No coração do silêncio
[Pedro Cuiça © Serra dos Candeeiros (15/Out. 2017)]
«Goza o concreto sabendo-o abstrato.»
Agostinho da Silva
Na sequência de uma formação na área das actividades de ar livre,
que decorreu no passado fim-de-semana, dei por mim num estado de espírito
incomodativamente perturbante: uma sensação de notório desagrado aparentemente
indizível, inominável e, portanto, inenarrável. No entanto, tal aparência não
passava disso mesmo, tendo em conta que o fenómeno era não só definível como
explanável em grande parte.
O andar a pé pode constituir um ponto de partida e/ou um fio
condutor de diversificadas vivências profundas. Por exemplo, na linha da designada
“caminhada holotrópica”, em torno da ecosofia e da eco-espiritualidade com base
em exercícios direccionados ao sentir, demandar e des(en)cobrir a Natureza. Todavia,
no passado fim-de-semana estivemos apartados de tais experimentalismos, nem era
suposto, expectável ou desejável que tal ocorresse. Os exercícios incidiram num
conjunto de abordagens e de técnicas centradas na prática, mais costumaz, da
chamada “caminhada pedestre” ou “pedestrianismo”! A fenomenologia emocional de
que padeci não se deveu, contudo, a tais abordagens que, aliás, podem (e devem)
ser, por sinal, muito interessantes e susceptíveis de originarem importantes
frutos. Ademais, não é condição necessária, e menos ainda obrigatória (?), que
as praxis em causa busquem as
profundezas ou seja o que for enquanto (espartilhante ou monotonamente) único.
A desatenção plena será tão desejável nalgumas circunstâncias quanto a atenção
plena noutras, tal como a superficialidade nalgumas ocasiões quanto a
profundidade noutras tantas. São estas ambivalências do sentir/fazer que
permitem abranger o mais amplo e desejável espectro de possibilidades do ser… A
simplicidade não implica ser simplório, ignorante e, menos ainda, fanático ou
adepto de tiranias! E, na linha de Agostinho da Silva, apetece-me dizer que não
sou nem do ortodoxo, nem do heterodoxo, mas sim do paradoxo.
O incómodo que me assaltou terá sido uma espécie de efeito
secundário daquilo que se poderá designar por “distopia pós-moderna anti-natural
e pretensamente igualitária”, plena de ruídos, enganos ou leviandades dans l'air du temps… Talvez nesse dia
estivesse extraordinariamente saudoso da utopia espartana híper-natural que
tanto valorizo e aprecio, da nobreza do ser, do virtuosismo da simplicidade, da
perfeição e da elaboração cuidada, da vontade de excelência, do dever a cumprir
arduamente, monasticamente… E, simultaneamente, de um sentimento de
extraordinária leveza, de uma subtil impermanência, da insubstancialidade e da inter-dependência
de/entre todos os seres. Talvez nesse dia estivesse assaltado por recorrentes
saudades do futuro, na busca de um novo/velho andar, a-final de um andar bem.
As nossas fraquezas podem ser forças e, muitas vezes, o importante
não é o que fazemos mas sim a forma como fazemos. E cada vez que nos “confrontamos”
com a Natureza não é possível enganar-nos, tal como não podemos enganar o
cavalo se formos o cavaleiro! Qualquer tempo e espaço são sagrados porque estão
no interior da consciência. Daí a importância da atenção e da intenção… E,
neste contexto, meia palavra deveria bastar ou, melhor ainda, o belo e
esclarecedor silêncio.
A linguagem verbal ou escrita não permite apreender a essência do real, exceptuando
por vezes através da poesia, e o seu mau uso pode não só gerar graves equívocos
como ser extremamente perturbador. Afortunadamente podemos partir do ruído da
linguagem até ao silêncio: a pedra angular do carácter e simultaneamente o
Grande Mistério. E a verdade encontrar-se-á no coração do silêncio.
«There is a language older by
far and deeper than words. It is the language of bodies, of body on body, wind on snow, rain on
trees, wave on stone. It is the language
of dream, gesture, symbol, memory. We have forgotten this language. We do not even remember
that it exists.»
Derrick Jensen
Porque amanhã vem aí chuva... E já não era sem tempo!
[Pedro Cuiça © Serra dos Candeeiros (14/Out. 2017)]
Que tempo o tempo tem? E folhas ao vento...
[Pedro Cuiça © Serra dos Candeeiros (15/Out. 2017)]
O tempo geo... lógico
[Pedro Cuiça © Serra dos Candeeiros (15/Out. 2017)]
Sem comentários:
Enviar um comentário