A 22ª
Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações
Climáticas (COP-22) está a decorrer, de 7 a 18 de Novembro, na cidade
marroquina de Marraquexe. A incógnita centrar-se-á até onde os perto de 200
países participantes estarão dispostos a ir com vista à concretização do
primeiro (pretenso) grande acordo mundial contra o aquecimento global. Acordo que
entrou em vigor há escassos dias, menos de um ano depois de ter sido aprovado
na conferência realizada no ano transacto em Paris; apesar de, até ao momento,
dos 197 signatários pouco mais de metade terem ratificado o dito! As Nações Unidas
voltaram, entretanto, a alertar para a urgência de agir rapidamente no que
concerne à redução das emissões de gases com efeito estufa, de modo a evitar
“uma tragédia”. Portanto, mais do mesmo! Na verdade, tendo em conta que nos Estados
Unidos foi eleito um Presidente que “não acredita” nas alterações climáticas, será expectável que possa vir aí algo de novo (ou do mesmo?).
Os
governos mundiais andam a falar de prevenir as alterações climáticas há mais de
duas décadas. Na realidade o organismo intergovernamental incumbido de evitar
níveis “perigosos” de aquecimento global não só não conseguiu fazer progressos
durante os seus 20 e tal anos de trabalho (e mais de 90 reuniões de negociações
oficiais) como supervisionou um processo de retrocesso contínuo (KLEIN, 2016:
23). Os governos desperdiçaram anos preciosos em torno de minudencias
irrelevantes e de bur(r)ocracias, num jogo do “empata” que se consubstanciou
num resultado catastrófico fruto dessa enorme mistificação e procrastinação .
Dados preliminares revelam que, em 2013, as emissões globais de dióxido de
carbono (CO2) eram 61% mais elevadas do que em 1990, ano em que as
negociações com vista a um tratado sobre o clima terão começado a sério (ibidem). E a “seriedade” prosseguiu com
um aumento reiterado das emissões, de 2013 até hoje, numa displicente sequência
de encontros intergovernamentais. Se os governos estivessem realmente
empenhados na implementação de medidas eco-lógicas teriam de transformar a
“economia de casino”, das últimas décadas, numa “eco-nomia verde”, transição
que implicaria mudanças profundas na forma como vivemos, designadamente no que
concerne ao consumo e à mobilidade. Basta constatar o modo como, por exemplo,
os transportes públicos em Portugal continuam inexplicavelmente quase na mesma
(ou piores), comparativamente ao importante investimento em infraestruturas
rodoviárias (mormente auto-estradas), num notório favorecimento do transporte
privado motorizado, para comprovar a falta de empenho político no que concerne
à mitigação do aquecimento global! Por outro lado, a generalidade das ONGs
ditas “ambientalistas” têm vindo a implementar estratégias num quadro de
ambientalismo superficial, com base em teses de “mal menor”, ou mesmo alinhando
declaradamente com os interesses das indústrias poluidoras, ao invés de
assumirem um ecologismo profundo ancorado num “bem maior”.
Mas, para
além dos jogos de bastidores e das invariavelmente importantes declarações
“para inglês ver”, quer de políticos, quer de ambientalistas, num aparente
imobilismo, não deixa de ser interessante constatar mudanças, a nosso ver, significativas no tocante à temática em causa. Desde logo a “espalhafatosa”
cobertura jornalística de que foram alvo iniciativas como Quioto e a Cimeira do
Rio (Eco-92) face ao quase esquecimento que se verifica no tocante à agora em
curso COP-22 de Marraquexe. E o que dizer do bloqueio noticioso sobre o que está
a acontecer, de há alguns meses a esta parte, na reserva de Standing Rock
contra o Dakota Access Pipeline, os confrontos policiais e a prisão de mais de
400 manifestantes? Nunca ouviu falar do assunto, nem dos confrontos que
ocorreram na floresta de Skouries e na aldeia de
Ierissos (Grécia), em Pungesti (Roménia), em Balcombe (West Sussex – Reino
Unido), em New South Wales (Austrália), entre outros? Não se espante, pois tal
não será certamente por acaso.
«Durante décadas, o
movimento ambiental falou a linguagem emprestada da avaliação de riscos,
trabalhando diligentemente com parceiros nas empresas e no governo para
equilibrar os níveis perigosos de poluição com a necessidade de lucro e
crescimento económico. (…) A ação necessária para salvar a humanidade do risco
muito real de caos climático foi ponderada friamente face ao risco que essa
ação representaria para os PIB, como se o crescimento económico ainda
importasse num planeta abalado por desastres em série.
Porém, em Blockadia*, a avaliação de riscos foi
abandonada na beira da estrada barricada, substituída por um ressurgimento do princípio da precaução – que diz que,
quando a saúde humana e o ambiente estão substancialmente em risco, não é
necessária certeza científica absoluta antes de agir. Mais, o ónus de provar
que a prática é segura não deve ser imputado àqueles que ela poderá prejudicar.
Blockadia
está a inverter a situação, insistindo que cabe à indústria provar que os seus
métodos são seguros – na era das fontes de energia obtida por processos
extremos, isso é algo que pura e simplesmente não pode ser feito. (…)
Resumindo,
as empresas de combustíveis fósseis já não estão a lidar com aqueles grandes
grupos verdes [ou
partidos políticos] que podem ser silenciados com um donativo
generoso ou com um programa de créditos de compensação de carbono para limpar a
consciência. As comunidades que enfrentam não pretendem, na sua maioria,
negociar um acordo melhor – seja sob a forma de postos de trabalho locais e royalties mais elevados sejam melhores padrões de
segurança. Cada vez mais estas comunidades se limitam a dizer rotundamente
«Não». Não ao oleoduto. Não à perfuração no Ártico. Não aos comboios de carvão
e petróleo. Não às cargas pesadas. Não ao terminal de exportação. Não ao fracking. E não somente: «Não à minha porta.»
(NIMBY), mas, como dizem os ativistas franceses anti-fracking: «Ni ici, ni ailleurs.» – nem aqui nem em lado nenhum. Por outras
palavras: chega de novas fronteiras do carbono.
Com
efeito, o fidedigno insulto NIMBY perdeu completamente a eficácia. Tal como diz
Wendell Berry, socorrendo-se de palavras de E. M. Forster, a conservação
«desperta o afeto» – e, se todos nós amássemos a nossa casa o suficiente para a
defendermos, não haveria crise ecológica, nenhum lugar alguma vez poderia ser
declarado zona de sacrifício. Simplesmente não teríamos outra alternativa senão
adotar métodos não tóxicos de satisfazer as nossas necessidades.
Esta
clareza moral, após décadas de parcerias verdes íntimas, é o verdadeiro choque
para as indústrias extrativas.» (KLEIN, 2016: 406-407)
Nos últimos anos,
o cerco tem-se vindo a apertar e o silêncio surge cada vez mais conveniente
para quem não tem argumentos defensáveis no que concerne à exploração
de combustíveis fósseis. O oleoduto Keystone XL provocou, em 2011, uma onda
histórica de desobediência civil em Washington, seguida dos que foram, na
altura, os maiores protestos na história do movimento climático nos Estados
Unidos: mais de 40 mil pessoas diante da Casa Branca em Fevereiro de 2013
(KLEIN, 2016: 367). E essas manifestações não se circunscrevem, de todo, a
minorias étnicas ou à problemática da exploração de combustíveis fósseis por processos
extremos em geografias remotas. O problema já chegou a muitos países
ocidentais, nomeadamente a Portugal, onde existe a intenção de explorar reservas
na plataforma continental…
A novidade caracteriza-se,
cada vez mais, pela espontaneidade com que a Blockadia surge no seio das
comunidades afectadas. ««Vassilou, uma
animadora juvenil que integra a luta contra a mina de ouro Eldorado na Grécia,
descreve isso como viver num «mundo de pernas para o ar. Corremos o risco de
cada vez mais inundações. Corremos o risco de, aqui na Grécia, nunca mais
voltarmos a ter primavera ou outono. E eles dizem-nos que corremos o risco de
sair do euro. É de loucos?» Por outras palavras, um banco falido é uma crise
que podemos resolver; o Ártico destruído, não.» [KLEIN, 2016: 420]
O movimento contestatário é global e a comprová-lo temos o apoio inequívoco a
Stading Rock surgido das mais diversas proveniências…
Nota: *O grupo de acção
directa Tar Sands Blockade usou pela primeira vez a palavra “Blockadia”, em
Agosto de 2012, enquanto planeava o que se transformou num bloqueio que durou
85 dias na construção do Keystone (no leste do Texas).
Fonte bibliográfica:
KLEIN, Naomi. Tudo Pode Mudar – Capitalismo vs. Clima. Barcarena: Editorial Presença, 2016, pp. 654.
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