Os feedbacks intrínsecos e extrínsecos são essenciais nos
processos de aprendizagens motoras, i.e. de aquisição de habilidades
mais ou menos complexas e intencionais, envolvendo um conjunto de mecanismos
sensoriais. O feedback constitui uma das principais componentes do
processo de ensino-aprendizagem, nomeadamente por se tratar de uma variável que
pode e deve ser manipulada pelos treinadores.
O feedback intrínseco (ou inerente) é aquele que o
praticante apreende através do seu sistema sensorial (visão, audição,
cinestesia, etc.), durante ou após o movimento, permitindo a detecção de
certos aspectos do desempenho de uma determinada habilidade ou conjunto de
habilidades. O feedback extrínseco (ou aumentado) corresponde à
informação que o praticante recebe de uma fonte externa – normalmente da parte
de um treinador – relativa a aspectos relevantes da execução de uma determinada
habilidade ou conjunto de habilidades. Este tipo de feedback irá,
portanto, e desde logo, salientar a diferença entre o padrão do movimento executado
e o padrão considerado ideal. Neste contexto, o feedback extrínseco distingue-se
do intrínseco por possibilitar a monitorização, avaliação e manipulação de variáveis
durante o processo de treino.
O feedback intrínseco é inerente e indissociável dos
processos de treino mas deve ser (re)orientado e/ou robustecido (aumentado) pelo
feedback extrínseco, nomeadamente por este comportar um destacado papel
motivador e de melhoria da execução de habilidades motoras. O contributo
externo é insubstituível na identificação e correcção de erros. Saliente-se
também que o feedback extrínseco possibilita um mais assertivo, ajustado
e, por isso, adequado conhecimento dos resultados e dos desempenhos.
DR © Serra da Estrela (2017)
Feedback pedagógico e questionamento
De entre os comportamentos que estão relacionados com a eficácia da
actuação dos treinadores salienta-se a utilização, mais ou menos frequente, do feedback,
tendo como principais objectivos a correcção e a motivação dos praticantes (Côté
& Sedgwick, 2003 in RODRIGUES & SEQUEIRA, 2017: 174). O feedback
extrínseco constitui uma das principais componentes do processo de
ensino-aprendizagem, designadamente porque possibilita a correcção, por parte
do treinador, de aspectos relevantes da execução de determinado exercício. Essa
técnica de intervenção pedagógica permite não só identificar aquilo que está a
ser executado de forma errada ou menos bem, mas também salientar aquilo que
melhorou ou, inclusivamente, a excelência do desempenho, com notórios efeitos
positivos a nível motivacional. Allen e Howe (1998) referem que a satisfação
dos praticantes com o seu treinador está relacionada com uma maior frequência
de feedbacks positivos por parte deste (RODRIGUES & SEQUEIRA, 2017:
174); no entanto, essa “metodologia” deve ser ponderada tendo em conta que se as
“mensagens” não forem ancoradas em resultados realmente positivos os atletas
ir-se-ão aperceber da falsidade das mesmas e o processo de treino será
desacreditado.
A eficácia do feedback extrínseco está dependente da
capacidade do treinador diagnosticar erros e prescrever soluções (ROSADO, 2017:
4). Se o feedback extrínseco não está a obter resultados satisfatórios
talvez seja porque o treinador não esteja a identificar correctamente os erros
e/ou a transmitir adequadamente as supostas soluções. O treinador, nestas
circunstâncias, deverá recorrer ao questionamento do praticante para indagar
sobre o que este pensa ser(em) o(s) entrave(s) à melhoria do desempenho;
ademais caso já tenha aplicado intervenções pedagógicas, consideradas necessárias
e suficientes, ao nível da informação, da demonstração e, claro está, do feedback
extrínseco. Saliente-se, contudo, que este tipo de questionamento mais não será,
afinal, do que apelar ao feedback intrínseco do praticante para, deste
modo, o treinador tentar diagnosticar adequadamente o porquê dos erros e quais
as eventuais soluções a aplicar. Neste contexto, o feedback extrínseco,
com o intuito de melhorar o desempenho do atleta, pode evidenciar não só cariz
negativo e/ou positivo, como também assumir diferentes matizes: feedback
descritivo, prescritivo, avaliativo ou, até (como realçámos), interrogativo. A
maior utilização do feedback descritivo, prescritivo e avaliativo numa
sessão de treino, em detrimento do interrogativo, denotará a maior importância
que geralmente os treinadores atribuem ao seu papel na detecção e correcção de
erros cometidos pelos praticantes, em detrimento do feedback intrínseco
da parte destes. No entanto, uma verdadeira retroacção treinador-praticante não
deverá ignorar os sentimentos do praticante mas sim integrar esse “sentir” no
processo de treino, ademais no contexto do treino desportivo numa fase de
iniciação de jovens praticantes.
Quando abordamos as quatro técnicas de intervenção pedagógica dos
treinadores – informação, demonstração, feedback e questionamento – facilmente
constatamos que estas não são estanques e que existem notórias sobreposições,
por vezes difíceis de destrinçar, entre elas. O feedback verbal pode
assumir a faceta de informação; uma demonstração pode adoptar características
de feedback visual ou, caso envolva contacto e/ou manipulação corporal,
de feedback sinestésico; já uma informação oral acompanhada de uma demonstração
poderá ser considerada um feedback audiovisual; e, como já referimos, um
questionamento pode ser entendido como uma forma de feedback
interrogativo. Neste contexto, torna-se de certo modo difícil elencar as (grandes)
diferenças entre a utilização do questionamento e do feedback pedagógico
na correcção de jovens atletas. Pese embora essa dificuldade, pensamos ser
importante diferenciar, na medida do possível, as quatro técnicas de
intervenção pedagógica dos treinadores, nomeadamente no que concerne o feedback
e o questionamento, com vista à optimização do processo de treino.
O questionamento a que fizemos alusão e que poderá, de certo modo,
considerar-se como uma forma de feedback interrogativo, envolve em regra
perguntas de análise, síntese e/ou avaliação de desempenho de determinado
exercício/tarefa. Já o questionamento que envolve perguntas para testar
conhecimentos, a compreensão ou a transferência para novas situações será
aquele que se poderá considerar questionamento stricto sensu. Esta forma
de questionamento pode desempenhar uma importante função pedagógica no final de
uma unidade de treino, como forma de fazer um balanço do que foi feito e também
de auscultar o grau de satisfação dos praticantes (COELHO, 2016: 16). Note-se
que as questões de análise, síntese e/ou avaliação também podem e devem ser
colocadas no final de uma unidade de treino, todavia parece-nos que aqui
residirá uma das grandes diferenças entre a utilização do feedback
pedagógico e do questionamento s.s. na correcção de jovens atletas: o
primeiro será utilizado, em regra, no decurso de uma unidade de treino e o
segundo no final da mesma. O feedback mais como acção directa correctiva,
o questionamento como balanço ou apelo à reflexão do praticante e, portanto,
como correcção de certo modo indirecta. Essa forma de recorrer ao feedback
e ao questionamento não impede nem desaconselha, contudo, a sua alternância
durante a realização de uma sessão/unidade de treino. Coelho (2016: 18)
salienta, aliás, a importância de alternar a informação de retorno (feedback
pedagógico) com o questionamento, designadamente por facilitar a compreensão da
tarefa e promover a comunicação entre o treinador e o praticante. Destaque-se
também a importância do questionamento como forma abrangente de resolução de
problemas e/ou tomada de decisões (RESENDE et al., 2017: 44).
Será igualmente de assinalar, no tocante às diferenças entre feedback
e questionamento, que o uso do primeiro será mais adequado numa fase de
iniciação a uma modalidade – correspondente a estádios de incompetência
inconsciente e, posteriormente, consciente – e que o questionamento se tornará
mais pertinente à medida que os praticantes evoluem para níveis de
aperfeiçoamento ou avançados – caracterizados por competência consciente e, seguidamente, inconsciente,
mormente no âmbito dos Desportos de Montanha (AYORA, 2008: 130-131). Só depois
dos praticantes tomarem consciência da sua incompetência poderão avançar
satisfatoriamente no processo de aprendizagem (SEGURA, 2017: 61) e para que
essa evolução se possa concretizar é fundamental fazer um uso adequado, i.e.
gradativo, do feedback pedagógico e do questionamento.
DR © Penedo da Amizade - Sintra (2017)
Técnicas de intervenção pedagógica: exemplo do rapel
Abordemos, a título de exemplo, a tarefa/exercício de descida em rapel, efectuada no âmbito
das modalidades de alpinismo, montanhismo e escalada, de acordo com o modelo do movimento
OBSERVAÇÃO-DECISÃO-EMISSÃO DO FEEDBACK.
A OBSERVAÇÃO da
execução de uma descida em rapel deverá centrar-se, numa primeira fase, apenas num
conjunto limitado de princípios basilares do posicionamento corporal, tendo em
conta que esta tarefa/exercício comporta inúmeros aspectos técnicos a ter em
consideração e, por uma razão de gestão da quantidade de informação passada nas
mensagens, é fundamental compartimentar os gestos técnicos de modo a incidir
sequencialmente no seu enfoque. Neste contexto, começamos por identificar as
diferenças entre a prestação real (a execução) e o padrão de posicionamento/desempenho
considerado ideal, incidindo a nossa atenção num conjunto de erros tipificados
que ocorrem com frequência e que é fundamental corrigir, desde logo, no
processo de treino dessa tarefa/exercício, sob pena de determinados “vícios
posturais” adquirirem um carácter “inato” e, portanto, (mais) difícil de
corrigir. Comecemos, pois, por dar atenção a três
aspectos basilares daquilo que se considera o padrão ideal: (1) tronco
verticalizado; (2) pernas ligeiramente flectidas, fazendo um ângulo de cerca de
45º com a vertical e pés afastados à largura dos ombros ou um pouco superior a
esta; (3) a mão que controla a descida posicionada lateralmente ao nível da
anca e a outra mão, que mantém o equilíbrio corporal, colocada (na corda
tencionada) ao nível do plexo solar ou ligeiramente superior a este (CUIÇA,
2010: 162).
Nesta primeira fase, a interpretação da observação, perante a constatação da ocorrência de desvios ao padrão ideal, deve dar origem invariavelmente à tomada da DECISÃO de reagir, tendo em conta que é fundamental identificar e corrigir as posturas de base, referidas acima, desde logo e as vezes que for necessário até atingir os resultados pretendidos; i.e., uma correcção, rumo à excelência (ou transcendência?), da execução que traduza uma adequada competência consciente ou, posteriormente, uma competência inconsciente. No início de qualquer processo de aprendizagem de uma tarefa/exercício com as características do rapel, os praticantes estão numa fase de ignorância inconsciente (são inconscientemente incompetentes), sendo necessário identificar e transmitir as incorrecções existentes de modo a que estes possam passar a uma fase de incompetência consciente. Só depois dos praticantes tomarem consciência da sua incompetência poderão avançar satisfatoriamente no processo de aprendizagem e para que essa evolução se possa concretizar é fundamental fazer um uso adequado do FEEDBACK PEDAGÓGICO.
A questão que se coloca ao treinador será qual a melhor forma de administrar o feedback pedagógico no que concerne à aprendizagem do rapel? Nesse contexto, é necessário dar muita atenção à qualidade do feedback com vista a optimização do melhoramento da prestação motora do(s) praticante(s), sendo fundamental partir do simples (e só depois para o mais complexo), do fácil (para o difícil) e sempre através de mensagens curtas e concretas. De entre os factores que influenciam a capacidade de fornecer um bom feedback destacamos, na tarefa/exercício que estamos a analisar, a importância de manter uma concentração constante e o enfoque permanente no tipo de resposta motora esperada por parte do atleta durante todo o processo de treino. Se necessário for, poderemos trabalhar os três “aspectos basilares”, apontados acima, focando-nos apenas num de cada vez e, só depois, abordá-los em simultâneo. Sem nunca esquecer, contudo, que é fundamental dar um feedback (correctivo) sempre que se verifique um erro notório em qualquer um dos aspectos, mormente se esse “lapso” colocar o praticante em risco. Para atingir bons resultados é necessário, regra geral, dar uma importância especial ao reforço, sem esquecer a motivação. O reforço conduz o praticante à repetição do mesmo movimento (gesto técnico) inúmeras vezes, com vista ao aperfeiçoamento da sua execução. A motivação permite a manutenção ou até o incremento do interesse e do esforço por parte do praticante.
Nesta primeira fase, a interpretação da observação, perante a constatação da ocorrência de desvios ao padrão ideal, deve dar origem invariavelmente à tomada da DECISÃO de reagir, tendo em conta que é fundamental identificar e corrigir as posturas de base, referidas acima, desde logo e as vezes que for necessário até atingir os resultados pretendidos; i.e., uma correcção, rumo à excelência (ou transcendência?), da execução que traduza uma adequada competência consciente ou, posteriormente, uma competência inconsciente. No início de qualquer processo de aprendizagem de uma tarefa/exercício com as características do rapel, os praticantes estão numa fase de ignorância inconsciente (são inconscientemente incompetentes), sendo necessário identificar e transmitir as incorrecções existentes de modo a que estes possam passar a uma fase de incompetência consciente. Só depois dos praticantes tomarem consciência da sua incompetência poderão avançar satisfatoriamente no processo de aprendizagem e para que essa evolução se possa concretizar é fundamental fazer um uso adequado do FEEDBACK PEDAGÓGICO.
A questão que se coloca ao treinador será qual a melhor forma de administrar o feedback pedagógico no que concerne à aprendizagem do rapel? Nesse contexto, é necessário dar muita atenção à qualidade do feedback com vista a optimização do melhoramento da prestação motora do(s) praticante(s), sendo fundamental partir do simples (e só depois para o mais complexo), do fácil (para o difícil) e sempre através de mensagens curtas e concretas. De entre os factores que influenciam a capacidade de fornecer um bom feedback destacamos, na tarefa/exercício que estamos a analisar, a importância de manter uma concentração constante e o enfoque permanente no tipo de resposta motora esperada por parte do atleta durante todo o processo de treino. Se necessário for, poderemos trabalhar os três “aspectos basilares”, apontados acima, focando-nos apenas num de cada vez e, só depois, abordá-los em simultâneo. Sem nunca esquecer, contudo, que é fundamental dar um feedback (correctivo) sempre que se verifique um erro notório em qualquer um dos aspectos, mormente se esse “lapso” colocar o praticante em risco. Para atingir bons resultados é necessário, regra geral, dar uma importância especial ao reforço, sem esquecer a motivação. O reforço conduz o praticante à repetição do mesmo movimento (gesto técnico) inúmeras vezes, com vista ao aperfeiçoamento da sua execução. A motivação permite a manutenção ou até o incremento do interesse e do esforço por parte do praticante.
Subentende-se que antes do feedback, se procedeu à
informação e à demonstração de como executar o exercício/tarefa antes de o
praticante empreender essa execução. O feedback, o reforço e a motivação
decorrem da execução por parte do praticante, das repetições da execução em
causa e da motivação com vista à sua melhoria.
Só depois de dominados os três “aspectos basilares” se estará em
condições de evoluir no processo de treino, dando atenção não só a outros
aspectos/abordagens posturais, como também a outras variáveis, designadamente o
perfeito domínio da técnica gestual, a velocidade de execução ou a excelência
da operacionalização dos equipamentos utilizados, designadamente o descensor
utilizado na manobra (tarefa/exercício). Neste contexto, será de assinalar o
facto de nesta abordagem nos termos focado apenas num exemplo do treino da
técnica gestual da descida em rapel e deliberadamente termos ignorado a adequada
utilização dos Equipamentos de Protecção Individual (EPI) e/ou da técnica
inerente à correcta montagem de um rapel e da sua operacionalização que, per
si, também são alvo de processos de treino específicos.
Pedro Cuiça
DR © Serra de Candeeiros (2017)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AYORA, Alberto. Gestión del Riesgo en
montaña y en actividades al aire libre.
Madrid: Editorial Desnivel, 2008, pp. 256. ISBN 978-84-9829-142-1
COELHO, Olímpio. Didática do Desporto. Lisboa:
Instituto do Desporto de Portugal, 2016, pp. 28. Disponível em http://www.idesporto.pt/ficheiros/file/Manuais/GrauI/GrauI-01_Didatica.pdf. [Consult.
04/06/2019]
CUIÇA, Pedro: Guia de Montanha –
Manual Técnico de Montanhismo I; Lisboa: Federação de Campismo e
Montanhismo de Portugal/Campo Base, 2010, pp. 224. ISBN 978-989-96647-1-5
SEGURA, José Ignacio. Seguridad en
Montaña – Los peligros ocultos. Madrid: Editorial Desnivel, 2017, pp.
318. ISBN 978-84-9829-392-0
RESENDE, Rui et al.. Exercício
profissional do treinador desportivo: Do conhecimento a uma competência eficaz.
Journal of Sport Pedagogy and Research, 2017, 3(1), pp. 42-58.
RODRIGUES, José & SEQUEIRA, Pedro. Contributos para a
Formação de Treinadores de Sucesso. Lisboa: Visão e Contextos – Edições
e Representações, 2017, pp. 254. ISBN 978-989-99399-9-8
ROSADO, António. Lidar com o Erro em Treino Desportivo.
Lisboa: Comité Olímpico de Portugal/Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
Desportivo, 2017, pp. 17. Disponível em
http://formacao.comiteolimpicoportugal.pt/Publicacoes/COP_PFO_PPD/file010.pdf. [Consult. 5/06/2019]
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