quinta-feira, 10 de julho de 2014
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Capacidade de amar
«RITMOS DE MARCHA
Enganados a um tempo pelo aspecto de paz exterior
que tomou a civilização e, por outro, pela irrupção, de quando em quando, de
crises daquilo a que vulgarmente chamamos guerra, temos em geral a ideia de que
estamos desmobilizados, de que não vivemos sobre nenhum campo de batalha, de
que gozamos, longe de qualquer espécie de frente, os benefícios de um
verdadeiro apaziguamento. E a verdade, no entanto, é que não podemos entender
nada da nossa própria vida ou da vida da colectividade se nos deixamos possuir
por esta ideia.
(…) Tão estranha e maravilhosamente somos compostos
de eternidade e de tempo que, sendo a nossa única e real vocação a de ser
santos, a cada passo nos estamos especializando, nos estamos deixando arrastar
e prender por todos os outros fragmentos de vocação ou por todo o passageiro
chamamento que por acaso ouvimos. E este é o nosso primeiro combate: o de não
deixarmos que o que é puramente temporal tome em nossas vidas o lugar que se
deve ao eterno.
(…) E por aqui voltamos a outro ponto da nossa
batalha. Houve tempo em que eram os mesmos os planos divinos e os nossos. Só
que Deus, cuja essência é possivelmente liberdade, se arriscou com o homem,
como com os anjos, aos perigosos jogos da liberdade: como deixa à pedra que por
sua natureza caia, como deixa à água que por sua natureza se amolde ao
continente, deixou ao homem que, segundo a sua natureza de ser pensante,
pensasse. É evidente que, por definição, o pensamento só se cumpre quando
inteiramente pensa todo o pensável.
(…) Desde, porém, que o entendimento seja completo,
o homem que pensa é um excelente soldado: daqueles que vão para a batalha
resolutos e calmos, pacíficos afinal no meio de todas as tormentas, percebendo
em que guerra estão metidos, em que estratégias e tácticas se envolvem, e
aceitando, o que é mais importante, como perfeitamente legítimos e benéficos,
todos os sofrimentos que sobre eles se abatem.
Mas há outro tipo de combatente. O que surpreendemos
principalmente nas longas esperas de trincheira ou nas marchas sob o fogo ou,
pior ainda, naquelas léguas monótonas em que nada acontece senão frio, chuva e
lama, e dentro o tédio, e fora a suprema inutilidade de tudo. Ele aguarda, no
entanto, ou caminha, e caminha apenas porque, inteiramente entregue ao
exercício, tendo-se apurado nas ascese da ordem unida, tendo tornado parte
integrante do seu próprio ser o guiar seu ritmo de passos pelo camarada da
frente, ou manter-se à distância regulamentar do seu camarada de parapeito, ou
obedecer a todo o toque de comando sem perguntar porque, deixou de ser ele
mesmo, excepto no que deles esperam os outros, e é apenas uma parte do todo.
Serve, no que é indivíduo, a universalidade do universo.
Eis aqui, pois, outra maneira de se salvar.
Aprender, e obedecer ao que se aprendeu. Lançar sobre o chefe toda a
responsabilidade do que vier a suceder. Em todo o momento de perigo, olhar à
direita e confiar o seu destino às resoluções do comando. Só que Deus não quer
mandar em quem não é voluntário.
(…) Sendo liberdade a sua essência, Deus a ninguém
pode forçar. (…) Porque os desastres que são para meu bem, Deus mos inflige sem
me consultar em nada; porque mos inflige por amor. Mas os outros, os que me vão
afastar de Deus, esses jamais virão se eu os não quiser. De qualquer modo, esta
é a lei do serviço militar de Deus: apenas entre quem for voluntário.
(…) Reside em Deus a possibilidade de unir o tempo e
a eternidade; em termos que, como todos os nossos, dado que temos de servir,
para o que não é dia a dia, da linguagem do dia-a-dia, são imperfeitos para
exprimir a noção que se pretende, poderíamos definir Deus como o ponto de
contacto entre o tempo e a eternidade, como o lugar em que o tempo e eternidade
se fundem nalguma coisa que só o silêncio pode dizer. Ora, de tudo o que nos
sucede na terra, alguma coisa existe em que se fundem tempo e eternidade e que
também só pelo silêncio se poderia dignamente exprimir; e esse alguma coisa é o
amor.»
Agostinho da Silva – As Aproximações (Lisboa:
Relógio d’Água Editores, 1990, pp. 114-116)
terça-feira, 8 de julho de 2014
Capacidade de sentir
A propósito da relação entre o espaço e o tempo (e
vice-versa) lembrei-me de uma curta mas significativa história que o padre
Marcelo Barros de Sousa – monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro – contou
numa palestra realizada, no dia 14 de Janeiro deste ano, na Faculdade de Letras
de Lisboa, integrada num painel sob a temática “Ecologia e Espiritualidade”.
Será conveniente salientar que Marcelo Barros desenvolveu, no âmbito da
Teologia da Libertação, um ramo próprio que designou “Teologia da Terra”1.
Esta, para além de um marcante pluralismo, aberto a outras culturas e
religiões (mormente dos povos indígenas e negros brasileiros), distingue-se por
apresentar uma forte componente holística de ligação à Terra, às origens, a uma
espiritualidade ecológica2. Esse peculiar clérigo afirmou
precisamente, na aludida palestra, que descobriu «a espiritualidade ecológica não na comunidade beneditina mas nos
indígenas brasileiros e nas comunidades negras do candomblé».
Ora, feito este introdutório enquadramento, vamos então
a essa pequenina narrativa em jeito de parábola:
Numa viagem de carro, que decorria numa serra
brasileira, um chefe índio mandou parar o veículo, saiu para o exterior e quedou
expectante… O condutor branco, passado algum tempo, perguntou-lhe se estava com
algum problema; ao que o índio respondeu: você veio muito depressa e a minha
alma não conseguiu acompanhar. Estou à espera da minha alma. Quando eu perco a
alma, reconcilio-me, ligo-me à natureza, canto,… E vocês quando perdem a alma o
que fazem?
Notas:
1. Para conhecer o seu pensamento, destacamos, de entre a sua obra literária, A Secreta magia do caminho (Nova Era,
1997), O espírito vem pelas águas
(Loyola, 2008) e Teologia pluralista
libertadora intercontinental (Editora Paulinas, 2008).
2. Marcelo Barros teve o cuidado prévio de diferenciar “espiritualidade” e “espiritualismo”,
tal como “espiritual” e “espiritualizado”. Espiritualidade será a vida
conduzida pelo Espírito Santo, a vida verdadeira… De que decorre a questão:
como ter uma vida verdadeira numa Terra destruída [ou significativamente
adulterada…]?
segunda-feira, 7 de julho de 2014
Capacidade de pensar
«De bicicleta
abrandei em relação ao carro e, a pé, abrandei em relação à bicicleta.
Encontrei uma correlação directa entre desconforto e tempo. O desconforto impôs
a dilatação do tempo e, a Caminho de Santiago, o tempo não é dinheiro nem passa
a correr. É o único capaz de fazer o que é preciso. Regenerar. Ele ganhou
volume e eu dei-lhe espaço.
A dinâmica dos
meus dias é bem diferente. Controlada pela rapidez dos transportes, das respostas
que exijo e me são exigidas, vivo rodeada de listas de coisas por fazer e de
listas de como as resolver. O tempo é sempre curto para o número de
solicitações e a minha cabeça desdobra-se em exercícios de resposta imediata,
enquanto, em simultâneo, antecipa o ponto que se segue. Assim, dou por mim com
a perícia de um polvo, munida de vários braços e com capacidade de os estender
para assuntos diferentes. Sempre ao mesmo tempo. A isto chama-se multitasking e este estrangeirismo entrou na gíria
empresarial portuguesa como uma das características mais valorizadas num
colaborador. Contudo, vários investigadores têm opinião contrária à dos
gestores.
Segundo eles, a
probabilidade de iniciar qualquer coisa e deixá-la interrompida, ou até mesmo
inacabada, é muito elevada. Não existe concentração, mas, antes, dispersão. Por
um lado, há um pico de adrenalina ao ser-se solicitado com intensidade e
frequência, mas por outro, surgem sentimentos de desmotivação porque as
celebrações pela conclusão de algo escasseiam. Aos poucos, perde-se a
capacidade de pensar a fundo, durante muito tempo – como é expectável quando o
assunto é para levar a sério. Em resumo, a mente está sempre ocupada, mas isso
não significa que esteja a pensar.»
Fausta Cardoso Pereira – Bom Caminho (Lisboa:
Planeta, 2013, pp. 100-101)
Nota:
Bom
Caminho trata-se de
um livro motivador que, como está explícito na capa, pretende ser «um convite à viagem e à reflexão». Este «relato na primeira pessoa da experiência
transformadora do Caminho Português de Santiago» surge, a nosso ver,
motivador no panorama de outras obras do género pela sua aparente simplicidade
plena de clareza… É certamente um livro que recomendamos e poderá ler aqui as primeiras páginas.
sábado, 5 de julho de 2014
Volta à Ibéria (II)
O nosso companheiro Hélder Cabral Vieira, do CIMO –
Clube Ibérico de Montanhismo e Orientação, concluiu o “Perímetro Ibérico – 5000
km a Pé”. O projecto que começou na Trafaria (península de Setúbal), no dia 4
de Janeiro, teve hoje o seu terminus
ao fechar-se o itinerário circular de longa distância no ponto onde teve início
há seis meses atrás. Hélder Vieira já vinha “aclimatado” da iniciativa que
concretizou no ano passado ao realizar a volta a Portugal a pé. Pelo
andamento ficamos expectantes a aguardar qual será a sua próxima caminhada de
longo curso…
A Volta à Ibéria já foi alvo de um post anterior no Pedestris e, desde
então, temos vindo a acompanhar o desenrolar desta extensa deambulação
peninsular. Pelo feito aqui ficam os nossos parabéns.
A Mãe de Todas as Quedas!
Os dois acidentes ocorridos na ilha da Madeira, em
Junho passado, no âmbito da prática de pedestrianismo e que se saldaram na
morte de três “turistas alemães” mereceram o destaque dos media1 e, mais uma vez, vieram lembrar as “estatísticas”,
tantas vezes ignoradas e de difícil confirmação, que estimam o falecimento na
região de quatro a seis praticantes anualmente. Tendo em conta as ditas “estatísticas”,
avançadas por órgãos de informação, que apontam para cerca de quatro a quatro
mil e quinhentas pessoas a caminhar por dia, durante a época alta, talvez se
chegue à conclusão que o número de mortes não será tão elevado, como possa parecer
à primeira vista, se comparado com a prática de pedestrianismo em outras
regiões como, por exemplo, a área francesa do Maciço do Monte Branco de que se
conhecem estatísticas fidedignas e disponibilizadas todos os anos. Mas não nos
move aqui o intuito de analisar ou sequer tecer quaisquer considerandos acerca
da fenomenologia dos incidentes e/ou dos acidentes na conjuntura da prática do
pedestrianismo na Região Autónoma da Madeira, ainda para mais quando já existem
estudos sobre a matéria que ultrapassam o mero nível de singelos comentários2.
No que concerne a incidentes e/ou acidentes na
prática de pedestrianismo, em geral (portanto independentemente dos
circunstancialismos locais), gostaríamos de salientar, isso sim, a importância
de investir fortemente na prevenção/formação. Os praticantes devem possuir conhecimentos
e experiência suficientes, tal como disporem de equipamento adequado, para as
actividades em que se envolvem e os turistas devem ser enquadrados por
profissionais devidamente certificados e que garantam a qualidade, nomeadamente
em termos de segurança, dos serviços que prestam. Por outro lado, os percursos pedestres balizados devem estar nas melhores condições, desde logo no tocante ao número, visibilidade e qualidade das marcas. E escusado seria dizer que
tanto pedestrianistas quanto turistas deveriam possuir seguro para a prática da
modalidade não se desse o caso de muitas vezes isso não acontecer! Por vezes
tal sucede porque os envolvidos são induzidos em erro ao, considerando o
pedestrianismo como fácil, confundirem os conceitos de dificuldade e de
perigosidade (tal como perigos e riscos) e, nesse contexto, pensarem ser
desnecessário satisfazer um conjunto de requisitos para uma prática (mais) “segura”
dessa actividade!! Por isso, encontrando-se em percursos tecnicamente fáceis,
como uma levada, sujeitam-se frequentemente a perigos óbvios, como queda de
pedras e/ou dos próprios praticantes, sem se darem conta da situação em que estão
envolvidos!!!
No campo de acção da prevenção gostaríamos de destacar o exemplo
do projecto Montañas Seguras, actualmente denominado “Montaña Segura”, que se
focou na prevenção de acidentes em meio montanhoso e que, entre outras
iniciativas, resultou na publicação de diversos folhetos informativos,
designadamente no âmbito do pedestrianismo, e na elaboração do MIDE – Método para la Información De Excursiones. Dentro dessa temática destacamos igualmente a
publicação de La Seguridad en Montaña3, resultante dos trabalhos desenvolvidos durante o VII Seminario de Parques Nacionales y Deportes de Montaña que decorreu, de 15 a 17 de Novembro de 2013, no Centro Nacional de
Educación Ambiental de Valsaín (Segóvia – Espanha). O evento, organizado pela
Federación Española de Deportes de Montaña y Escalada (FEDME), em colaboração
com o Organismo Autónomo de Parques Nacionales, reuniu 64 especialistas
(representantes de 15 Comunidades Autónomas), entre montanheiros e gestores
ambientais, que estabeleceram algumas linhas mestras em matéria de segurança.
Notas:
1. Surgiram notícias em vários suportes informativos, como a TVI, o Diário de Notícias ou o Observador, entre outros.
2. Nesse contexto, destacamos a tese
de mestrado Turismo e Riscos na Ilha da Madeira – Avaliação, Percepção, Estratégias de Planeamento e Prevenção (2010), da autoria de Daniel Márcio
Fernandes Neves.
3. Documento na versão inglesa: Safety in the Mountains.
3. Documento na versão inglesa: Safety in the Mountains.
quinta-feira, 3 de julho de 2014
Eco-vigilância
A
designada “fase Charlie” de combate a incêndios florestais começou anteontem
(dia 1 de Julho) e estende-se até 30 de Setembro. A época mais crítica no
tocante a essa tipologia de incêndios levou, como já vem sendo hábito desde há
anos, à activação de diversos dispositivos de combate traduzidos sob a forma de
sonantes números: recursos humanos, veículos terrestres, meios aéreos,
postos de vigia e… milhões de euros! Será igualmente quase certo o repetitivo discurso da necessidade de promover a prevenção de incêndios, designadamente
através da “limpeza das matas”, sobretudo quando os tão ou mais sonantes valores
de área queimada forem aumentando, de forma mais ou menos alarmante, consoante
as condições climatéricas e a motivação dos incendiários! No ano passado, o
fogo consumiu mais de 145 mil hectares de “floresta” – a maior área ardida dos
últimos oito anos!
A
importância de uma cidadania ambiental responsável e pró-activa, que envolva
“todos nós”, devia tornar-se, por isso, tão óbvia quanto premente, com particular enfoque na prevenção e alerta de incêndios florestais (não esquecendo, a montante, o plantio de árvores). É neste contexto que
os cidadãos em geral e os pedestrianistas em particular poderão (e deverão)
desempenhar um significativo papel. Estes últimos ao palmilharem a pé,
sobretudo durante os fins-de-semana (mas não só), as mais diversas geografias
nacionais poderão constituir um meio privilegiado de vigilância e alerta;
ademais assente no voluntariado e, por isso, gratuito… A importância de um
rápido alerta de incêndios florestais (através dos números de telefone 117 ou 112) é primordial para um combate igualmente rápido e eficaz. Foi,
aliás, nesse contexto que a Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal
(FCMP) e a Fédération Française de la Randonnée Pedestre (FFRP) lançaram, em
2005, a campanha de sensibilização, vigilância e adopção de comportamentos adequados
em caso de incêndios: Eco-Vigilância/Éco-Vigilance.
Os incêndios
originados por causas naturais constituíram uma das principais forças promotoras
da diversidade vegetal e do rejuvenescimento de bosques… Alguns biótopos como a
taiga e o chaparral ou matagal mediterrânico dependem dos fogos e existem
espécies perfeitamente adaptadas a esses eventos como Sequoiadendron giganteum ou Pinus
palustris. No entanto, em Portugal e em Espanha (tal como noutros países), o
elevado número de incêndios resultantes de causas não naturais e a destruição recorrente
de grandes áreas florestais ultrapassam enormemente a capacidade de regeneração
desses ecossistemas. A “tradição” dos incêndios florestais que, ano após ano,
assola a Ibéria e atinge dimensões de calamidade, a prosseguir da forma como
nos tem “habituado” (?) levará à desertificação de grande parte da península antes
do final do século! As paisagens não são estáticas, evoluem, transformam-se e…
«Puszcza, uma velha palavra polaca, significa
«floresta primitiva». Estendendo-se ao longo da fronteira entre a Polónia e a
Bielorússia, o meio milhão de hectares da Bielowieza Puszcza contêm o último
fragmento que resta de floresta selvagem e primitiva. Pense na floresta escura
e brumosa que lhe vinha ao espírito quando, em criança, lhe liam as histórias
de fadas dos irmãos Grimm. Aqui, freixos e tílias crescem a quase trinta metros
de altura, com as suas enormes copas coroando um mundo intrincado de abetos
europeus, fetos, vegetação pantanosa e cogumelos das mais variadas formas. Os
carvalhos, envoltos pelo musgo de meio milénio, crescem tanto neste lugar que
os grandes pica-paus guardam sementes de abeto nas fendas da casca. O ar
espesso e frio, está envolto em silêncio, brevemente interrompido pelo grasnar
de um quebra-nozes, pelo piar rouco de um mocho ou pelo uivo de um lobo, para
logo regressar à quietude.
A fragrância que se escapa das folhas e ervas apodrecidas acumuladas durante
milénios evoca as próprias origens da fertilidade. Na Bialowieza, a profusão de
vida deve muito a tudo o que está morto. Quase um quarto da massa orgânica
acima do solo encontra-se em vários estádios de apodrecimento – mais de 50
metros cúbicos de troncos e ramos decompostos por hectare, alimentando milhares
de espécies de cogumelos, líquenes, insectos, larvas e micróbios que não
existem nas bem ordenadas e controladas áreas arborizadas que noutros sítios
passam por florestas.
No seu
conjunto, estas espécies constituem uma despensa natural que alimenta doninhas,
martas, texugos, lontras, raposas, linces, lobos, veados, alces e águias.
Encontram-se aqui mais formas de vida do que em qualquer outro lugar do
continente – apesar de não haver montanhas circundantes ou vales abrigados que
formem nichos para espécies endémicas. A Bialowieza Puszcza é, simplesmente,
uma relíquia do que antes se estendia para leste até à Sibéria, e para poente
até à Irlanda.
terça-feira, 1 de julho de 2014
Acertar o passo
O
jornalista e escritor Stephen Grahan
(1884-1975) ter-se-á tornado um fervoroso adepto da caminhada, à semelhança de Henry-David
Thoreau (1817-1862) ou John Muir (1838-1914), na razão directa do seu cansaço crescente
face ao mundo industrializado em geral e da civilidade inglesa em particular.
No seu primeiro livro A Vagabund in the Caucasus (1911), Grahan
faz alusão ao começo da sua vida como “vagabundo” em termos bastante
contundentes: «where
I had sold myself to work, I had now bought myself back». Após a sua partida para “explorar” a
Rússia nunca mais voltaria a trabalhar com horário e sítio fixos, pois decidiu trocar,
nas suas palavras, a «dependência do homem pela dependência de
Deus». Na verdade, a
exploração em que se envolveu profundamente não foi sobretudo ou meramente de
natureza geográfica mas sim a de si próprio (exploring the self). E essa exploração, busca ou (re)descoberta
espiritual recorreu (ou processou-se) significativamente ao (através do) andar a pé. A
caminhada no terreno foi, pois, acompanhada simultaneamente por tão ou mais
notórias deambulações por geografias interiores…
O
acto de colocar um pé à frente do outro permitiu-lhe aproximar-se de si próprio
e, simultaneamente, da Natureza. Segundo Grahan a morte do espirito estava
ligada, de certa forma, ao falecimento da floresta e tanto uma como a outra
deveriam ser contrariadas através de actos e/ou pensamentos revitalizadores e
primordiais… Thoreau escreveu, no seu ensaio Caminhar (1862), que “na Natureza Selvagem (Wilderness) se encontrava a preservação do mundo”. Ora esse ponto
de vista tornar-se-ia profético sob mais aspectos do que aqueles que alguma vez
Thoreau poderia ter imaginado ou Muir e Grahan poderiam ter intuído. Todos
estes caminhantes eram renegados solitários – isolados na sua rebelião face à
industrialização – na defesa da Natureza, mas dificilmente terão vislumbrado a dimensão
que as alterações ambientais, por vezes catastróficas, iriam assumir nesta
alvorada do século XXI! Faríamos bem se considerássemos a caminhada – o acto de
caminhar – como uma via – ou caminho – privilegiado de (re)posicionamento da
nossa relação com a Natureza. Resta ver é se ainda iremos a tempo de acertar o
passo!
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