domingo, 1 de fevereiro de 2015

Ir aos gambozinos?

Porque por estas noites está (quasi) Lua Cheia e nesta altura se celebra uma das oito festividades da roda do ano, esta trata-se indubitavelmente de uma ocasião especial para efectuar caminhadas nocturnas em plena natureza… A festividade que para os celtas marcaria o início da Primavera, é também designada “Imbolc”, “Imbolg” ou “Oilmec” nos meios neopagãos portugueses (!), e estaria associada à deusa Brighid. A sua apropriação pelo cristianismo terá dado origem ao dia de Sta. Brígida e à festa das Candelárias. A diversa simbologia (luz, gravidez, leite, lua, etc.) associada a estas comemorações ancestrais, que remontarão a tempos neolíticos, remetem para a fertilidade e, por isso, para a Deusa-Mãe, mas o que motiva a escrita deste post não se centra propriamente na análise de crenças agro-pastoris (nem as festividades referidas são as únicas ou tão simples quanto grosseiramente esbocei). Análise para a qual não estou, aliás, devidamente habilitado…
O que me inspirou esta “postagem” foi o facto de não só nos encontrarmos numa altura auspiciosa para andar à noite no seio da natureza mas sobretudo a constatação de que as caminhadas nocturnas em Sintra se tornaram uma moda, que as temáticas das mesmas são regra geral curiosas (pitorescas ou picarescas?) e que estão a originar algum mal-estar em certos meios esotéricos ou ocultistas da nossa praça!
As deambulações noctívagas em Sintra não constituem um fenómeno recente tendo em conta que, desde há décadas, diversas pessoas (entre as quais me incluo) têm tido por hábito usufruir, a horas tardias, os encantos dessa Montanha Sagrada que já foi (e ainda é) designada “Serra da Lua”. Por outro lado, para que não se gere qualquer mal-entendido, convém deixar claro que considero que o acto de caminhar em Sintra, seja de dia ou de noite, não é prerrogativa ou exclusivo seja de quem for.
A novidade no tocante a andanças nocturnas consiste na vulgarização e, se assim me poderei exprimir, nas roupagens fantásticas com que se pretende abrilhantar a “coisa”. Algumas iniciativas apresentam-se como simples caminhadas na vila de Sintra ou na região de Sintra, ou simplesmente sugerem que se “descubra Sintra à noite”, e outras assumem ainda um cariz filosófico ou debruçam-se sobre “geo fenómenos”… à noite (andarão a medir o geomagnetismo terrestre?)! Mas os passeios que estão a causar alguma celeuma abordam temáticas algo diferentes: discos voadores, assombrações, fantasmas, histórias de outro mundo, magia e/ou feitiçaria… Outros empreendedores exploram a “atracção” do Hallowen (designadamente “pelas Antas da Serra de Sintra”!) ou as sextas-feiras 13 (com ou sem “apontamentos místicos e culturais”!).
Da minha parte, já pouca coisa me espanta e no que concerne às andanças em questão menos ainda me perturbam ou sequer incomodam. Na verdade, até acho alguma “graça” a estas iniciativas… Quando tinha 12 anos participei, numa noite em que estava acampado na Serra de Monchique, numa caçada aos gambozinos* nos quais, desde logo, não acreditei e posteriormente não voltaram a apanhar-me em “filmes” do género. Essa noite foi, contudo, memorável: não pelos ausentes “gambúzios” mas porque no intenso desafio em que estava envolvido, em plena escuridão, dei por mim a rastejar sobre uma vaca (ou boi?). Facto de que dei conta somente quando a dita (ou o dito) se terá sentido importunada(o) e se moveu… Creio que não será necessário referir que apanhei um susto dos grandes e que, mesmo sem luz, corri o que pude! As intensas experiências nocturnas, sem luz artificial, têm-se repetido sob variados moldes e por diversas vezes ao longo dos quase 35 anos que empreendo actividades de ar livre, e conheço bastante bem o que é a escuridão total das zonas afóticas das grutas. Digo isto apenas para fechar o círculo sobre o assunto deste post: esta é (mais uma vez) uma ocasião auspiciosa para caminhar sob o plenilúnio, para sentir o mistério nocturno… Uma oportunidade magnífica para experienciar velhos atavismos; vivenciar aquilo que Mircea Eliade designou por “ciência do concreto” ou “pensamento selvagem”.
E, já agora, no que concerne a lunários sou daqueles que não prescindem d’O Verdadeiro Almanaque :) O Borda d’Água reza que 1 de Fevereiro é dia de Sta. Brígida (mística!) e que a 2 de Fevereiro se comemora a Festa das Candelárias, Imbolc para os celtas. Garantido também é que estamos a meio caminho entre o Solstício de Inverno e o Equinócio da Primavera, e que a 3 de Fevereiro é noite de plenilúnio. Mais uma vez a lua!...

Ó Vanda Rita
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*Nota (2/Fev. 2015): As "figuras" lendárias que preenchem o imaginário algarvio não se resumem aos gambozinos, nem sequer são as mais interessantes. As sempre presentes mouras encantadas ou a esquecida Zorra Berradeira são, neste contexto, muitíssimo mais fascinantes. Esta última, que povoava o imaginário popular algarvio sob a forma de diversas lendas e superstições, pode ser visualizada numa pintura de Carlos Porfírio, da colecção “Lendas do Algarve”, que se encontra no Museu Municipal de Faro.

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