sabe que es pie, / y quiere ser mariposa o manzana. / Pero luego los vidrios y las piedras, / las calles, las escaleras, / y los caminos de la tierra dura / van enseñando al pie que no puede volar, / que no puede ser fruto redondo en una rama. / El pie del niño entonces / fue derrotado, cayó / en la batalla []» [in KAGGE, 2018: 16]

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
KAGGE, Erling. A Arte de Caminhar – Um passo de cada vez. Lisboa: Quetzal, 2018, pp. 210. ISBN 978-989-722-519-2

Montanhismo Europeu


Pedro Cuiça © European Olympic Committees EU Office (Bruxelas, 10/11/2018)

A primeira Assembleia-Geral da Federação Europeia de Montanhismo (EUMA – European Mountaineering Association) decorreu, no passado sábado (10 de Novembro), em Bruxelas, nas instalações do European Olympic Committees EU Office. De entre os pontos que integraram a visão estratégica da EUMA, para os próximos anos, destaca-se a aposta inequívoca na promoção dos caminhos de montanha (mountain trails).

Pedro Cuiça © nas imediações do Parlamento Europeu (Bruxelas, 10/11/2018)