terça-feira, 22 de agosto de 2017

Um deus pedestre

«Este Filho, por outro lado, que passa fome, que sofre sede, que se cansa, que fica triste, que está ansioso, que é importunado e mortificado, que tem de tolerar apoiantes que não o entendem e opositores que não o respeitam – que espécie de deus é ele? É um deus a uma escalada demasiado humana, é o que ele é. Há milagres, sim, principalmente de natureza médica, uns poucos para satisfazer os estômagos humanos esfomeados; no máximo acalma uma tempestade, caminha um pouco sobre a água. Se isto é magia, é uma magia menor, ao nível dos truques de cartas. Qualquer hindu é capaz de fazer cem vezes melhor. Este Filho é um deus que passava a maior parte do tempo a contar histórias, a conversar. Este Filho é um deus que caminhava, um deus pedestre – e num lugar quente, ainda por cima –, com um andar como o andar de qualquer humano, com as sandálias por cima das pedras ao longo do caminho; e, quando usava um meio de transporte, era um burro vulgar. Este Filho é um deus que morreu em três horas, com queixumes, arquejos e lamentos. Que espécie de deus é este? O que há de inspirador neste Filho?
O amor, disse o padre Martin.» [MARTEL, 2012: 70]

Pedro Cuiça © Catedral de Sevilha (2017)


REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
MARTEL, Yann. A Vida de Pi. Barcarena: Editorial Presença, 2012, 11ª ed., pp. 322.

Sem comentários:

Enviar um comentário