sexta-feira, 9 de julho de 2021

A Montanha e/é o Céu

 

O REGRESSO

As minhas narinas deleitaram-se em respirar de novo a liberdade montanhesa! O meu nariz libertou-se afinal de todos os mofos das coisas humanas. (p. 208)

 

PC © a Montanha do Pico


ANTES DA AURORA

Ó céu por cima de mim, ó pureza, ó profundeza! Ao contemplar-te estremeço de desejos divinos.

Elevar-me à tua altura – eis para mim a profundidade! Ocultar-me no coração da tua pureza – eis a minha inocência.

(…)

E nas minhas peregrinações solitárias, de que tinha a minha alma fome durante as noites e pelos caminhos do acaso? E quando eu escalava montes, a quem procurei sempre nessas montanhas, senão a ti? E todas essas peregrinações, e todas essas ascensões de montanha, que eram senão um expediente e uma maneira de iludir a minha impotência? O que eu queria era voar, voar em ti. (p. 181-182)

PC © o Céu sobre o Monte da Caparica (9/07/2021)


DO ESPÍRITO DE GRAVIDADE

Na verdade, também aprendi a esperar, mas a esperar-me a mim mesmo. E sobretudo aprendi a estar de pé, a andar, a correr, a saltar, a trepar, a dançar. Porque tal é a minha doutrina; se quisermos aprender um dia a voar, é preciso começar por aprender a estar de pé, a caminhar, a correr, a saltar, a trepar, a dançar.

Para aprender a voar não basta um único golpe de asa.

Aprendi a escalar mais de uma janela com escadas de corda; subi mastros elevados com pernas ágeis; escarranchado nos elevados mastros do Conhecimento, experimentei uma felicidade muito apreciável.

As chamas errantes que se acendem no alto dos mastros não passam de um pequeno clarão, mas que grande consolo para todos os navegadores perdidos ou naufragados.

Tomei por muitos caminhos e servi-me de muitos meios para chegar à minha verdade, servi-me de mais de uma escada para chegar à altura de onde o meu olhar percorre os longínquos espaços.

E foi sempre contrariado que perguntei o meu caminho, sempre isso me repugnou. Prefiro interrogar os próprios caminhos e experimentá-los.

Experimentar e interrogar é a minha maneira de avançar, e na verdade é também necessário aprender a responder a semelhantes perguntas. É esse o meu gosto.

Esse gosto não é bom nem mau, é o meu gosto; não tenho vergonha dele e não faço mistério.

«Eis o meu caminho; e vós, onde está o vosso?» É o que respondo aos que perguntam o «caminho». O caminho, com efeito, não existe. (p. 218-219)


PC © voltei a vestir a Camisola da Montanha (9/07/2021)



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falava Zaratustra. Lisboa: Guimarães Editores, 1985, pp. 376.



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