O REGRESSO
As minhas narinas
deleitaram-se em respirar de novo a liberdade montanhesa! O meu nariz
libertou-se afinal de todos os mofos das coisas humanas. (p. 208)
PC © a Montanha do Pico |
ANTES DA AURORA
Ó céu por cima de
mim, ó pureza, ó profundeza! Ao contemplar-te estremeço de desejos divinos.
Elevar-me à tua
altura – eis para mim a profundidade! Ocultar-me no coração da tua pureza – eis
a minha inocência.
(…)
E nas minhas peregrinações solitárias, de que tinha a minha alma fome durante as noites e pelos caminhos do acaso? E quando eu escalava montes, a quem procurei sempre nessas montanhas, senão a ti? E todas essas peregrinações, e todas essas ascensões de montanha, que eram senão um expediente e uma maneira de iludir a minha impotência? O que eu queria era voar, voar em ti. (p. 181-182)
PC © o Céu sobre o Monte da Caparica (9/07/2021) |
DO ESPÍRITO DE
GRAVIDADE
Na verdade, também
aprendi a esperar, mas a esperar-me a mim mesmo. E sobretudo aprendi a estar de
pé, a andar, a correr, a saltar, a trepar, a dançar. Porque tal é a minha
doutrina; se quisermos aprender um dia a voar, é preciso começar por aprender a
estar de pé, a caminhar, a correr, a saltar, a trepar, a dançar.
Para aprender a voar
não basta um único golpe de asa.
Aprendi a escalar
mais de uma janela com escadas de corda; subi mastros elevados com pernas
ágeis; escarranchado nos elevados mastros do Conhecimento, experimentei uma
felicidade muito apreciável.
As chamas errantes
que se acendem no alto dos mastros não passam de um pequeno clarão, mas que
grande consolo para todos os navegadores perdidos ou naufragados.
Tomei por muitos
caminhos e servi-me de muitos meios para chegar à minha verdade, servi-me de
mais de uma escada para chegar à altura de onde o meu olhar percorre os
longínquos espaços.
E foi sempre
contrariado que perguntei o meu caminho, sempre isso me repugnou. Prefiro
interrogar os próprios caminhos e experimentá-los.
Experimentar e
interrogar é a minha maneira de avançar, e na verdade é também necessário aprender
a responder a semelhantes perguntas. É esse o meu gosto.
Esse gosto não é bom
nem mau, é o meu gosto; não tenho vergonha dele e não faço mistério.
«Eis o meu caminho; e vós, onde está o vosso?» É o que respondo aos que perguntam o «caminho». O caminho, com efeito, não existe. (p. 218-219)
PC © voltei a vestir a Camisola da Montanha (9/07/2021) |
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
NIETZSCHE, Friedrich. Assim
Falava Zaratustra. Lisboa: Guimarães Editores, 1985, pp. 376.
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