sábado, 30 de janeiro de 2021

Walking Around

 



«Dia 108

km 4238,1 a km 4269,7 = 31,6 km


Tão Bom! Tão Bom! Tão Bom!

108 dias depois de estar debaixo de chuva na fronteira com o Canadá, junto ao monumento inicial, quilómetro zero, chego ao monumento final, na fronteira com o México, quilómetro 4269,7.

Fiz algo que sabia que ia conseguir, porque como eu já disse várias vezes, eu consigo tudo, assim como sei que tu consegues tudo. Mas a adrenalina de saber que somos capazes de fazer algo é totalmente diferente de quando realmente o realizamos: é um sentimento de conquista brutal! Não consigo explicar tudo o que vi, o que senti e que estou a sentir neste momento. Tenho tantas imagens no caminho a passar na minha mente agora, do norte de Washington ao sul da Califórnia, no meio de florestas, montanhas e planícies, debaixo de chuva, trovoada e calor, acompanhado por uma vida selvagem infinita que partilhou o seu habitat comigo da forma mais pura possível. Que bonita que foi a caminhada, que bonita é a vida!

Como sabes, tive alguns dias tristes e menos bons, mas posso dizer que grande parte deles, quase todos mesmo, eu estava simplesmente sujo, cansado, mas feliz!

Obrigado Universo!»

Fábio Inácio (2020: 140)

 

Ó Fábio Inácio (2019)

Ó Fábio Inácio (2019)


Ó Fábio Inácio (2019)



«FONTEIRA CANADÁ 5 de Julho [2019];

FRONTEIRA MÉXICO 20 de Outubro [2019];

TOTAL 108 dias;

             4269,7 km ¸ 108 = 39,5 km dia;

BANHO 20 (a cada 5.4 dias, o máximo foram 9 dias sem banho);

NOITES A ACAMPAR 96 (44 sozinho, 52 acompanhado)

NOITES EM CAMA 11 (a cada 9 dias – 1 hotel, 3 motel, 5 hostel, 2 casa trail angel);

VIDA SELVAGEM 5 ursos, 1 puma, milhares de outras espécies.»

Fábio Inácio (2020: 309)

 

Ó Fábio Inácio (2019)


LEITURA DE (DES)CONFINAMENTO

Autor: Fábio Inácio

Título: Walking Around Sul – Pacific Crest Trail

Edição: Bruno Gomes, Jorge Simão e Fábio Inácio (2020)

Número de páginas: 312

Tiragem: 1000 exemplares

ISBN: 978-989-33-1133-2

 



Silêncio - Silently

 

Ó Luísa Ferreira Nunes (2020: 52-53)


«Na nossa era talvez nunca tivéssemos vivido um momento semelhante ao presente, em que uma pausa coletiva forçou comunidades a formas de afastamento social. A incerteza das circunstâncias converteu-se numa oportunidade para uma maior relação de proximidade com a natureza. Mesmo no plano científico o trabalho de campo, que nem sempre permite a contemplação e a necessária observação demorada, desta vez não foi limitado pela temporalidade dos prazos e os dias prolongaram-se por muitas horas. Daí resultaram ideias ilustradas sobre a complexidade dos pequenos habitats. A abordagem naturalista, também muito pessoal, foi a de trocar escalas e perspetivas nas ilustrações.»

Luísa Ferreira Nunes (Maio 2020)

 

Ó Luísa Ferreira Nunes (2020: 2)

«Have we ever had such a moment? A moment for a forced, collective pause, where society has collectivelly dropped out of society? In this time of uncertainty, I took the opportunity to try once more to build on reconnecting to nature. What might we return to after thirty (or more) days of observing how animals were venturing into places that are usually busy with human activity?

(…)

Scientific fieldwork does not always allow contemplation and lengthy observations, but this time, there were no deadlines and the days were long. This resulted in some illustrated ideas about the complexity of small habitats. The naturalistic approch, also very personal, was to exchange scales and perspectives in illustrations.»

Luísa Ferreira Nunes (May 2020)

 

Ó Luísa Ferreira Nunes (2020: ilustração de capa e contracapa)


LEITURA DE (DES)CONFINAMENTO

Autora: Luísa Ferreira Nunes

Título: Silenciosamente – Silently

Edição: RVJ – Editores (Castelo Branco, 2020)

Número de páginas: 82

Tiragem: 300 exemplares

ISBN: 978-989-54750-7-0

 


WILD CHILD

 

May we raise children

who love the unloved

things – the dandelion, the

worms & spiderlings.

Children who sense

the rose needs the thorn

& run into rainswept days

the same way they

turn towards sun...

And when they're grown &

someone has to speak for those

who have no voice

may they draw upon that

wilder bond, those days of

tending tender things

and be the ones.

 

Nicolette Sowder

[wilderchild.com]


Ó Lucy Campbell

 

«O mundo da criança é cheio de frescura, de novidade, de beleza, povoado de maravilhas e entusiasmo. É pena que, para a maioria de nós, essa visão de olhar límpido, esse verdadeiro instinto que inclina ao belo e inspira temor e respeito, se esbata e mesmo perca antes de chegar à idade adulta. Se eu tivesse alguma influência sobre a fada boa que se julga presidir ao batismo de todas as crianças, pediria que o seu presente para qualquer criança que viesse ao mundo fosse uma capacidade de maravilhamento tão indestrutível que duraria toda a vida, como antídoto infalível contra o aborrecimento e o desencanto da idade adulta, as preocupações estéreis como as coisas artificiais, o alheamento que nos afasta das fontes da nossa força.» [CARSON, 2012: 41]

 


«A análise que temos vindo a fazer ao longo de 48 anos de investigação permitiu-nos chegar a uma conclusão alarmante: por os adultos não lhes permitirem brincar e brincar em liberdade, as nossas crianças estão a tornar-se totós, verdadeiros analfabetos a nível motor. Impedidas de se movimentarem livremente na Natureza e em espaços abertos, em contacto com o ar livre e os elementos naturais, sem lugar para a imaginação e a criatividade, as crianças de hoje estão cada vez mais tolhidas e presas por uma iliteracia motora gritante. (…)

As crianças do nosso tempo vivem prisioneiras no espaço e no tempo e sujeitas a dinâmicas impostas por modelos de gestão familiar, escolar, laboral, social e cultural. Há crianças sem infância, que não vivenciam as experiências próprias da sua idade e, deste modo, veem comprometida a aquisição de competências fundamentais ao sucesso na vida adulta. A infância só se vive uma vez.

Esta é a era de crianças prisioneiras que não brincam, já deixaram de brincar ou já não sabem brincar, porque têm o tempo todo organizado, passado na escola, em casa ou no carro, a preparar-se para um futuro incerto que não tem em conta o seu presente.» [NETO, 2020: 17-18]

 


Vivemos um período excepcional, devido à pandemia da Covid-19, que está a confrontar de forma inaudita a sociedade, em geral, e os indivíduos, em particular, com a prisão na qual as nossas vidas se transformaram por via do cercear de liberdades básicas (tidas como garantidas) como a designada “livre circulação”. Um período que pode (ou poderia?) surgir como o despertar para um novo estado – de liberdade – não fosse o obsessivo anseio do regresso à pretensa “normalidade”. Será que a Covid-19 não tornou evidente que a “normose” (uma espécie de doença da normalidade) mais não era/foi do que uma alienada/alienante prisão? A Liberdade terá de passar necessariamente por novos horizontes que não deverão estar alheados da Responsabilidade, na senda de um Agostinho da Silva e outros inspirados pensadores operativos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARSON; Rachel. Maravilhar-se – Reaproximar a Criança da Natureza. Porto: Associação Campo Aberto/Edições Sempre-em-Pé, 2012, pp. 104. ISBN 978-972-8870-36-2

NETO, Carlos. Libertem as Crianças – A urgência de brincar e ser ativo. Lisboa: Contraponto Editores, 2020, pp. 240. ISBN 978-989-666-239-4