Ó Vanda Rita - Sagres (Algarve - Portugal)
«Assim, seremos levados a crer que entre nós, e
desde a nossa época mais recuada, primeva,
ainda como agregado específico de povos e não já como Nação, foi o mito
cosmogónico, este como hierogamia da Terra e do Céu, que serviu de modelo a
nossas principais e mais singulares criações.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:11)
«É daqui [Sagres-S. Vicente] que, predestinadamente,
partirão os caminhos para o Centro, ou realização da totalidade ou
reintegração, numa procura que tomará o nome de demanda.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:16)
«…A especificidade
da nossa saudade se ligará, através do nosso tempo, à especificidade da nossa
concepção telúrica, mística e existencial vinda da religião arcaica da
Deusa-Mãe. Nesta primeva concepção, teria sido prometido ao homem, no seu culto
e crença, uma imortalidade fazendo-se no círculo inconsútil de reencarnações
sucessivas terrestres, num eterno retorno, de cadeia fechada no limite da
terra. Foi esse limite que, na nossa poesia e escatologia, seria quebrado por
Camões, Frei Agostinho da Cruz e Pascoais, e o círculo aberto à transcendência:
pelo amor celeste da mulher, “alma gentil”, pela Senhora da Assunção, na
Arrábida, ou pela Senhora da Saudade, no Marão: o homem e a terra ascendendo ao
céu.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:17)
«[Promunturium Sacrum] Sobre esta
sacralização, lembremos que desde o mais fundo do passado pré-histórico, a
pedra foi, pela sua persistência, dureza, imobilidade, através ou apesar da
passagem do tempo, e pela sua enorme presença de força, utilizada como
substracto da alma do morto – que ela, simultaneamente guardava e em si
concentrava. Será essa a finalidade dos monumentos megalíticos funerários,
tanto no passado, como ainda em certos povos actuais ditos primitivos. Daí o
sentido dos dólmenes e menires pré-históricos, como representação da Grande-Mãe
e do Grande Pai. E também do costume, ainda actual na Índia ou na Europa, dos
amontoados de pedras para comemorar em certo local um morto; amontoados aos
quais cada viandante junta outra pedra para repouso da alma do morto. Em
Portugal, estes amontoados se chamam Fiéis
de Deus. A pedra, como forma de fixar e proteger o morto contra a
dissolução da morte, será ela que agirá nessas pedras representando deuses,
heróis civilizadores ou fundadores, como os consagrados especialmente em
Sagres, segundo a tradição: Saturno, Hércules e Tubal, o deus da primeira
idade, o herói que livrou a humanidade dos monstros, e o fundador duma
comunidade de homens portugueses. As “pedras
são o espírito petrificado dos antepassados” segundo Leenhardt. Seria a
presença destes deuses antepassados e heróis, aos quais os visitantes de Sagres
rendiam outrora culto, nesse gesto ritual de voltarem pedras, depois de sobre
elas terem efectuado uma libação lustral.
E foi ainda essa
mesma persistência de culto aos mortos e sua presença viva, nesse espaço
extremo da terra, como abertura aos infernos, que Leite de Vasconcelos
encontrou na tradição oral. Viu ainda vários montículos de pedras, moledros; e do povo ouviu: quando daí se
leva uma pedra, colocando-a noutro sítio, na manhã seguinte ela não está nesse
sítio em que se deixou, pois D. Sebastião a repôs de noite no moledro.»
(PEREIRA DA COSTA, 1984:45-46)
Ó Pedro Cuiça - Grand Canyon (Arizona - USA)
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