A Ciência da Motricidade
Humana (CMH), por mim teorizada, foi apresentada, publicamente, nas minhas
provas de doutoramento, em 1986. Porque estuda
o movimento intencional da transcendência, é uma ciência social e humana.
Aliás, a transcendência é uma dimensão específica humana, inédita nas demais
criaturas, já que se afirma como ruptura e como projecto como criação de um
mundo novo. [SÉRGIO, 2016: 158]
A reforma permanente (na escola, no lazer, no treino, nas
competições, nas federações, nas associações e no clubismo em geral) que deverá
ser levada a cabo por agentes de prática diligente e rigorosa, mormente os
licenciados pelos cursos universitários de motricidade humana e desporto.
Reforma permanente ainda porque há-de ser a Escola, através de uma séria educação
lúdica e desportiva, o primeiro espaço do lazer desportivo e até de uma certa
competição, onde pela transcendência o «agente do desporto» tome consciência de
que não é objecto da história, mas sujeito criador da própria história. Na
escola não há lugar à «especialização precoce», mas ao cultivo daquelas
virtudes que preparem a criança, não para o conformismo mas para «incoformar-se»,
à alta competição, sem escrúpulos, da vida hodierna. Não vivemos em pleno
hipercapitalismo, onde o individualismo, e exclusão, o progresso linear e
quantitativo imperam? Desporto que, no Lazer, na Saúde, na Educação, no
Trabalho, na Alta Competição (ou Alto Rendimento) apareça como o corpo em ato, movimentando-se
intencionalmente, de acordo com uma ética e uma estética da existência. O
movimento é sinal e fator de vida. Praticá-lo, nomeadamente como ginástica, ou
jogo, ou desporto, é contribuir para a saúde e o bem-estar da pessoa e da
sociedade. A preservação natural, os
espaços verdes e um urbanismo arquitetado em critérios ecológicos deverão
ter-se também em conta, no desenvolvimento desportivo. A cidade civilizou o
cidadão, mas as megalópolis afastam-no da natureza e do seu semelhante. As
percentagens assustadoras das doenças mentais, nervosas e cárdio-circulatórias
traduzem um custo real. [SÉRGIO, 2017: 33-34]
(…) Do que venho de escrever se infere que os licenciados em
Motricidade Humana, ou em Desporto, podem fazer sua, tanto no treino, na
competição, ou na escola, a paráfrase, que eu proponho, das palavras de Kant e
Hans Jonas: «Pratica desporto de tal
maneira que o resultado da tua prática promova e fomente a permanência de uma
vida autenticamente humana sobre a Terra». [SÉRGIO, 2017: 44]
(…) O modelo, no desporto hodierno, ainda intimamente ligado à cultura do ter e não à cultura do ser. Ora, é o homem que se é que triunfa no treinador (ou no
jogador, ou no dirigente) que se pode ser. No desporto entendido como movimento
intencional, ele é mais escola do que circo – nele, vive-se num «fieri»
(tornar-se) permanente. [SÉRGIO, 2017: 53]
Urge ainda clarificar a noção de movimento humano. Segundo esta filosofia da encarnação, fica reforçada
a convicção que o corpo tem uma intencionalidade dinâmica, que se dirige para
as coisas e para os homens, com os quais compartilha o Mundo. O movimento
humano oferece uma certa significação perceptiva, forma com os fenómenos exteriores
um sistema tão intimamente relacionado que a percepção se compreende no
deslocamento dos órgãos perceptivos, encontrando neles, não uma explicação expressa, mas pelo menos o
motivo das transformações que acontecem na vida. Existe um movimento intencional do corpo, diferente do simples
movimento no espaço, e que tange ao caminho e abertura para as coisas, para os
outros. [SÉRGIO, 2018: 103]
© Pedro Cuiça: o Prof. Dr. Manuel Sérgio (à esquerda) e o treinador Fonseca e Costa (à direita). Foi um grato
privilégio receber os ensinamentos do Prof. Manuel Sérgio (e, claro, do Prof. Fonseca e Costa) de viva-voz, no
seminário “Debater a Motricidade Humana” que decorreu no Dia da Actividade
Física (6 de Abril de 2019), na Biblioteca Municipal de Odivelas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SÉRGIO, Manuel. Desporto em Palavras. Porto: Edições
Afrontamento/Plano Nacional de Ética no Desporto, 2016, pp. 176.
ISBN978-972-36-1453-4
SÉRGIO, Manuel. Para um Desporto do Futuro. Lisboa:
Instituto Português do Desporto e Juventude, 2017, pp. 64.
ISBN978-972-36-1587-6
SÉRGIO, Manuel. Para uma Epistemologia da Motricidade Humana.
Lisboa: Nova Veja, 2018, pp. 208. ISBN 978-989-750-076-3
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