Forum Ambiente nº 74 de Outubro de 2001 - Percurso: Pedro Cuiça - Ilustrações: Nuno Farinha e Fernando Correia
domingo, 30 de agosto de 2015
quinta-feira, 27 de agosto de 2015
Mas não é a mesma coisa?!
O que me calhou na rifa: Disneylândia (Paris)!!! Ó Pedro Cuiça (Agosto de 2015)
«As viagens mais incríveis fazem-se às vezes
sem sair do mesmo lugar.»
Henry Miller
– O
Mundo do Sexo e Outros Textos; Lisboa: Dom Quixote, 1987, p. 45
Não, este não se trata de mais um texto apologético sobre as maravilhas
de Viajar no Sofá. De facto, como creio que terá ficado relativamente bem
demonstrado, podemos efectivamente viajar sem sair do mesmo lugar. Poder,
podemos… mas não é (certamente) a mesma coisa! Este é um texto sobre aquilo que
(real-mente) é e o que parece... O que sub-entende uma essência “da coisa”,
abordagem para a qual não estamos habilitados (ou motivados?), por isso cingir-nos-emos,
então, a meras aparências ou ilusões. Faceta, aliás, que não é de somenos
importância tendo em conta a preponderância da mesma na superficialidade dos
dias (e, já agora, das noites). Deixaremos o mergulho nas profundezas da
realidade (ou par’além desta!) para uma outra altura, mais auspiciosa, na qual
nos sintamos mais versados (ou motivados?) nas artes respiratórias, mormente no
tocante a apneias.
Enfim, nos últimos tempos, tenho pensado bastante acerca das aparências e
das ilusões por estas provocadas (ou vice-versa?), fenómeno pródigo em
mal-entendidos, confusões e outras tropelias. Aquilo que o povo, na sua
sabedoria secular, expressa, de forma muitíssimo acurada, por “as aparências
iludem” ou de modo mais singelo por “as iludências aparudem”! Depois de seis
dias em grandes andanças por Paris, outras tantas jornadas de caminhada e/ou
corrida à beira-mar, no “meu al-Gharb”,
e meia dúzia de passeatas diárias em Lisboa, poderei dizer que regressei a casa.
Mas, trocadilhos à parte, as cogitações não só continuam como ter-se-ão mesmo
agravado…
Paris (esquerda) e Lisboa (direita) Ó Pedro Cuiça (Agosto de 2015)
Após as intensas deambulações na dita “cidade luz” des-cubro a luz-boa
às portas de casa, tal como o notório (ou aparente?) contraste entre a cidade e
o campo (e/ou a praia?). Relembro velhas espiritualidades desta finisterra
a-Ocidente e dou por mim em divagações sobre a vivência dos amplos espaços e a
síndrome de Lemúria ou o regresso a formulações filosóficas acerca de conceitos
como “natureza”, “natural”, “sobrenatural” e “artificial”. Talvez seja do tempo
– não sei se derivado das temperaturas amenas para a época, se dos nevoeiros
matinais – ou quiçá seja algum sinal dos tempos – não sei se algo oculto dans l’air du temps. Talvez tenha sido “por
estas e por outras” que decidi publicar, um dia destes, aqui no Pedestris, um
“trabalho” sobre Conceitos(s) de Natureza. Por isso, na verdade, estas parcas palavras
constituirão (ou não?) um simples intróito circunstancial!
A arte viva: Rimbaud (Montmartre - Paris) Ó Pedro Cuiça (Agosto de 2015)
A síndrome de Lemúria: Mona lisa (Louvre - Paris) Ó V.R. (Agosto de 2015)
Os vastos espaços de ar livre: "praia de Faro" (Algarve) Ó Pedro Cuiça (Agosto de 2015)
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quarta-feira, 26 de agosto de 2015
Paranóia deambulatória
Librairie J. N. Santon, Passage Verdeau (Paris) Ó Pedro Cuiça (Agosto de 2015)
Caminhar com o estômago vazio, caminhar com o
estômago cheio, caminhar para fazer a digestão, caminhar à procura de comida,
caminhar porque é a única distracção que a bolsa permite, como teve de concluir
Balzac quando veio para Paris. Caminhar para abandonar o espectro. Caminhar em
vez de chorar. Caminhar na esperança vã de encontrar um rosto amigo. Caminhar,
caminhar, caminhar… Mas para quê continuar? Vamos arrumar o caso com um rótulo
– «paranóia deambulatória».
Henry MILLER – Um Diabo no Paraíso; Lisboa: Livros
do Brasil, p. 14
Um caso de bibliofagia - Librairie Farfouille, Passage Verdeau (Paris) Ó Pedro Cuiça (Agosto de 2015)
Um simples passeio à volta de Paris-Mountrouge,
Gentilly, Kremlim-Bicêtre, Ivry – era o suficiente para me desequilibrar para
todo o resto do dia. Eu gostava de sentir-me desequilibrado, de perder a
consciência, de me desorientar assim de manhã cedo.
(As caminhadas a que me refiro eram «passeios
higiénicos» e dava-as antes do almoço. O meu espírito ficava livre e vazio, e
eu preparava-me física e intelectualmente para longos trabalhos, agarrado à
máquina de escrever). Seguindo pela Rue de la Tombe-Issoire, alcançava os boulevards limítrofes e depois
dirigia-me para os arrabaldes e deixava os meus pés levarem-me para onde
quisessem. Instintivamente, ao regressar, encaminhava-me sempre para a Place de
Rungis, que misteriosamente se ligara a certas fases do filme L’Âge d’Or, e particularmente com o
próprio Luis Buñuel. Aqueles nomes de rias extravagantes, aquela atmosfera
irreal, a variedade de gamins, de
miúdos e de monstros que pareciam vir de outro mundo, eram para mim uma
vizinhança extraordinária e sedutora. Sentava-me muitas vezes num banco
público, fechava os olhos durante um certo tempo, para desaparecer da
superfície. Depois, abria-os de repente para observar o que se passava à minha
volta com o olhar distante dos sonâmbolos. Ante os meus olhos espantados
deslizavam cabras da banlieue,
pranchas de navio, cintos de segurança, vigas de aço, passerelles e sautrelles,
juntamente com aves degoladas, armações de veado, velhas máquinas de costura,
ícones a chorar e toda uma sucessão de fenómenos inacreditáveis. Não se tratava
de um bairro, mas sim de um vector, um vector muito especial, criado
inteiramente para meu benefício artístico, criado expressamente para envolver
num enredo emocional. Enquanto subia pela Rue de la Fontaine à Mulard, lutava
freneticamente para deter o meu delírio, lutava para dominar e fixar no meu
espírito (pelo menos até ao pequeno almoço) três imagens absolutamente
dispares, que, se conseguisse ligar convenientemente, me permitiriam descobrir
uma brecha através de uma passagem difícil (do meu livro) em que não pudera
penetrar no dia anterior. A Rue Brillat-Saverin, que atravessa como uma cobra a
Place de Rungis, sugere os trabalhos de Eliphas Levi, a Rue Butte aux Cailles
(mais adiante) evoca os Passos da Cruz; na Rue Félicien Ropes (num outro
ângulo) ouvia os sinos tocar e o bater de asas de pombos. Quando atravessava um
momento de depressão, o que era frequente, todas estas associações, deformações
e interpretações se tornavam ainda mais violentamente quixotescas. Nesses dias,
achava natural receber, no correio da manhã, um segundo ou terceiro exemplar de
I Ching, um álbum de Seriabine, um
pequeno livro sobre a vida de James Ensor ou um tratado de Pico della
Mirandola. Ao lado da secretária, como uma recordação de festas recentes, havia
sempre garrafas de vinho cuidadosamente arrumadas: Nuits Saint-Georges, Gevrey-Chambertin,
Clos-Veugeot, Vosne Romanée, Messault, Traminer, Château Haut-Brion, Chambolle-Muigny,
Montrachet, Beaune, Baeujolais, Anjou e Vouvray, esse vin de prédilection
de Balzac. Velhas amigas, exploradas até à última gota. Algumas ainda conservam
um ligeiro aroma.
Pequeno almoço chez
moi. Café forte e leite quente, dois ou três deliciosos croissants quentes com manteiga e um
pouco de compota. E, com o pequeno almoço, um golo de Segóvia. Um imperador não
arranjaria melhor.
Dei um pequeno arroto, palitei os dentes, tamburilei
com os dedos, olhei à minha volta (como para ver se tudo estava em ordem!),
fechei a porta e agarrei-me à máquina de escrever. Pronto a partir. O cérebro
preparado para trabalhar.
Henry MILLER – Um Diabo no Paraíso; Lisboa: Livros
do Brasil, pp. 26-28
Café Wepler, Praça Clichy (Paris) Ó Pedro Cuiça (Agosto de 2015)
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Moicanos?!
Nestes
dias nos quais se assiste à formação de grandes grupos económicos – em
detrimento de pequenas e micro-empresas típicas de um comércio local e,
portanto, de proximidade – confrontamo-nos com a tão lamentável quanto irreversível
extinção de tradições ímpares e de importantes valores... Os centros comerciais
e/ou os hipermercados surgem, num cenário globalizante, como símbolos
inequívocos dessa tendência monopolizadora e monocultural, mas o fenómeno é
muito mais vasto e alastra-se a praticamente todos os sectores das sociedades
pós-modernas. O mercado livreiro não é excepção e a demonstrá-lo está o fecho
de numerosas editoras, livrarias e alfarrabistas. Maleita particularmente fatal
nos projectos especializados mas que também afecta (e cada vez mais) opções
generalistas. Neste contexto, é “politicamente correcto” (será?) enaltecer os
projectos de nichos como a literatura de montanha e é, sem dúvida, fundamental
apoiar/incentivar essas iniciativas que, salvo algumas raríssimas e honrosas excepções,
surgem sob roupagens “românticas” ao estilo “último dos moicanos”!
ÓPedro Cuiça (Barcelona, 2014)
ÓPedro Cuiça (Madrid, 2013)
segunda-feira, 3 de agosto de 2015
Viajar no Sofá (II)
Tal como referimos ontem ao (re)publicarmos Literatura de Viagem – Viajar no Sofá, finalizamos aquilo que
poderá ser considerado um “convite” a leituras estivais, que não se esgotarão
certamente na estação, com uma centena de sugestões. Na verdade, trata-se da
apresentação de mais de 100 livros cuja degustação não se limitará de todo ao
conforto de um sofá.
100 Livros de
Viagem
Frank Tatchell, no livro The Happy Traveller: A Book for
Poor Men (1923), dá-nos a conhecer o seu hábito de, enquanto esperava
um comboio, se divertir a fazer uma lista daqueles que considerava serem os
livros de viagens de primeira qualidade. «Há tão poucos!», escreveu ele,
acrescentando: «Começo com estes: Eöthen, de Kinglake; Bible
in Spain, de Borrow; Moby Dick, de Melville; Alps
and Sanctuaries, de Butler; Arabia Deserta, de Doughty; Voyage
Round the World, de Anson; Viagem do Beagle, de Darwin; Naturalist
on the Amazons, de Bates; Malary Archipelago, de Wallace.»
Quando pensamos na enorme variedade de livros de viagem
e/ou de aventura existentes não podemos deixar de sorrir face ao passatempo de
Frank Tatchell. A vasta panóplia de obras que se podem incluir no âmbito da
viagem e da aventura impossibilita qualquer listagem completa, mesmo que se
resuma somente à bibliografia existente em português. No entanto, consultámos
um extenso conjunto de livros sobre a temática em causa e resolvemos apresentar
a nossa selecção de 100 títulos de primeira qualidade:
1) O Livro dos Viajantes – Eric Newby
(Europa-América, 1999)
2) O meu Chapéu Cinzento – Olivier Rolin
(Asa, 1999)
3) Pelo Mundo em Bicicleta – Josie Dew
(Europa-América, 2002)
4) Viajar é Preciso – Washington
Araújo (Letraviva, 2000)
5) O Cântico da Viagem – Jacques
Lanzmann (Europa-América, 2002)
6) As Verdes Colinas de África – Ernest Hemingway
(Livros do Brasil)
7) Passeios Africanos – Alberto
Moravia (Difel, 1990)
8) De Benguela às Terras de Iaca – Capelo e Ivens
(Europa-América, 1996)
9) De Benguela às Terras de Iaca (vol. II) –
Capelo e Ivens (Europa-América, 1996)
10) A Costa dos Esqueletos – Rogério Amorim
(Europa-América, 2000)
11) O Velho Nilo – Stanley Stewart (Europa-América,
2000)
12) Tânger e outros Marrocos – Daniel Rondeau
(Europa-América, 2002)
13) África Minha – Isak Dinensen (Europa-América,
2001)
14) She – Rainha de Kôr – Rider Haggard
(Europa-América, 1996)
15) Alão Quartelmar – Rider Haggard (Europa-América,
1999)
16) As Minas de Salomão – Rider Haggard
(Europa-América, 1999)
17) O Turista
Espiritual – Mick Brown (Sinais de Fogo, 2001)
18) Viagens à Procura do Self – Os Pés Alados de
Mercúrio – Luis Pellegrini (Pergaminho, 1999)
19) Os Sete Pilares da Sabedoria – T. E.
Lawrence (Europa-América, 2000)
20) Pelos Desertos das Arábias – Wifred
Thesiger (Europa-América, 2001)
21) Os Navegantes do Deserto – Théodore Monod
(Europa-América, 1999)
22) A Esmeralda dos Garamantes – Théodore Monod
(Europa-América, 2001)
23) Alexandria – Daniel Rondeau (Europa-América,
2002)
24) Trilhos – No Deserto Australiano com Quatro Camelos
e um Cão – Robyn Davidson (Quetzal, 1999)
25) Lugares Desertos – A Odisseia de uma Mulher durante
uma Viagem de Meses com os Nómadas do Deserto Indiano do Rajasthan – Robyn
Davidson (Quetzal, 2000)
26) O Caminho do Oriente – Jaime do Inso
(Instituto Cultural de Macau, 1996)
27) Nas Fronteiras Celestiais – Uma Viagem para lá da
Grande Muralha – Stanley Stewart (Europa-América, 2000)
28) No Dorso do Dragão –
Aventuras e Desventuras de uma Portuguesa na China – Cláudia Ribeiro
(Europa-América, 2001)
29) A Rota da Seda – Luce Boulnois
(Europa-América, 1999)
30) Passagem para a Índia – E. M. Forster
(Europa-América, 2000)
31) Os Conquistadores da Antárctida – Francisco de
Coloane (Europa-América, 1999)
32) À Conquista do Pólo Sul – Beryl
Bainbridge (Europa-América, 1999)
33) A Passagem do Noroste – Scott Cookman
(Europa-América, 1999)
34) Na Sibéria – Colin Thubron (Europa-América,
2002)
35) A Selva – Ferreira de Castro
36) Nos Confins da Amazónia – Alan
Cheerbrant (Verbo, 1978)
37) Peregrinação – Fernão Mendes Pinto
38) Carta de Pêro Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel
sobre o Achamento do Brasil – Pêro Vaz de Caminha (Europa-América,
2000)
39) Navegador Solitário – Navegando Sozinho à Volta do
Mundo – Joshua Slocum (Europa-América, 2000)
40) Nos Mares do Sul – Robert Louis
Stevenson (Europa-América, 2001)
41) A Expedição Ra – Thor Heyerdahl
(Europa-América, 2000)
42) Aku-Aku – O Segredo da Ilha de Páscoa – Thor
Heyerdahl (Europa-América, 2000)
43) O Céu dos Navegantes – Ronaldo
Rogério de Freitas Mourão (Pergaminho, 2000)
44) Terra Prometida – José Manuel
Fajado (Asa, 2001)
45) Náufragos, Traficantes e Degredados – As Primeiras
Expedições ao Brasil (1500-1531) – Eduardo Bueno (Pergaminho, 2001)
46) Moby
Dick – Herman Melville (Europa-América)
47) O Falcão dos Mares – Rafael
Sabatini (Europa-América, 2002)
48) Robinson Crusoe – Daniel Defoe
49) As Viagens de Gulliver – Jonathan Swift
50) A Ilha do Tesouro – Robert L.
Stevenson
51) As Aventuras de Tom Sawyer – Mark Twain
52) O Apelo da Selva – Jack London
53) O Livro da Selva – Rudyard
Kipling (Livros do Brasil)
54) Segundo Livro da Selva – Rudyard
Kipling (Livros do Brasil)
55) Caminhos para Santiago – Desvios pelas Terras e pela
História de Espanha – Cees Nooteboom (Editora Nova Fronteira, 1992)
56) O Diário de um Mago – Paulo Coelho
(Pergaminho, 1990)
57) Guia do Peregrino de Santiago – Máqui
(Ground, 1990)
58) A Caminho de Santiago – Roteiro do Peregrino – Conde de
Almada (Lello Editores, 2000)
59) Por Caminhos de Santiago – Carlos Gil e
João Rodrigues (Dom Quixote, 1997)
60) El Camino – Shirley Maclaine (Sinais de
Fogo, 2001)
61) Caminhos de Fátima – Caminho do Tejo – vários
autores (Reader’s Digest, 2000)
62) Viagens na Nossa Terra – vários
autores (Selecções do Reader’s Digest, 1997)
63) Percursos de Evasão por Terras de Portugal – vários autores
(Edideco, 2001)
64) Percursos de Fim-de-semana – Fernando
António Almeida (Círculo de Leitores, 1992; Publicações Dom Quixote, 1994)
65) Pelos Caminhos de Portugal – Fernando
António Almeida (Círculo de Leitores, 1998)
66) Guia das Mais Belas Viagens de Comboio – (Expresso,
2002)
67) Guia de Portugal – obra em vários
volumes, coordenada por Raúl Proença (Fundação Calouste Gulbenkian)
68) Portugal, a Terra e o Homem – Jaime Cortesão
(Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995)
69) Portugal, a Terra e o Homem – Uma Antologia de
Textos de Escritores dos Séculos XIX-XX – organizada por Vitorino Nemésio
(Fundação Calouste Gulbenkian, 1978)
70) Portugal – Miguel Torga (Coimbra, 1993)
71) Jornadas em Portugal – Antero de
Figueiredo (Bertrand)
72) Viagem a Portugal – José Saramago
(Círculo de Leitores, 1999)
73) Viagens em Portugal em 1795 – James Murphy
(Livros Horizonte, 1998)
74) Uma Visita a Portugal – Hans Christian
Andersen (Ulmeiro, 2000)
75) Uma Visita em Portugal em 1866 – Hans Christian
Andersen (O Independente, 2001)
76) Diário de uma Viagem a Lisboa – Henry Fielding
(Europa-América, 2000)
77) Por este Tejo Acima – Uma Viagem à Descoberta da
Alma Portuguesa – Paul Hyland (Gradiva, 2000)
78) Viagens na minha Terra – Almeida
Garret (1954)
79) Viagem ao Tibete – Alexandra
David-Néel (Círculo de Leitores, 1998)
80) Viagem pelo Tibete – Jacques Bacot
(Europa-América, 1999)
81) Manteiga de Iaque e Chá Preto – Wade
Brackenbury (Bertrand, 1998)
82) Sete Anos no Tibete – Heinrich
Harrer (Asa, 1997)
83) Regresso ao Tibete – Heinrich
Harrer (Asa, 1999)
84) Notícias da China e do Tibete – Cartas dos Cativos
de Cantão: Cristovão Vieira e Vasco Calvo (1524) – O Descobrimento do Tibete:
Pe. António de Andrade (1624)
85) A Mais Alta Solidão – João Garcia
(Publicações Dom Quixote, 2002)
86) Santuários de Montanha – Impressões de Viagens – Gomes
Teixeira (Livraria Clássica Editora, 1926)
87) Aos Montes Hermínios – Impressões de uma Viagem de
Exploração Desportiva na Serra da Estrela Organisada pela Revista Tiro e Sport – Duarte
Rodrigues (1912)
88) Anapurna – A Primeira Ascensão aos 8000 Metros – Maurice
Herzog (Livraria Tavares Martins, 1955)
89) Os Conquistadores do Inútil (vol. I) –
Lionnel Terray (Verbo, 1977)
90) Os Conquistadores do Inútil (vol. II) –
Lionnel Terray (Verbo, 1977)
91) O Guia – Roger Frison Roche (Empresa Nacional
de Publicidade)
92) Regresso à Montanha – Roger Frison
Roche (Empresa Nacional de Publicidade, 1963)
93) A Vitória Solitária – Peter Habeler
(Círculo de Leitores, 1979)
94) A Missão Eiger – Trevanian (Círculo de
Leitores, 1983)
95) Viagem por um País Longo e Estreito – Sara Wheeler
(Europa-América, 2002)
96) Descoberta do Mundo Subterrâneo – Michel
Bouillon (Livros do Brasil)
97) Dez Anos Debaixo da Terra – Memórias de um
Explorador de Cavernas – Norbert Casteret (Livraria Tavares Martins, 1940)
98) À Margem do Tempo – Michel Siffre
(Europa-América, 1965)
99) A Guerra dos Abismos – Fernand
Lambert (Europa-América, 1973)
100) Viagem ao Centro da Terra – Júlio Verne
(Livros do Brasil, 1988)
Pedro Cuiça (revista Forum Ambiente nº 87, Fev. 2003, pp. 72-77)
domingo, 2 de agosto de 2015
Viajar no Sofá
Nesta
época dita "balnear" – na qual grande parte das pessoas, para além de
irem a banhos, gozarão as suas férias – é suposto descansar e “pôr a leitura em
dia”!… Na sequência da publicação, no Facebook, de uma fotografia do Guia
de Montanha na praia, não resisti a “postar” um artigo que escrevi, em
2003, na revista Forum Ambiente (Literatura
de viagens – Viajar no Sofá) e a
caixa que o acompanhava (100 Livros de Viagem). Hoje, para “abrir
o apetite”, aqui fica Literatura de viagens – Viajar no Sofá
e amanhã publicarei a lista da centena de livros que espero venha a ser de
grande utilidade como sugestões para este Verão (e outras estações). Boas
leituras.
ÓAna Custódio (Julho, 2015)
Literatura de
viagens
Viajar no sofá
O desejo de
conhecer o que se esconde por trás da última montanha ou da linha do horizonte
pode-se tornar obsessivo. Uma sensação semelhante à de devorar uma boa prosa na
ânsia de desvelar o que se esconde nas páginas seguintes. No terreno ou nos
livros, viajar é preciso.
Os livros, tal como as viagens, constituem
oportunidades privilegiadas de descoberta, de iniciação, de conhecimento, de
aventura. Essa é a sua magia. As caminhadas não são apenas as que se processam no
mundo exterior. Os percursos interiores podem produzir exactamente o mesmo
efeito. As viagens que fazemos nos sonhos, nos devaneios enquanto despertos ou
nas leituras podem ser tão vivenciadas, tão concretas, quanto aquelas que se
processam nos vastos espaços geográficos.
A velha e frutuosa ligação entre a viagem e a
literatura estabeleceu-se pelo menos desde que Homero fez Ulisses voltar a
Ítaca. Mas as viagens interiores não se resumem às literaturas de viagem ou de
aventura. Muitos escritores ou obras literárias não gostam ou simplesmente não
se enquadram nessas designações e, no entanto, não deixam de proporcionar
excepcionais viagens interiores. A realidade e o sonho são, afinal, formas
complementares de “ir para fora cá dentro”. Fenómeno, aliás, bem expresso pelo
escritor Raúl Brandão em O Pobre de Pedir: «Notem que há factos que talvez nunca se
deram e em grande parte o conflito passou-se no meu íntimo. Mas nem por não se
realizar, o drama foi menos real. Foi talvez maior, porque decorreu sem entraves
na minha alma, desenvolvendo-se até onde quis desenvolver. Decidi em pensamento
as piores acções e as mais absurdas. Que importa que o drama se tenha ou não
exteriorizado?».
Enfim, a leitura constitui uma oportunidade única de
viajar sem sair de casa. Como disse Fernando Pessoa, é uma forma de «sentir tudo de todas as maneiras». Ou
então é uma forte inspiração, guia ou incentivo para abandonar o conforto do
lar, do conhecido, e partir por esse mundo fora rumo à aventura. Ultrapassar,
nas palavras de Júlio Carrapato, o estádio de «aqueles que, sem agir nem pensar, se limitam a ler os rabiscadores de
papel impresso».
Ir para fora cá
dentro
Viajar pelo mundo ou dentro de si mesmo é
fundamental para os processos de crescimento pessoal e de autoconhecimento. Porque
descobrir novas paragens, no terreno ou nos livros, pelo simples facto de tirar
a pessoa do seu quotidiano habitual, obriga-a a ultrapassar os seus costumeiros
horizontes.
Qualquer psicólogo, filósofo ou poeta sabe que o
simbolismo da viagem representa a procura e a descoberta de um centro
espiritual interior. A viagem exprime um desejo de transformação interior que
se projecta no desejo de transcendência. Como consequência, entende-se que
estudar, investigar, procurar, ler são também modalidades de viajar, ou seja,
equivalentes espirituais e simbólicos de uma mesma realidade que é a viagem.
Toda a viagem é, por sinal, um acto sagrado. Quem
viaja busca, mesmo sem o saber, a conexão com alguma forma de divindade. Por
isso, tantas epopeias religiosas e espirituais estão ligadas à ideia de viagem.
A busca da montanha sagrada ou do Santo Graal; os argonautas gregos à procura
do velocino de ouro; o herói Ulisses; os peregrinos de todos os tempos e
lugares que buscam Jerusalém, Roma, Santiago de Compostela ou outros lugares
santos. Todos os caminhos conduzirão ao centro espiritual.
Os peregrinos constituem um tipo especial de
viajantes, que aparentemente viajam no terreno mas que, na verdade, procuram
atingir lugares que se encontram do outro lado, do lado de lá, para além de… Os
peregrinos procuram, na viagem, transcender-se. A meta representada por
santuários, cidades ou montanhas sagradas constitui apenas parte do desafio. O
encantamento que distingue a experiência sagrada da profana manifesta-se mais
facilmente no tempo e no espaço libertados do trabalho e dos afazeres
quotidianos. Não porque o trabalho ou as experiências quotidianas não encerrem
componentes sagradas ou iniciáticas, mas porque geralmente são desempenhadas
num inconsciente estado de automatismo. É a viagem como expressão de mudança –
de lugares, línguas, costumes ou tradições – que funciona, por excelência, como
mecanismo propiciador de transcendência, de ultrapassagem de si próprio.
Cada viagem ou cada livro representa, pois, uma
possibilidade única de descoberta, mas todo o peregrino deve saber que a ânsia
de chegar compromete os resultados da experiência em si. Os verdadeiros
resultados surgem ao longo do trajecto geográfico ou da leitura. A chegada ao
destino ou ao final da obra literária é “apenas” o culminar da empresa, não
sendo geralmente o acontecimento mais importante. Tal como o fim de um livro de
viagens será certamente o começo de outro. Disse o filósofo chinês Lao Tzu,
seis séculos antes de Cristo: «Um bom
viajante não tem projectos determinados e não está ansioso por chegar».
Afinal, importante é compreender que toda a viagem no mundo exterior
corresponde a uma experiência no mundo interior e vice-versa. Toda a aventura
no mundo interior modifica a nossa percepção do mundo exterior, tal como o
inverso. Para a psique tanto faz se a experiência acontece no plano da
realidade concreta do mundo ou no plano da fantasia, do sonho e da imaginação.
O resultado final, como vivência, é idêntico, em tudo semelhante.
As grandes aventuras no terreno começam
frequentemente por uma intensa investigação de documentação escrita sobre os
objectivos em mente. Tanto viagens simples como exigentes expedições dependem
de planificações ajustadas e o conhecimento literário do local ou região onde
estas irão decorrer é fundamental. Mas há também quem se limite e fique
satisfeito por viajar simplesmente no plano imaginário. Tanto uns como os outros
serão “viajantes de sofá”, só que uns limitam-se a essa condição e outros
avançam para a materialização dos seus sonhos de aventura no terreno.
Viagens caseiras
Viale Moutinho, repórter do Diário de Notícias, numa
das suas crónicas (DN Ano 138º, nº 48775, 8 de Outubro de 2002) retrata de
forma magnífica um desses espécimes que poderemos designar como “viajantes de
sofá”. «Conheci um homem que, conforme os
seus circunstanciais interesses ou por entusiásticas sugestões de terceiros,
fazia dossiers pormenorizados sobre
determinadas regiões […] e depois fechava-se durante alguns dias num quarto. E
nesse quarto explorava imaginativamente os folhetos, as fotocópias de
enciclopédias, livros de viagem, romances de aventuras, gramáticas
esquisitíssimas, tudo quanto conseguia reunir. Quando regressava daquela
aventura, aparentava cansaço, mas também exibia felicidade, às vezes mais
magro, mais moreno, e uma vez houve que torceu um tornozelo ao cair de uma
ribanceira – que também as há na imaginação! E sempre trazia imenso para
contar. Quem não conhecesse o seu peculiar expediente de viajante – e poucos
eram, soube-o eu por involuntária inconfidência de uma filha –, ficava
fascinado a ouvi-lo narrar como se livrara de um bando de moscas venenosas no
ventre da pirâmide de Quéops, do seu encontro com o trineto do Tigre da Malásia
ou de um pequeno almoço a três, com Picasso e Dali».
Quem nasceu nos anos 60 lembra-se, certamente, do
sucesso dos livros de Lobsang Rampa durante a década de 80. O seu primeiro
livro, O Terceiro Olho – autobiografia de um monge tibetano que
cresceu no mosteiro Chakpori em Lassa – foi o começo de um profícuo trabalho
que levou à edição de mais uma dúzia de obras. O seu grande sucesso não foi
aparentemente afectado pela revelação que Lobsang Rampa não era monge tibetano!
Era, curiosamente, natural de Devon (Inglaterra) e chamava-se Cyril Henry
Hoskins. Este baseou os seus livros na imaginação e nos conhecimentos que foi
beber aos textos de Madame Blavatsky e Alexandra David-Néel. Esta última, sim,
viajou bastante pelo Tibete e foi a primeira mulher europeia a obter uma
audiência com um Dalai Lama, o décimo terceiro, que conheceu em 1912 quando
este se encontrava no exílio temporário em Darjeeling. Lobsang Rampa, ou
melhor, Cyril Hoskins era afinal um “viajante de sofá”. Mais um exemplo entre
tantos outros que, de forma explícita ou encapotada, lícita ou desonesta, vivem
intensas aventuras caseiras no conforto do sofá.
A visão do Tibete como local de excepção espiritual
generalizou-se sobretudo devido ao romance de James Hilton, The
Lost Horizon, que foi publicado em 1933. A história de Hilton falava de
quatro ocidentais que viajaram da Índia para um reduto situado nos Himalaias, o
mítico Shangri-La onde os habitantes levavam vidas dedicadas à arte e à
contemplação. O livro de Hilton obteve um imenso sucesso, foi adaptado ao
cinema e introduziu a palavra “Shangri-La” no léxico como sinónimo de uma
utopia pacífica, de paraíso terreal.
Todos os exploradores, aventureiros e viajantes
anseiam secretamente descobrir um dia um vale desconhecido, isolado do resto da
humanidade: o mito do reino perdido de Shangri-La. Só quem caminhou durante
dias por entre montanhas inóspitas ou vastos desertos sem ver vivalma pode
entender tal fenómeno. O desejo de conhecer o que se esconde por trás da última
montanha ou da linha do horizonte torna-se obsessivo. Algo de semelhante às
emoções sentidas por quem devora as linhas de uma boa prosa na ânsia de
desvelar o que se esconde nas páginas seguintes… O problema surge quando a
viagem ou o livro acabam, chegam ao fim.
Samuel Johnson, em A Journey to the Western Islands
of Scotland (1775), expressa bem a desilusão inerente à conclusão de
uma viagem, literária ou no terreno: «Ouviram-se
muitas vezes queixar de me sentir desapontado com livros de viagens;
infelizmente, receio que a própria viagem termine também em desapontamento.» No entanto, o final de uma viagem pode
ser encarado tão somente como o início de novos desafios, novas oportunidades
de descoberta. Como escreveu Saramago na sua Viagem a Portugal (1999):
«O fim de uma viagem é apenas o começo de
outra.» E assim recomeça o ciclo.
Pedro Cuiça (revista Forum Ambiente nº 87, Fev. 2003, pp. 72-77)
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