segunda-feira, 24 de agosto de 2020

D'A ESTRANHEZA

 D'O ESTRANHO MUNDO EM QUE VIVEMOS


Gripe Espanhola © N.A. (1918)

Quando em Março publiquei o post Cuidem-se e cuidem, sobre a importância de fortalecer o sistema imunitário no contexto da covid-19, referi que não era ocasião para críticas ou prognósticos mas que teríamos oportunamente, num futuro mais ou menos próximo (ou afastado), a possibilidade de reflectir (e consequentemente de opinar) sobre a pandemia. Na altura remeti essa possibilidade para uma origem divina – “se Deus quisesse” – mas hoje talvez seja mais sensato dizer “se a censura o permitir”!!!

Passou a Primavera e o Verão vai avançado: continuamos a “achar” que não é o momento de tecer considerandos sobre os “fenómenos pandémicos” (na verdade, não nos apetece)… Apenas damos nota de dois “episódios pontuais” que consideramos, neste âmbito, significativos e dignos de menção: (1) as inusitadas e injustificadas “censuras”, que ocorreram no Facebook, do post referido acima (posteriormente corrigidas!) e (2) a concretização da previsão, também publicada no Facebook, da proibição daí a dias da prática de caminhadas no Parque Florestal de Monsanto. Felizmente, ao contrário do que se passou na França, foi possível efectuar caminhadas diárias, “à porta de casa”, desde que de curta duração e extensão: as designadas "caminhadas higiénicas! Nesta matéria, recomendamos vivamente a leitura d’Este Vírus Que Nos Enlouquece, publicado recentemente pela Guerra e Paz (Julho de 2020), da autoria de Bernard-Henry Lévy, de que destacamos uma pequena citação e dois trechos, do encerramento do livro, para abrir o apetite ou aguçar a curiosidade, como queiram.

 

Ou o (im)perfeito anormal?

O passeio do animal de companhia e, a partir de 11 de Abril, a sua adopção foram integradas na lista de deslocações autorizadas enquanto continuavam interditos os passeios solitários ou a dois, em percursos pedestres ou em praias. 

[LÉVY, 2020: 73]


O mundo, no Gaffiot, esse dicionário de latim no qual os jovens outrora aprendiam a pensar em francês, era mundus – e usava-se em dois sentidos.

O verdadeiro mundo. Aquele onde os homens penam, choram, morrem e desejam. Aquele que, no século XX, por duas vezes desmoronou, na verdade três com a longa ruína do comunismo – mas que os seus habitantes estão todas as vezes, prontos para reconstruir. Aquele onde nos sabemos herdeiros de um passado criminoso que engoliu, como uma jibóia, e que ainda engolirá, todas as antigas filosofias, mas onde nunca resolvemos, apesar disso, deixar de pensar e sobretudo de agir. Aquele, em suma, de uma geração, a minha, que foi educada com a convicção de que já não se trata de ver os comboios passar nem de repetir, como um disco riscado, «isto nunca mais» – mas que é preciso fazer tudo, tudo, politicamente, praticamente, activamente, quase manualmente, para conter um pouco esse «isto»…

(…)

Mas mundus também quer dizer aquilo que é nítido e limpo. Sem nódoas e imaculado. Asséptico. Higienizado. Em grego, quer dizer cosmos. Em francês, cosmética. E é o nome de um outro mundo, indiferente ao seu lado maldito, esquecido de que o imundo existe e de que faz parte do nosso ofício humano afronta-lo – é o nome de um mundo demasiado belo, onde é suposto escondermos essa miséria, esse mal, essa Medusa, cuja visão não suportaríamos… Nesse mundo, velhos como o mundo a quem o coronavírus renova a fama, os homens que apanham um avião para reportar o que se passa no golfo de Bengala são [considerados] assassinos do planeta.  Os internacionalistas que partem para as regiões onde brilham, em vez dos nomes e dos lugares, os ceifeiros da morte, que se metem onde não devem para depois serem chamados à atenção. E, quando regressam, que encontram? Um mundo onde reinam os técnicos da ventilação, os vigilantes gerais do estado de emergência, os delegados da agonia. Um mundo onde, em vez do mundo que faz demasiado mal, temos o álcool-gel, as varandas onde nos auto-elogiamos, cães para passear duas vezes ao dia munidos de atestados covid e cidades expurgadas da multidão humana, como uma sala de operações, das infecções mesocomiais. Um mundo de donos de cães, quer dizer , de donos que são cães e se comportam como cães, uma humanidade que só tem direito a ladrar quando lhe lembram que é feita de homens, a gemer quando apanha um vírus e a latir quando o senhor Corona, nosso rei, lhe vier dar uma lição como se dá a ração ou uma tareia. O mundo foi feito para se encolher, diz o rei Corona. Foi feito para que nos deitássemos. E se o sono tarda a vir, é preciso contar carneiros e dinheiros, se os tivermos, e, portanto, também de vírus.

Não é bela a vida?

Não temos tudo aquilo de que precisamos (os bens de primeira necessidade, mas também, no final de contas, o sexo, a imaginação, a morte) à distância de cliques e Netflixes? Olha! Cá está essa «net», que é o outro sentido de mundus

Esta é a lição do vírus.

Esta é a razão da minha fúria.

E é ainda a razão pela qual era preciso resistir, custasse o que custasse, a esse vento de loucura que sopra sobre o mundo.

[LÉVY, 2020: 99-102]

 



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

LÉVY, Bernard-Henri. Este vírus que nos enlouquece. Lisboa: Guerra e Paz, Editores, 2020, pp. 104. ISBN 978-989-702-563-1


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

CRUX

"My feeling is that August promises to be a challenging month. PROTECTION IS CRUCIAL. Pray, even when you cannot feel the Presence. Pray, even when you doubt in Benevolence. Pray, even when all is hopeless. Pray - and listen - and act upon those prayers."

Amanda Mariamne Radcliffe (August 3, 2020)


Pedro Cuiça (August 2019) © Holy Mountain of Bugarach (Occitania - France) )