LER E ESCREVER
«De quanto se escreve, só amo o que alguém escreve com o seu
sangue. Escreve com sangue, e descobrirás que o sangue é espírito.
Não é nada fácil compreender o sangue alheio; eu detesto todos os
que lêm como ociosos.
Quando se conhece o leitor, já nada se faz pelo leitor. Mais um
século de leitores, e o próprio espírito será um fedor.
Que toda a gente tenha o direito de aprender a ler, eis o que com a
continuação vos aborrece não somente de escrever mas de pensar.
Outrora o espírito era Deus, depois fez-se homem, agora
transforma-se em populaça.
O que escreve com o seu sangue e em máximas não quer ser lido, mas
decorado.
Nas montanhas, o
caminho mais curto vai de cimo a cimo; mas para isso é preciso ter pernas
altas. As máximas devem ser cumieiras, e aqueles a quem as destinas devem ser
esbeltos e altos.
O ar leve e puro, o perigo próximo e o espírito pleno de alegre
malícia, tudo isto se harmoniza maravilhosamente.
Gosto de me ver rodeado por duendes maliciosos, porque sou corajoso.
A coragem afugenta os fantasmas, mas cria os seus próprios duendes. A coragem
gosta de rir.
Sinto todas as coisas diferentemente de vós; a nuvem que distingo
abaixo de mim, escura e carregada, e de que me rio – é para vós uma nuvem
tempestuosa.
Vós olhais para cima, porque aspirais a elevar-vos. E eu, como
estou no alto, olho para baixo.
Qual de vós sabe ainda rir, mesmo depois de ter atingido o alto?
(…) Eu aprendi a andar:
desde então deixei de esperar que me empurrassem para mudar de sítio.
Vede como me sinto
leve; vede, estou a voar; vede, agora vejo-me do alto, como um pássaro; vede,
um Deus dança em mim.»
Assim falava Zaratustra.
[NIETZSCHE, 1985:45-47]
Pedro Cuiça © Vale de Baztan (Navarra, 28/Out. 2017)
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
NIETZSCHE,
Friedrich. Assim Falava Zaratustra. Lisboa:
Guimarães Editores, 1985, pp. 376.
E, com-tudo:
«Nasceste com asas. Não foste feito para rastejar. Logo não rastejes e assume as tuas asas.»
Jalāl-ad-Dīn Muhammad Rūmī (séc. XIII)
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