A caminhada, a mais antiga forma de exercício, deve regressar ao
dia-a-dia da vivência pós-moderna. Nos tempos pré-industriais, as pessoas viajavam
sobretudo a pé e isso mantinha-as em forma. Depois veio a vulgarização do motor e as
pessoas tornaram-se preguiçosas e, muitas delas, com excesso de peso ou obesas.
Andar a pé tornou-se no transporte de último recurso; segundo a Organização
Mundial de Saúde, uma «arte esquecida» nos dias de hoje (HONORÉ, 2006: 125). Muitas das
deslocações que são efectuadas de carro (ou outros veículos motorizados e
poluentes) poderiam facilmente ser feitas a pé mas não o são! E, contudo, há
imensas razões para caminhar…
A primeira, desde logo, é que se trata de algo inteiramente
natural e, por isso, saudável: a locomoção bípede é uma forma de rewilding (MONBIOT, 2014), que nos faz regressar
às nossas origens enquanto espécie, e um movimento slow (HONORÉ, 2006), que nos permite
retomar ritmos retemperadores do nosso bem-estar. Caminhar aumenta a forma
física, o bem-estar psicológico, reforça as defesas contra diversas doenças e
cura outras tantas1. A segunda é que se trata de uma actividade não
poluente e que, ao preterir o uso de veículos motorizados, pode e deve constar
entre as «medidas urgentes contra o aquecimento global» (Agenda 2030). A terceira é que se
trata de uma actividade gratuita: não é preciso pagar a um personal
trainer ou possuir qualquer bem material para andar na cidade ou no
campo sendo, portanto, uma prática que põe em pé de igualdade ricos e pobres.
Pelos motivos elencados, entre muitos outros que ficam por referir, torna-se
evidente a importância de andar…
Nos tempos que correm é fundamental adoptar novas atitudes e
formas de promover meios de mobilidade sustentáveis, como o andar a pé mas
também o andar de bicicleta. E, nesse contexto, os percursos urbanos têm vindo
a suscitar um notório interesse, não só os percursos pedonais como os percursos
cicláveis2. A lógica de funcionamento e de funcionalidades das
cidades deve ser alterada para uma eco-lógica que integre transportes públicos,
ecopistas e outras medidas que contribuam para uma eficaz “acessibilidade
sustentável”… Portugal, principalmente nas grandes e médias cidades,
confronta-se com importantes problemas de tráfego rodoviário provocado pela
utilização excessiva do transporte individual. A utilização do automóvel está
associada a poluição, ruído, acidentes rodoviários, perda de tempo em viagem
(devido a congestionamentos), entre outros problemas. Na Europa, o sector dos
transportes, tem vindo a aumentar a emissão de gases com efeito de estufa,
desde 1990, sendo o sector com pior desempenho relativamente aos objetivos do
Protocolo de Quioto. Por estas e por outras razões, torna-se premente travar e
inverter a preponderância da utilização de automóveis como forma hegemónica de
deslocação/transporte.
A prática quotidiana de caminhada e/ou a utilização de bicicleta deve(m)
ser enquadrada(s), nos dias de hoje, numa consciência ecológica que extravase o
antropocentrismo (microcosmo da esfera meramente humana) e adopte uma visão ecocêntrica
ou, melhor, ecosófica (que tenha em conta o macrocosmo a nível planetário). “Pensar
global e agir local”, andar a pé e/ou de bicicleta para estar conectado
com o todo: mover-se pela sua saúde e pela saúde do planeta.
adapt. CUIÇA, Pedro & PASCOAL, Filipa (Jul. 2016): Projecto de Educação para o Desenvolvimento Sustentável com base numa Mobilidade Sustentável
Notas
1- A prática de caminhada tem vindo a ser incrementada por via da
promoção de estilos de vida saudáveis e activos, designadamente através dos
médicos de família, particularmente em segmentos populacionais com um acentuado
risco de inactividade (e.g. idosos). E, nesse pressuposto, será
importante salientar a mensagem veiculada por muitos médicos de família no que
concerne à saúde dos seus pacientes: “Ande pelo menos 30 minutos por dia”
(CUIÇA,
2015: 41).
Andar a pé comporta notórias implicações nos domínios da saúde e
do bem-estar dos praticantes, tal como no meio ambiente; constitui um exercício
físico de excelência (sem dúvida, dos melhores), ao alcance de qualquer um.
Mais, caminhar é um exercício suave, ideal para todas as faixas etárias e com
múltiplos e reconhecidos benefícios para a saúde. Andar a pé contribui para
melhorar o tónus muscular, aumentando o desempenho cardiovascular e melhorando
ou resolvendo eventuais dificuldades respiratórias; favorece a coordenação de
movimentos e, inclusivamente, a prontidão de reflexos, corrige posturas erradas
e pode evitar que surjam “dores nas costas” (ibidem).
A marcha, se possível acelerada – e nesse particular destaca-se a
marcha nórdica (nordic walking) pelos benefícios acrescidos –, constitui
um bom auxiliar para a perda de peso, para mais se acompanhada de uma dieta
adequada (ibidem). A prática de pedestrianismo é uma actividade física aeróbica
excelente para combater o excesso de peso ou a obesidade e, simultaneamente,
para a prevenção da diabetes, a prevenção e o tratamento da hipertensão
arterial e a redução dos níveis de colesterol. A marcha ajuda a prevenir e a
tratar a osteoporose, constitui um precioso auxiliar no tratamento da artrite
reumatóide e ajuda inclusivamente a prevenir o aparecimento de determinados
tipos de cancro como, por exemplo, o cancro da mama, do cólon, do útero, dos
ovários e da próstata (ibidem). Mas os benefícios referidos não se restringem apenas aos
aspectos físicos, andar a pé surge como uma praxis privilegiada
de contacto com o meio envolvente e de partilha de experiências com
consequências inegáveis no âmbito do bem-estar psicológico. Neste contexto, a
caminhada também favorece a prevenção da depressão (melhorando a disposição) e
promove a redução do stress e simultaneamente da glicemia,
visto as hormonas do stress serem hiperglicemiantes.
2- Os indivíduos sedentários tendem a estar dependentes da
existência de infraestruturas específicas para a prática desportiva e, nesse
contexto, os percursos pedestres balizados surgem como promotores da prática de
exercício físico, mormente quando se localizam na proximidade das suas áreas
residenciais e em ambientes seguros. No entanto, será de destacar que a
promoção da caminhada, no âmbito da saúde, tem gerado grupos informais de
caminhantes que diariamente se encontram para andar nas imediações da sua área
residencial e na via pública, sem quaisquer infraestruturas específicas para o
efeito (CUIÇA, 2015: 42). Na verdade, a prática de marcha não exige qualquer tipo de
“pista” instalada para o efeito ou deslocar-se através de veículo até um
determinado local, mais ou menos distante. Basta sair de casa e andar, tão
simples quanto isso!
No entanto, a rede viária urbana foca-se predominantemente nos
automóveis, deixando os ciclistas para segundo plano. Tanto os passeios para
caminhar, como as pistas para bicicletas são deixadas para segundo plano no
momento do planeamento dos transportes e acessibilidades, de forma a não
causarem incómodos na circulação de automóveis. Esta tendência tem de ser
alterada e as ciclovias e percursos pedestres devem ser reavaliados a nível
local. Também deverá ser dada uma particular atenção à manutenção dos percursos
em mau estado. Além disso, deve ser feita uma adaptação das zonas de circulação
onde não existam
Recursos
Bibliográficos
· CUIÇA,
Pedro (2015): Passo a Passo – Manual de Caminhada e Trekking.
Lisboa: A Esfera dos Livros, pp. 312. ISBN978-989-626-721-6
· HONORÉ,
Carl (2006). O Movimento Slow. Cruz Quebrada: Estrela Polar,
pp. 264. ISBN
972-8929-30-7
· MONBIOT,
George (2014). Feral – Rewilding the Land, Sea and Human Life. London: Penguin Books, pp. 324. ISBN
978-0-141-97558-0