É
gratificante constatar o actual interesse pela caminhada como actividade
retemperadora do bem-estar e da saúde dos praticantes. Mais curioso do que
interessante é deparar com apologistas dos benefícios da marcha e que
simultaneamente defendem uma espécie de «caminhadas instantâneas» que, por um
lado, satisfazem as necessidades prementes de exercício físico e,
simultaneamente, não comprometem os afazeres de quem se acha tão ocupadíssimo!…
Sendo certo que «antes pouco do que nada», uma prática integrante e integradora
de caminhada passará necessariamente por um (re)ajuste do dia-a-dia no que
concerne não só à vivência (e portanto à disponibilidade) do tempo como também à implementação de efectivos estilos
de vida verdadeiramente impactantes, mormente no que concerne a uma alimentação
natural e a um sono revigorante.
Nos
dias que correm é recorrente falar-se de falta de tempo!... Apesar de existirem
mil e uma invenções que pretensamente servem para acelerar processos – e, por
isso, para poupar tempo (?) – nunca houve tanta falta de tempo como agora!
Nesse contexto, será compreensível a opinião dos paladinos das «marchas
instantâneas», «caminhadas paliativas» ou sucedâneos, contudo tal comporta uma manifesta incongruência. Os benefícios da caminhada passam precisamente
pela «desaceleração» ou, melhor, pela vivência do aqui e do agora, para além do
tempo passado ou futuro, independentemente do ritmo da marcha. Só desta forma
poderão os praticantes atingir elevados níveis de atenção e de consciência, (re)ligando-se
profundamente ao meio circundante e ao si (portanto ao todo), libertando-se de
eventuais stresses e/ou distracções nefastas. Desta forma, caminhar poderá transcender
o simples (mas poderoso) exercício físico de andar, tornando-se uma actividade holística,
com assumidas e diversificadas componentes, designadamente de âmbito espiritual
ou psicológico (como queiram). Desta forma, caminhar torna-se uma espécie de «máquina
do tempo», uma forma de regresso à (nossa) Natureza, às origens, ao primal…
Ó Pedro Cuiça (Santa Rita - Algarve)
Os
símios andam, por norma, menos de três quilómetros por dia, mas os seres
humanos são caminhantes de fundo prodigiosos. Um ser humano audaz, George
Meegan, percorreu recentemente o trajeto desde a extremidade austral da América
do Sul até à parte mais setentrional do Alasca, fazendo uma média de 13
quilómetros por dia. Embora a jornada de Meegan tenha sido invulgar, a
distância média diária por ele percorrida não está longe daquilo que os
modernos caçadores-recolectores andam quando forrageiam (as fêmeas fazem uma
média de nove quilómetros e os machos 15 quilómetros).
[LIEBERMAN, 2015: 111]
Os
inconvenientes da falta de tratamento das causas de uma doença têm vindo a ser
discutidos e debatidos desde há séculos, regra geral no contexto da doença de
um paciente. Segundo o dicionário, o sentido da palavra “paliativo” (usada pela
primeira vez no século XV) prendia-se com cuidados que «aliviam os sintomas da
doença ou condição sem lidar com a causa subjacente». Além disso, muitos
biólogos evolutivos e antropólogos explicaram como a cultura e a biologia
interagem entre si ao longo de vastos períodos de tempo, não só para estimular
a mudança biológica, mas também para estimular a mudança cultural. (…) Todavia,
falta-nos um bom termo para o pernicioso ciclo de retroação que ocorre ao longo
de múltiplas gerações quando não tratamos as causas de uma doença de
incompatibilidade, transmitindo, em vez disso, os fatores ambientais que causam
a doença prevalente e por vezes a piora. Regra geral sou avesso a neologismos,
mas creio que «desevolução» é uma palavra nova útil e adequada, pois, segundo a
perspetiva do corpo, o processo é uma forma de mudança prejudicial (des) ao longo do tempo (evolução).
[LIEBERMAN, 2015: 235]
Uma
forma muito simples de comparar o trabalho dos agricultores, dos
caçadores-recoletores e dos povos pós-industriais modernos é avaliar o nível de
atividade física (NAF). O NAF avalia o número de calorias gastas por dia (gasto
energético total), dividido pelo número mínimo de calorias necessário para que
o corpo funcione (o índice metabólico em repouso, IMR). Em termos práticos, o
NAF é o rácio entre a energia gasta em dada altura e a quantidade necessária de
energia para dormir um dia inteiro numa temperatura confortável de cerca de 25
graus centígrados. O nosso NAF será provavelmente de cerca de 1,6 se for um
empregado de escritório sedentário, mas poderá baixar até 1,2 se passar o dia
em repouso num hospital, e poderá subir aos 2,5 ou mais se estiver a treinar
para uma maratona ou para a Volta a França em Bicicleta. Vários estudos
descobriram que os NAF dos agricultores de subsistência de África, Ásia e
América do Sul são uma média de 2,1 nos homens e 1,9 nas mulheres (variação:
1,6 a 2,4), apenas ligeiramente mais elevado do NAF da maior parte dos
caçadores-recoletores, em média 1.9 nos homens e 1,8 nas mulheres (variação:
1,6 a 2,2).
[LIEBERMAN, 2015: 261]
Ó Pedro Cuiça (Castroeiro - Mondim de Basto, Jun. 2016)
Bibliografia
LIEBERMAN, Daniel. A História do Corpo Humano - Evolução, saúde e doença. Lisboa: Temas e Debates & Círculo de Leitores, 2015. ISBN 978-989-644-317-7